NERVOS | Desistindo para reexistir em seu próprio tempo
- Nayara Reynaud

- 28 de jun.
- 7 min de leitura
Atualizado: 6 de out.

É... Faz tempo que nada acontece por aqui no NERVOS. Minha última crítica, sobre o filme francês Nós Duas (2019), foi escrita em dezembro de 2021; minha cobertura derradeira do evento de mercado II Encontro de Ideias Audiovisuais, dentro da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, foi publicada em novembro de 2022; e, em janeiro de 2023, vieram os posts finais sobre as indicações ao Oscar daquele ano e a Escalada Rumo ao Oscar, que incompleta, tirei do ar. No entanto, desde o momento em que "cometi" outro texto em primeira pessoa, quando explicava da interrupção da série Parada Cultural das Nações no podcast, lá em agosto de 2021, ficou claro que o site já estava em descompasso, como reflexo de sua própria dona e "faz tudo". Mas será que não estava antes?
Quando o Nervos foi criado em dezembro de 2016, a ideia era ser um espaço para continuar a exercer a crítica cinematográfica e o jornalismo cultural, enquanto outras oportunidades não aparecessem. Logo, a força das circunstâncias e meu próprio comprometimento com o site o transformaram em trabalho, trazendo experiências gratificantes como as dezenas de entrevistas realizadas para o podcast, mas também esforço contínuo e hercúleo, sem que fosse sequer remunerado – deixo ainda o Adsense aqui por teimosia e vã esperança de que, um dia, conseguirei receber o saldo mínimo pelo empenho dos seis anos iniciais. Persisti bastante até que se tornasse inevitável parar: primeiro, com a crítica por conta da precarização da profissão; depois, com o Nervos e a pressão autoimposta por produtividade; e, pouco a pouco, em outras instâncias profissionais, com compromissos, hábitos e comportamentos, meus e de outras pessoas em relação a mim e aos outros, que já pediam por um encerramento ou uma transformação.
Foi – ou tem sido? – um longo processo de assimilação de conquistas e perdas para estar apta a um novo início. Algo que poderia descrever aqui em mil palavras, mas acredito que o filme Posso Contar nos Dedos (2024), de Victória Kaminski, que assisti em um momento pontual de imensa identificação e hoje é um dos finalistas do Prêmio Grande Otelo 2025 na categoria de Curta-Metragem de Animação, sintetiza melhor do que qualquer tentativa minha, por ora. Fato é que já dei partida no carro novamente e, mesmo sob a neblina, sigo uma nova rota que, na verdade, é um retorno aos sonhos que me acompanham desde o início do meu encantamento pelo cinema: o desejo de contar histórias.
E nesta reconciliação entre passado, presente e futuro, ainda que minha prioridade esteja em desenvolver minhas ideias, argumentos e roteiros e minha necessidade esteja em conseguir freelas e trabalhos que viabilizem estes projetos e o sustento pessoal/familiar, a vontade de desistir e paradoxalmente de retornar com o Nervos permanece. Quando surgiu a oportunidade de ir ao 14º Olhar de Cinema como júri da crítica pela Abraccine, vi ali a chance de conciliar ambos os sentimentos. Fazer as pazes com quem já fui e o que já fiz para poder seguir em frente.
Por isso, volto a escrever aqui, encarando o Nervos menos como site e mais como blog, não como trabalho e sim como hobby, ainda que mantendo a responsabilidade e ética de sempre. E, principalmente, abandonando a obrigação de seguir a agenda dos últimos lançamentos para se desprender deste compasso apressado e (ir)regular do mundo ou que eu mesmo imponho a ele. O compromisso é com o seu/meu próprio tempo, mais depurado, provavelmente com textos esporádicos, mas que pode vir em sequência se o fluxo assim pedir. Igualmente, em ser um espaço de reflexão a partir do aprendizado, observações, frustações e ímpetos de mudança acumulados nestes anos na crítica, no jornalismo, na curadoria e também já como aspirante à roteirista, para trazer mais questionamentos e perguntas do que respostas prontas e certezas absolutas, conforme pensei desde o princípio e persegui tentando até o seu aparente fim.
Curiosamente ou não, diversas obras que ouvi ou assisti ao longo deste mês de junho conversaram de certa forma com este momento de finais e inícios de ciclos, servindo como exorcismo e também acalento. E delas, emprestei um pouco de seus sentidos para o título deste arremedo de editorial confessional. Por isso, peço licença para citá-las brevemente antes de terminar este recomeço.
Haim – minha banda favorita desde que entrei, justamente, neste mundo do audiovisual estudando na ETEC Jornalista Roberto Marinho e trabalhando no Cineweb – lançou seu novo e quarto álbum na sexta da semana passada (20) e, mesmo sem a versatilidade inspirada do anterior – e meu maior companheiro de quarentena – Women in Music Pt. III (2020), faz uma viagem sonora nostálgica aos anos 1990, usando do indie e pop rock e até do country, drum'n'bass e samples de George Michael e U2 para bradar a libertação através da desistência. Em I Quit (2025), as três irmãs versam e cantam, principalmente, sobre as desilusões amorosas que as tornaram céticas para a possibilidade de novos relacionamentos, em especial a partir do fim da relação de longa data da vocalista, guitarrista e baterista Danielle Haim com Ariel Rechtshaid, que foi produtor dos três primeiros discos do trio que ficara mais conhecido pelos cinéfilos após Licorice Pizza (2021). No entanto, o trabalho cujo título foi retirado de uma cena de The Wonders – O Sonho Não Acabou (1996), como revelou a baixista Este no Tonight Show Starring Jimmy Fallon (2014-), reverbera também de maneira mais abrangente para os ouvintes e, segundo a atriz e multinstrumentista Alana, as músicas têm como tema "desistir de algo que não funciona mais para nós. Agora parece um título incrivelmente bonito, porque desistir significa um novo começo. Às vezes, você precisa desistir para dar espaço para que as grandes coisas aconteçam".
"Não desista", aconselha Little Simz – que se tornou uma das minhas artistas preferidas há alguns anos – em Flood, uma das mais potentes faixas de seu sexto álbum, Lotus (2025), lançado no início do mês (6). Após a exuberância de sua obra-prima Sometimes I Might Be Introvert (2021) e o mergulho profundo de NO THANK YOU (2022), a rapper inglesa de origem nigeriana que, por barreiras de gênero e geográficas, não é tão conhecida quanto deveria pelos amantes de hip hop demonstra não estar tão preocupada em mostrar sua virtuosidade musical e lírica, porque suas rimas estão a serviço da sua necessidade latente de expurgar a confusão de sentimentos alimentados nos últimos tempos, especialmente após encerrar sua parceria de trabalho com o produtor Inflo e, por consequência, com a cantora e esposa dele, Cleo Sol. Na justiça, ela reclama por um vultuoso empréstimo não quitado pelo antes amigo para financiar o único show de seu ótimo projeto pessoal SAULT, mas com a direta abertura Thief e outras músicas, Simz evidencia com seu notável talento que a parceria, mesmo que frutífera artisticamente, tinha raízes que a sufocavam pessoalmente. Em outras canções, como a satírica Young, a decepção é voltada para a sociedade britânica – só ela? – e suas promessas vazias, mas o disco que conta com inúmeras colaborações dos melhores nomes da cena atual do Reino Unido e Nigéria (novamente e em dose dupla com Obongjayar e agora com Michael Kiwanuka, Lydia Kitto, SAMPHA e muitos outros) carrega a mensagem geral de renascimento simbolizada pela flor do título, que nasce até da lama, e pelo retorno da autoconfiança de Simbi em sua própria arte.
Da minha primeira experiência presencial no Olhar de Cinema 2025, realizado de 11 a 19 de junho em Curitiba, para além da baixa imunidade que a rotina de um festival traz e da qual ainda não me recuperei totalmente, trago as reflexões cinematográficas que me dedicarei com calma nos próximos textos e materiais por aqui, assim como alguns momentos fílmicos que ecoaram fundo em mim, a exemplo do monólogo inicial de Gilda Nomacce no divisivo Explode São Paulo, Gil (2025). No entanto, destaco aqui o bálsamo trazido por Cais (2025), de Safira Moreira, não pelo longa ter sido triplamente premiado pelo júri oficial, popular e por nós no júri da crítica. Mas porque, aproveitando a própria justificativa escrita em conjunto com minhas colegas Cecilia Barroso e Luciana Melo no Júri Abraccine, na busca pessoal para processar o luto pela partida de sua mãe, Angélica Moreira, a cineasta baiana traça uma jornada poética e universal de "reconciliação com o tempo".
Sim, este às vezes escrito com o T maiúsculo, que inúmeras religiões e cosmologias criaram suas mitologias para tentar compreender o impalpável que nos atravessa e cujas palavras do músico Mateus Aleluia no filme chegam perto de decifrá-lo. Nisto, o longa promove uma desaceleração do tempo artificial que criamos socialmente para se reconectar com o tempo natural, da natureza em sua totalidade e daquela contida em nosso corpo – esta, aliás, que tenho aprendido a duras penas a saber ouvi-la e entender seus sinais que chegam mais rápido do que a nossa consciência consegue formular.
Na minha timidez habitual e cansaço pós-festival, comentei com a diretora, na van para o aeroporto, sobre a surpresa de Cais também ter sido premiado pelo público. Entretanto, se tivesse estendido a conversa, de certo, chegaria à conclusão de que o resultado demonstra como este desejo formulado cinematograficamente por Safira, que gerou tanta identificação em mim, talvez, seja uma vontade coletiva. Há um descompasso geral, mas não sabemos como e de que maneira parar e nos reconciliarmos com o nosso próprio tempo.
Sem saber, mesmo assim, sigo tentando na minha vida e, agora, de volta neste novo velho Nervos.
OBS: o aplicativo VLibras ainda não está funcionando plenamente, acredito que por impedimento da própria plataforma Wix, mas ainda assim é possível utilizar o recurso de acessibilidade copiando o texto para tradução dentro do app. Vou tentar melhorar isso e outras questões no blog aos poucos.


























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