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MOSTRA SP 2022 | Passado, presente e futuro no II Encontro de Ideias Audiovisuais


Mesa "Igualdade de Gênero no Setor Audiovisual", realizada na Cinemateca Brasileira em 28/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)
Mesa "Igualdade de Gênero no Setor Audiovisual", realizada na Cinemateca Brasileira em 28/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)

Em 2018, a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo criou, como atividade paralela a sua tradicional e extensa programação de filmes, o Encontro de Ideias, evento que reuniu pitchings de projetos de filmes e de livros com potencial de adaptação audiovisual, rodadas de negócios e abrigou também as discussões do Fórum da Mostra, iniciado em 2016. Depois de quatro anos e muitas crises que abateram o setor audiovisual no país, o festival volta a reunir o mercado cinematográfico em torno dos temas mais relevantes para a área, justamente em um momento crucial, no II Encontro de Ideias Audiovisuais, que aconteceu de 26 a 29 de outubro de 2022, na Cinemateca Brasileira. Ao longo dos últimos dias, o NERVOS acompanhou as mesas de debates e traz um especial mostrando as principais ideias e preocupações levantadas pelos variados profissionais que constroem continuamente o audiovisual brasileiro.

 

Memória


Helen Beltrame-Linné, Kleber Mendonça Filho, Matheus Pestana e Rodrigo Mercês (esq. para dir.) no debate "Cinema, Memória e Preservação", realizado no dia 26/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)
Helen Beltrame-Linné, Kleber Mendonça Filho, Matheus Pestana e Rodrigo Mercês (esq. para dir.) no debate "Cinema, Memória e Preservação", realizado no dia 26/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)

O II Encontro de Ideias Audiovisuais abriu seus trabalhos na Cinemateca Brasileira, na quarta retrasada (26), com a discussão mais apropriada para se dar naquele local, ainda mais neste momento. Com o título “Cinema, Memória e Preservação”, a primeira mesa de debate do VI Fórum Mostra reforçou a necessidade de preservar a história do cinema brasileiro justamente no templo dedicado a isso, reaberto depois de uma década de crise. A via crucis começou ainda no governo Dilma, com a exoneração da diretoria e uma investigação de irregularidades em 2013, que nunca foram comprovadas, mas que reduziram drasticamente o número de funcionários, e a instabilidade que não foi resolvida enquanto Michel Temer estava no poder, claramente se agravou quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência e o seu discurso contra a cultura se materializou no abandono e fechamento da instituição, além da tragédia anunciada do incêndio no galpão na Vila Leopoldina, na capital paulista, no ano passado – um histórico mais detalhado da crise institucional e política da Cinemateca Brasileira pode ser encontrado nesta reportagem de Flavia Guerra para o Jornal da Unesp.


Reaberto no último dia 13 de maio, novamente sob a gestão da Sociedade Amigos da Cinemateca, o espaço recebeu o cineasta Kleber Mendonça Filho, o diretor de programação da Cinelimite, Matheus Pestana, e o coordenador dos laboratórios de preservação e restauração da própria Cinemateca, Rodrigo Mercês, sob a mediação da colunista e roteirista Helen Beltrame-Linné, para abordar o trabalho deles neste campo e as dificuldades enfrentadas em um país sem muito apreço pela memória. “A Cinemateca é como a pessoa que guarda os álbuns de fotos da família e precisa ser preservada e isso só vai acontecer com uma política agressiva, pública quanto a isso”, reafirma Mendonça Filho, que relatou os empecilhos que tem lidado tanto como diretor, trabalhando em dois filmes de arquivo, quanto como programador e curador no Instituto Moreira Salles e no festival Janela Internacional de Cinema do Recife em conseguir levar produções antigas para esses locais.


Pestana, por sua vez, contou como o caos da pandemia e as crises na Cinemateca e no CTAv, no Rio de Janeiro, motivaram a criação da Cinelimite, fundação dedicada a divulgar “o cinema de repertório brasileiro pelo mundo”, realizando a digitalização de filmes, tratando com seus detentores sobre direitos, fornecendo legendas, programando títulos em salas em Nova York, Paris, Lisboa e outros lugares, além de fornecer acesso gratuito aos mesmos na internet. Um exemplo desse trabalho esteve presente nesta 46ª edição da Mostra, que teve a exibição da cópia em 4K de A Rainha Diaba (1974), de Antonio Carlos da Fontoura, em uma parceria da Cinelimite e do Janela. O foco atual do projeto está em filmes domésticos em Super-8, o “cinema que nunca foi ao cinema”, segundo Matheus, que comentou que a tarefa já rendeu a descoberta de um ciclo de cineastas gays em Recife nos anos 1970 e 1980 que estão sendo digitalizados.


Mercês contou todo o processo de pesquisa da “melhor cópia” em 35mm de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), para encontrar a melhor “referência de som e imagem” da obra de Glauber Rocha e fazer sua celebrada cópia 4K, exibida no último Festival de Cannes, na própria programação de reabertura da Cinemateca e agora na Mostra SP. O especialista pontuou também as diferenças para outra produção restaurada que foi exibida no evento, a de Agulha no Palheiro (1952), de Alex Vianey, que precisou ser realizada a partir de diversos materiais, resultando em uma cópia que, infelizmente, ainda traz certa irregularidade em relação ao som. Citando uma frase do fundador da instituição, o historiador e crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, de que “ninguém é contra a Cinemateca, mas ninguém vai ajudar”, Rodrigo destacou como a interrupção de ações, como a da base de dados que solucionava um problema recorrente no setor quanto à catalogação, prejudica o trabalho deles e criação de uma cultura de valorização desses acervos que, para Kleber, também deve passar pelos realizadores brasileiros na conservação de seus próprios filmes.

 

Chão de Fábrica


Fernanda Lima, Fernanda Lomba, Mauro Garcia e Marcelo Rocha (esq. para dir.) no debate "Spcine apresenta: Processos de formação e inserção profissional e os novos modelos de negócios no mercado audiovisual", realizado no dia 27/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)
Fernanda Lima, Fernanda Lomba, Mauro Garcia e Marcelo Rocha (esq. para dir.) no debate "Spcine apresenta: Processos de formação e inserção profissional e os novos modelos de negócios no mercado audiovisual", realizado no dia 27/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)

Outro foco das discussões do evento foi sobre a base dos profissionais que trabalham no audiovisual, abordando a formação, inserção no mercado e a igualdade de gênero nele. Neste primeiro quesito, o objetivo principal da mesa “Faculdade Belas Artes apresenta: O ensino de cinema no novo mercado audiovisual” de promover o recente curso de graduação em Cinema da referida instituição de ensino acabou limitando um debate maior sobre o tema – algo que estava acontecendo simultaneamente no Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual, o Forcine, como bem lembrou o professor e documentarista Pedro Ortiz no encontro realizado na sexta (28) de manhã. Ainda assim, as falas do produtor Marcelo Braga, dono da Santa Rita Filmes, frisando que “é importante trazer o aluno desde o início [para o set], não apenas para estagiar quando está se formando”, e do cineasta Maurício Eça, relembrando as dificuldades enfrentadas por ele quando era estagiário e recém-formado, justamente no período em que a Embrafilme foi encerrada pelo Governo Collor, demonstraram o consenso de que a academia e o mercado audiovisual precisam estar mais próximos.


Mais profundas foram as constatações da mesa realizada no dia anterior, “Spcine apresenta: Processos de formação e inserção profissional e os novos modelos de negócios no mercado audiovisual”, avaliando as necessidades de atualização dos trabalhadores do setor. Mauro Garcia, diretor do Instituto de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros (ICAB), relatou como, ao longo da pesquisa para o oferecimento do auxílio para os profissionais da indústria durante a quarentena, se observou o envelhecimento em algumas funções, a exemplo de maquinário, cenografia, motoristas de produção, diretores de fotografia e maquiagem. O também presidente da Brasil Audiovisual Independente (BRAVI) afirmou que a falta de foco nestas e em outras áreas para além da direção e do roteiro nas universidades não auxilia na renovação das mesmas – algo que tenta suprir com o programa de estágio Futuro AV para preparar os egressos da academia para o mercado –, ao passo que as iniciativas de inclusão “precisam incluir essa faixa [dos maiores de 70 anos] também”, pois o etarismo também faz com que vários profissionais experientes fiquem desempregados.


É justamente nesses dois caminhos que atuam as Fernandas que participaram da mesa na quinta (27) de manhã. Fernanda Lima, coordenadora de projetos do Latin American Training Center (LATC), explicou o objetivo da instituição de fomentar programas de capacitação de trabalhadores já atuantes, citando o curso de inglês para profissionais do audiovisual com as terminologias usados no set e outros setores e as 14 bolsas em conjunto com a Spcine e MPA para atualização nas funções que o mercado mais sente necessidade no momento, pois, como a mesma afirmou, “capacitar força de trabalho é uma demanda, mas também é uma estratégia”. Diretora do Nicho 54, Fernanda Lomba, detalhou os esforços do instituto voltado para o desenvolvimento profissional de pessoas negras no audiovisual em propiciar a inclusão delas através da “chave de excelência, de liderança”, destacando, entre outras inciativas, a mais recente para a formação teórica e prática em produção executiva.


E falando em inclusão, na tarde de sexta (28), foi assinada uma carta de compromisso pelas quatro maiores produtoras de cinema do Brasil, O2 Filmes, Conspiração, Gullane e Pródigo, para ampliar a participação das mulheres, em toda a sua diversidade, à frente e atrás das câmeras, em uma iniciativa da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), em parceria com o movimento +Mulheres Lideranças do Audiovisual Brasileiro. Na mesa “Igualdade de Gênero no Setor Audiovisual”, a gerente de projetos da ONU Mulheres, Daniele Godoy, relembrou o trabalho parecido estabelecido ao lado do setor de publicidade com o projeto Aliança Sem Estereótipos e convidou outras produtoras, escolas de cinema, entidades da exibição e outros setores e profissionais a abraçarem a causa, assim como as produtoras presentes avaliaram que há espaço para melhorar em suas empresas, especialmente na atual falta de lideranças negras.

 

A lei natural dos encontros (audiovisuais)


Alex Braga, diretor-presidente da Ancine, em debate realizado no dia 27/10, no VI Fórum Mostra, integrado ao II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)
Alex Braga, diretor-presidente da Ancine, em debate realizado no dia 27/10, no VI Fórum Mostra, integrado ao II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)

Outro eixo fundamental dos debates deste II Encontro de Ideias Audiovisuais foi a legislação do setor, entendendo que o mercado, cada vez mais, precisa se aproximar e entender as dinâmicas legais que o regem para sua sustentabilidade em momentos de crise como os recentes anos trouxeram. Por isso, uma das mesas mais aguardadas foi a do “Encontro com Alex Braga”, diretor-presidente da Ancine, no VI Fórum Mostra, depois de vários convites para participar das últimas edições do evento, enquanto o gestor enfrentava grave crise no órgão, como frisou a jornalista Ana Paula Sousa. Após um ano empossado, Braga veio colocar os presentes na Cinemateca, naquela quinta (27) de manhã, a par da situação atual da Ancine e suas opiniões a cerca das políticas públicas brasileiras para o audiovisual.


[Eu] me coloco como liberal, defendo a liberdade, mas não quer dizer que sou contra a atuação do estado (...). Políticas públicas, regulatória, devem ser fonte criadora de liberdade”, afirmou o diretor-presidente, que também julga que “a Ancine passou a reunir funções de outros setores do governo, gerando uma hipertrofia (...). É preciso pensar na reformulação e reestruturação da Secretaria do Audiovisual”, pois, no atual modelo, “se faz um pouco de tudo e se fica aquém [do necessário]”. Alex relatou ainda as crises recentes em relação ao Fundo Setorial do Audiovisual, que, segundo ele, agora já está superavitário; do Condecine, que precisa ser avaliado e racionalizado e não extinto conforme a proposta do governo Bolsonaro que o pegou de surpresa, dois meses atrás; defendeu a cota de tela, inclusive para o streaming, para onde devem ser criados “mecanismos de incentivo como existem no cinema e na televisão, para poder negociar, inclusive retendo propriedade” – assunto debatido em outra mesa do Fórum, “Direitos de Propriedade: A Nova Frente de Batalha do Audiovisual?”, no sábado (29) à tarde –, mas não acha “simpático modelos estáticos” de cota para as plataformas digitais, acreditando que as mesmas devem ser fixadas anualmente pela Ancine. “O planejamento que nós fizemos vai garantir a atividade audiovisual, independente de qual for o próximo governo”, tranquilizou Braga, então às vésperas do segundo turno das eleições, que encerrou brincando: “sou bom de crise, mas tem que ver se sou bom de resultado”.


Tais temas foram ainda mais debatidos no sábado (29) de manhã, na mesa “Legislação Cultural: Presente e Futuro” do VI Fórum Mostra, em que advogados especializados e um agente cultural explicaram ao público os diversos mecanismos de fomento e promoção de cultura. “Ninguém discute as leis de incentivo de carros, geladeiras, de Manaus [da Zona Franca da cidade]”, comentou a advogada Cristiane Olivieri sobre como, há pelo menos 10 anos, a Lei Rouanet tem alvo de um debate generalizado, porém, equivocado, por grande parte da população, antes de relatar as instruções normativas cada vez mais restritivas e a atuação da Secretaria da Cultura para impedimento do andamento dos projetos. O colega Rafael Del Piero recontou como a Lei Aldir Blanc foi criada em caráter emergencial durante o período mais grave da pandemia de Covid-19 para garantir um auxílio a profissionais e espaços culturais, e promover ações de fomento, até se tornar uma lei ordinária que garante a aplicação dos recursos por cinco anos, pelo menos, e da recente Lei Paulo Gustavo que também dinamiza esses repasses, trazendo como legado positivo, “a organização de pequenos municípios na aplicação destes recursos culturais”, atestou o advogado.


Já a também representante da advocacia especializada, Mariana Chiesa, traçou um histórico das leis do audiovisual e das cotas na TV por assinatura, a ameaça de extinção das mesmas pelo atual Executivo e as burocracias que fazem com que menos de 50% do fundo setorial seja utilizado, pois “esses recursos ajudam a não estourar o teto de gastos” orçamentários. Do outro lado, o gestor cultural Paulo Zuben, diretor-presidente da Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura, desenhou um panorama dessas instituições da sociedade civil sem fins lucrativos que são qualificadas para gerir recursos e espaços de interesse público, defendendo que o mecanismo de incentivo para elas não pode ser o mesmo de um pequeno produtor, tendo a mesma burocracia, por exemplo, o que faz das recentes leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo uma maneira de “promover mesmo a descentralização desses recursos, esta sim, uma crítica acertada à Lei Rouanet”, a qual enxerga como a ideal para as OS’s culturais.


Instigados pela mediadora Ana Paula, os participantes destacaram as ações que precisam ser tomadas a partir de então, como “a retomada da credibilidade e da confiança do setor”, reforçada por Del Piero. Para Chiesa, “tem coisas que não são uma demanda somente da cultura e [a área] deveria se juntar mais com outros setores da sociedade que sofrem com os mesmos problemas” para reivindicar seus direitos. “Precisamos nos organizar permanentemente, não só pontualmente”, alertou Zuben, julgando necessário igualmente a eficiência na demonstração de resultados, com “indicadores mais concretos, porque o discurso da importância [da cultura] não move mais as empresas e o setor público”. Olivieri salientou que “o segmento correu para o Legislativo, já que as portas do Executivo foram fechadas; essa porta está aberta e precisa se manter”, também enfatizando estrategicamente “que a gente use as normas criadas contra gente a nosso [sic] favor”.

 

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo


Mesa “IV Fórum Mostra: Poderia o filme Parasita ter sido produzido no Brasil?”, realizada em 28/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)
Mesa “IV Fórum Mostra: Poderia o filme Parasita ter sido produzido no Brasil?”, realizada em 28/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)

Uma temática vigente, direta ou indiretamente, em vários debates deste II Encontro foi a do olhar para outras paisagens cinematográficas, especialmente internacionais. Contudo, mesas como a “Entre Fronteiras apresenta: O Sul como destino”, na quinta (27), demonstraram também a necessidade de realizar parcerias dentro do próprio país. Enquanto Claudia Mara, diretora-geral da Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul, colocou os belos cenários gaúchos à disposição das produtoras interessadas em filmar no estado, Joana Braga, coordenadora de Economia Criativa na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Porto Alegre, detalhou o trabalho na Porto Alegre Film Commission para viabilizar cada vez mais filmagens na cidade e fomentar o turismo local baseado em obras audiovisuais – e o retorno da film comission estadual está em vias de se concretizar, prometeu Mara.


No entanto, como falado, o destaque foi a visão para cenários no exterior, em particular para a coprodução com as mesas “Barry Company apresenta: como estruturar uma coprodução internacional” e “Escarlate apresenta: O cinema brasileiro no mundo: Perspectivas”. No primeiro debate, Laura Rossi, head de internacional da Gullane, alegou que, além do aprendizado de outra cultura e do intercâmbio técnico, as coproduções ajudam a “buscar mais sustentabilidade em um período incerto”, como o recente, diferenciando os países com que há acordos neste sentido com o Brasil e nos casos que não, ao passo que Juliana Funaro, sócia e diretora executiva da Barry Company, reforçou a importância de conhecer as políticas de cash rebate e tax credit internacionais, que ainda são insipientes por aqui, sendo a da Spcine a primeira e única até então. No dia seguinte (28), porém, Karen Castanho, fundadora da Biônica Filmes, alertou também para a “necessidade de se impor”, em casos como o dos Estados Unidos, que veem os profissionais brasileiros como uma mão de obra disponível e barata para eles, fazendo muitos se perderem em Hollywood, ou da anedota pessoal em que ela e o coprodutor português acharam que “cederiam demais” em um acordo com uma prestigiada produtora francesa.


Visões regionais também foram colocadas em pauta desde a segunda mesa de quarta (26), que reuniu agentes de diversos países para discutir “Presente e Futuro: Perspectivas para o Cinema Iberoamericano”, em que o produtor português Rodrigo Areias, por exemplo, citou como o “fim do financiamento do fundo luso-brasileiro no governo Temer quebra essa relação [entre as duas nações] construída há 20 anos”, ao mesmo tempo em que os realizadores lusitanos estabeleceram mais coproduções com a América Latina, em geral, graças ao fundo do Ibermedia. Presente nesta discussão, a cineasta Juana Miranda pode detalhar mais a situação do cinema do Paraguai na mesa de sexta (28) “Entre Fronteiras apresenta: INAP - Instituto Nacional do Audiovisual Paraguaio”, no qual a assessora do conselho da recém-criada instituição paraguaia recontou o histórico de uma filmografia intermitente no país até a fase mais atual de produção que encontro neste novo respaldo governamental uma forma de consolidar o audiovisual nacional – primeira convocatória dos fundos já contempla a “finalização de quatro longas de ficção, três de documentário e cinco curtas, com uma diversidade de temas. (...) Existe uma falta de memória sobre a ditadura e há nesta nova geração uma vontade de revisitar e refletir sobre isso”, relatou a produtora. Da mesma maneira, depois, a programadora sul-coreana Sung Moon teve a chance de traçar um panorama do cinema da Coreia do Sul até seu crescimento culminado no sucesso de Parasita (2019) na mesa “IV Fórum Mostra: Poderia o filme Parasita ter sido produzido no Brasil?”, que rendeu um acalorado debate entre o professor Roberto Moreira e a cineasta Laís Bodanzky e o produtor Rodrigo Teixeira na comparação com a conjuntura brasileira.

 

Praia do Futuro


Maeda Camarcio, Patricia Kamitsuji e Daniela Evelyn (dir. para esq.) na mesa "Telecine apresenta: Gêneros & Emoções", , realizada no dia 27/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)
Maeda Camarcio, Patricia Kamitsuji e Daniela Evelyn (dir. para esq.) na mesa "Telecine apresenta: Gêneros & Emoções", , realizada no dia 27/10, no II Encontro de Ideias Audiovisuais da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | Foto: Divulgação (Créditos: Mario Miranda Filho/agenciafoto.com)

Um dos painéis mais interessantes deste II Encontro de Ideias Audiovisuais foi o do “Telecine apresenta: Gêneros & Emoções”, na quinta (27), que apresentou uma pesquisa inédita, realizada pelo Coletivo Tsuru para a rede Telecine, que demonstra as mudanças nos perfis de público em 2022, em uma comparação com um estudo semelhante sobre emoções feito por eles em 2018. Maeda Camarcio, líder do Coletivo, apresentou os dados, destacando como os indícios da “sociedade do cansaço” vistos quatro anos antes, evoluíram agora, especialmente em decorrência da pandemia e das crises sociopolíticas no país, externadas pelos sentimentos de medo, exaustão e imediatismo no macro, enquanto as emoções positivas vieram do micro, nos relatos dos entrevistados, resultando em uma necessidade de “controlar o que vou sentir” quando o assunto é cinema, o que a pesquisadora denominou como “spoiler emocional”, além de constatar o tempo como um fator que beneficia os filmes frente às séries e a “dificuldade de achar títulos de outros gêneros” por parte dos espectadores. A partir das várias informações apresentadas, a especialista em audiovisual e entretenimento Patricia Kamitsuji frisou como “cada elo do audiovisual tem uma questão a ser feita neste pós-pandemia”, enquanto Daniela Evelyn, gerente de inteligência de Mercado do Telecine, sublinhou a importância de “entender as necessidades das pessoas, sair do óbvio” para satisfazê-las.


Outro olhar para este presente e futuro em transformação veio na sexta (28), em “Projeto Paradiso apresenta: Janelas em Revolução”, que marcou o lançamento da publicação Janelas em revolução – Disrupções, dilemas regulatórios e novas oportunidades para o audiovisual (2022), produzido pela Projeto Paradiso, sob coordenação editorial de Ana Paula Sousa e autoria dele e de Guilherme Ravache, que visa lançar luz sobre a discussão acerca dos desafios para exibição, produção e distribuição na indústria audiovisual brasileira no pós-pandemia. Para ampliar as questões levantadas pelos papers disponibilizados gratuitamente no site da instituição, alguns profissionais trouxeram sua percepção do cenário atual, como Mayra Lucas, CEO da Glaz Entretenimento, para quem o boom do streaming e iminência de sua crise se assemelha muito à “bolha da internet”. Teresa Penna, diretora do Globoplay e de Produtos Digitais Audiovisuais (Globo Filmes e Giga Gloob), acredita que a Netflix criou uma metodologia de promoção do consumo em maratona sem publicidade que é inatingível em termos financeiros, seja para o orçamento da própria empresa ou para o bolso dos clientes: “vai ter um recuo, o consumidor percebe que está pagando mais e não tá [sic] recebendo o que queria”, prospectou a executiva que também relembrou a história da plataforma do Grupo Globo, criada em 2015, atestando não ter “pretensão de ser um player global”, mas sim liderar o mercado brasileiro, vendo a atuação conjunta da Globo Filmes e Globoplay como algo complementar e salutar para o sucesso dos títulos nas diferentes janelas de exibição – e como a gerente de marketing da Globo Filmes, Cristiana Cunha, falou no dia anterior, na mesa “Mixer apresenta: Assistir em casa ou ir ao cinema: o que mudou?”, o mercado “não está aquecido, mas temos 8 sets de ficção e 2 de documentário até o final do ano”.


A visão de futuro para caminhos em ascensão no audiovisual também não faltou em outros painéis: se o do “Coração da Selva apresenta: Conteúdo Digital: a atual fronteira do entretenimento” não conseguiu explorar bem seu tema, uma das mais badaladas mesas do evento, “Paris Entretenimento apresenta: Executivo Criativo: qual a importância desse profissional no desenvolvimento de projetos?”, destrinchou o panorama deste processo, aquecido pela chegada dos streamings, pelo ponto de vista deste profissionais e dos roteiristas. O head writer Ricardo Tiezzi, considera que “o nível foi melhorando, seja dos roteiros ou dos executivos nesta conversa”, enquanto Silvia (Fu) Elias, diretora sênior de conteúdo scripted na Warner Bros. Discovery Latin America crê que “houve um aprendizado técnico maior sobre roteiro” a partir de 2011, graças à lei de cotas da TV paga. Sobre demandas temáticas contemporâneas, a roteirista Alice Marcone acredita que “o mercado começa a pensar em usar os talentos LGBT para além dessa tokenização” e, quanto aos personagens, “já passamos da fase Garota Dinamarquesa de ver duas horas da personagem transicionando, é preciso lembrar que são humanos”, com acertos e erros, opinião corroborada pela criadora Ana Reber ao dizer que um projeto “pode até ser panfletário”, mas não pode ultrapassar certo limite, pois “a reflexão vem como consequência”.


No sábado (29), foi a vez da “Spcine apresenta: Lançamento da Plataforma 'Mapeamento do Ecossistema XR no Brasil'” mostra o panorama e identificar os desafios do setor que se dedica à produção em realidade aumentada, virtual e mista no país. A professora Inês Maciel apresentou os dados deste Mapeamento do Ecossistema XR no Brasil, patrocinado pelo Observatório da Spcine e realizado pela UFSCar e UFRJ, através de uma pesquisa quantitativa feita em 2020, que revelam que a maior parte das empresas e profissionais especializados em realidade estendida estão no Sudeste, com núcleos no Nordeste e Sul, este mais dedicado aos games. Para a pesquisadora, “os cortes nos investimentos em inovação coincidiram com o crescimento do XR no Brasil”, limitando sua evolução, ainda assim, ela destacou como a produção brasileira na área está em destaque, ganhando vários prêmios internacionais, como o Emmy de Melhor Inovação em Mídia Interativa de A Linha (2019), de Ricardo Laganaro, em 2020, pois há uma “janela de oportunidade em que tá todo mundo igual, a tecnologia ainda não tá madura, o peso do capital ainda não influencia, então é uma porta que tá aberta pra todo mundo [sic]”.


Por fim, pensando no futuro do próprio evento, o Encontro de Ideias Audiovisuais se mostrou ainda tímido nesta sua segunda edição, não tanto pelas discussões realizadas, que foram relevantes em sua maioria, como este especial bem demonstrou, mas pela participação do público, profissionais e imprensa. Apenas algumas mesas, como a primeira e algumas da tarde de sexta encheram a plateia e trouxeram mais de um par de jornalistas para sua cobertura, enquanto os estandes na Cinemateca não recebiam visitantes por boa parte dos dias, não concretizando um dos objetivos de propiciar e estreitar os relacionamentos entre diversos elos desta cadeia produtiva. De certo, somente a regularidade em sua realização por parte da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo vai fazer com que o Encontro gere uma maior mobilização da indústria audiovisual como outros eventos de mercado já consolidados no país, a exemplo da Rio2C e Expocine, mas tanto a organização precisa fazer com que esta atividade paralela ganhe mais divulgação em suas próximas edições quanto a classe profissional, independente do setor em que esteja, necessita se abrir mais para estes momentos de reflexão sobre seu próprio trabalho e encontros com os iguais, a fim de formar ideias e laços que ajudem a reabilitar a produção audiovisual brasileira após sucessivas crises.




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