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  • Foto do escritorNayara Reynaud

TIRADENTES 2021 | Olhos livres, mas atentos

Atualizado: 8 de fev. de 2021


24ª Mostra de Cinema de Tiradentes: Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020), de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero | Voltei (2020), de Ary Rosa e Glenda Nicácio | Irmã (2020), de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes | Fotos: Divulgação

Uma tendência que já era possível observar assistindo alguns dos títulos que estavam presentes na Mostra Olhos Livres da edição passada da Mostra de Cinema de Tiradentes era que o radicalismo estético e narrativo desses filmes, como o excelente Sertânia (2018) e o premiado Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito (2019), de certa forma, se mostrava mais maduro e comunicativo com o público do que alguns experimentalismos infrutíferos da mais prestigiada Mostra Aurora que, no ano passado, premiou o irregular Canto dos Ossos (2020), enquanto possuía, por exemplo, um début mais consistente em outro longa daquela seleção, Cabeça de Nêgo (2020). Vendo quase todas as produções presentes em ambas as sessões no festival em 2021, esta constatação fica mais evidente em uma comparação geral entre as duas seleções. Por isso, o destaque final da nossa cobertura da 24ª Mostra Tiradentes vai para alguns dos selecionados na Mostra Olhos Livres desta edição: o mineiro Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020), de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero; o baiano Voltei (2020), de Ary Rosa e Glenda Nicácio; e o gaúcho Irmã (2020), de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes.

 

Cena do filme brasileiro Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020), longa de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero | Foto: Divulgação (Créditos: Roberto Romero)

Depois de seu longa de estreia Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito ter levado o Troféu Carlos Reichenbach na Mostra Olhos Livres do ano passado, Isael Maxakali e Sueli Maxakali novamente foram agraciados pelo Júri Jovem com o mesmo prêmio em 2021, por Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa!, trabalho em que dividem a direção com Carolina Canguçu e Roberto Romero. Os feitos da dupla de cineastas da etnia Maxakali não se resumem a estatuetas, pois a sua recente filmografia, iniciada com o média-metragem documental Grin (2016), codirigido por Roney Freitas, é um marco para o cinema nacional: se proporcionalmente a toda a produção do país, os filmes sobre os povos indígenas brasileiros são poucos, o que dirá os feitos pelos próprios indígenas. Isso torna os dois diretores em figuras pioneiras ao levarem o cinema indígena de fato, se não ainda ao grande público, pelo menos com grande força ao circuito de festivais.


Com este segundo longa, os documentaristas completam um trinca de obras de resistência dos Maxakali. Grin recordava as dolorosas lembranças geradas pelo alistamento de alguns homens da etnia na formação da Guarda Regional Indígena (GRIN) durante a Ditadura. Yãmĩyhex, a mais emblemática delas, é a memória das tradições de seu povo, ao acompanhar uma semana de ritual referente à passagem das “mulheres-espírito” na aldeia, contra a tentativa sistemática de apagamento de sua cultura. Mas se havia neste uma ruptura com a narrativa e lógica dos “brancos”, Nũhũ yãg mũ yõg hãm é voltado justamente para o público não-indígena como um grito que brada a posse da terra que lhes foi tirada, assim como tantas vidas de seus parentes por causa dessa disputa.


Assim, a dupla, ao lado de Canguçu e Romero, que também foram responsáveis pela montagem, adota um tom mais didático logo na abertura, remetendo à chegada dos colonizadores portugueses em Porto Seguro, para logo introduzir o cenário do Vale do Mucuri, em Minas Gerais, chamado pelos indígenas de “onde corta o rio”, através dos desenhos oitocentistas do naturalista alemão Prinz Von Wied Maximilian, e filmagens dos anos 1930 que mostram o crescimento populacional da cidade de Teófilo Otoni, indicando como a chegada dos brancos mudou totalmente a região, não só pelo desaparecimento das “árvores compridas”. Depois disso, o documentário acompanha a caminhada dos Maxakali por essas terras em tempos atuais, desde a caverna onde os antigos precisaram se esconder da perseguição dos fazendeiros, passando justamente pelas fazendas e o espaço urbano que tomaram aquilo que lhes era de direito, seja pressionando-os a um espaço exíguo em termos de propriedade e também dizimando famílias inteiras, como relata um dos personagens retratados no longa. Alguns dos pontos altos desse trajeto são a discussão sobre a lâmpada roubada de um bar e o portal com uma imagem típica dos povos nativos dos Estados Unidos, mas é com uma das frases ditas ainda no primeiro ato que o filme reforça a ideia de que essa luta não diz respeito somente à posse, mas à necessidade de estar sempre em contato com essa ligação ancestral que possuem a esse lugar: “A terra é nosso parente. Nossos ancestrais vieram dela”, uma sentença completada pela força do encontro e canto final.

 

Duração: 70 min

Direção: Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero

Elenco: Delcida Maxakali, Totó Maxakali, Mamei Maxakali, Pinheiro Maxakali, Manuel Damázio, Arnalda Maxakali, Dozinho Maxakali, Vitorino Maxakali, Israel Maxakali, Marinho Maxakali, Américo Maxakali, Veronildo Maxakali, Noêmia Maxakali, Pedro Vieira, Joviel Maxakali, Neusa Maxakali, Manuel Kelé e Tevassouro Maxakali (veja + no site)

Produção: Minas Gerais

> Disponível gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 0h de 23/11 (sábado) às 23h59 de 30/01/2021 (sábado)

 

Voltei! (2020)


Arte do filme brasileiro Voltei! (2020), longa baiano dirigido por Ary Rosa e Glenda Nicácio | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Continuando com as duplas de cineastas adoradas pela Mostra Tiradentes, os baianos Ary Rosa e Glenda Nicácio retornam pela quarta vez seguida ao evento mineiro com Voltei!. Trata-se do quarto longa-metragem dos intrépidos e prolíficos realizadores que, novamente, fazem um cinema de afetos prioritariamente femininos. Com exceção do segundo trabalho, Ilha (2018), cujo protagonismo era masculino, essa marca estava no début Café com Canela (2017) e no terceiro Até o Fim (2019), do qual este novo filme repete a dinâmica intimista da conversa entre irmãs ao redor de uma mesa.


Se no anterior a morte iminente de um familiar era o ponto de partida para o encontro fraternal, agora o aspecto fúnebre está impregnado no cenário visível e contextual de Voltei!, uma distopia sobre o Brasil de 2030 cujos elementos de semelhança com o Brasil em 2020 não são poucos, mesmo que sejam ampliados. Seja no fato de que, na trama, o país está há mais de um mês sem energia, relembrando o problema enfrentado por dias pela população do Amapá, no ano passado – além de ser uma metáfora para estado mental e emocional dos brasileiros –, ou na sugestão de que o governo atual estaria ainda no poder e, após cometer várias barbáries como perseguir artistas e deixar os cidadãos em situação deplorável, o presidente está sendo julgado em Brasília. O julgamento é acompanhado através de um rádio de pilha por Alayr e Sabrina, quando Fátima, a irmã delas que era considerada morta há oito anos, reaparece e se senta com elas à mesa.


As primeiras trocas de diálogos soam irregulares quanto à naturalidade, mas quando as três irmãs estão em cena, a intimidade genuína entre as atrizes Arlete Dias, Mary Dias e Wall Diaz, que são da mesma família, confere o envolvimento necessário para um filme que navega no escuro por outros terrenos. Além do contexto distópico, há o tom sobrenatural inicial que advém do retorno da irmã do mundo dos mortos; o musical que ela carrega consigo, já que era uma famosa cantora de axé; e o conteúdo cômico que vem das referências políticas aos ministros do Supremo Tribunal Federal deste futuro hipotético e também do absurdo de algumas situações. Tal qual a câmera frenética indo de um rosto a outro em determinado momento do terceiro ato, Rosa e Nicácio miram em vários pontos, nem sempre obtendo o melhor resultado, mas há uma vontade e franqueza em tudo que eles tateiam que é inevitável o espectador não se sentir compelido a extravasar com a volta de uma alegria que há tempos foi tirada do país.

 

Voltei! (2020)

Duração: 77 min

Direção: Ary Rosa e Glenda Nicácio

Roteiro: Ary Rosa

Elenco: Arlete Dias, Mary Dias e Wall Diaz (veja + no site)

Produção: Bahia

> Disponível gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 0h de 23/11 (sábado) às 23h59 de 30/01/2021 (sábado)

 

Irmã (2020)


Maria Galant em cena do filme brasileiro Irmã (2020), longa gaúcho dirigido por Luciana Mazeto e Vinícius Lopes | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Outro destaque da Mostra Olhos Livres veio também de uma dupla, mas, no caso, o gaúcho Irmã é o longa de estreia de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes. Presente nas seleções do Festival de Berlim e da Mostra SP no ano passado, o filme vem na esteira de uma tendência observada em diversos títulos do cinema nacional na última década que flertam com a fantasia, mas assumindo com certa timidez essa faceta. Ainda assim, a forma como o gênero serve de alegorias o coming of age de duas irmãs lidando com laços familiares perdidos, enquanto se bastam por si só, garante a vivacidade necessária para compensar certo engessamento da narrativa.


A história acompanha a menina Júlia (Anaís Grala Wegner) e a adolescente Ana (Maria Galant), quando viajam de Porto Alegre para o interior do Rio Grande do Sul. A viagem é motivada pelo agravamento da doença da mãe, fazendo com que as duas precisem se reaproximar do pai ausente (Felipe Kannenberg), um arqueólogo atuando na região. A sua profissão permite ao filme adentrar neste universo fabular, através dos dinossauros, primeiramente, mas igualmente por outras simbologias, a exemplo das bruxas, que junto do efeito manada acontecendo com as mulheres pelo país, segundo os noticiários, reforçam o comentário sobre emancipação feminina da obra.


Esse é o cerne da trama, já que as garotas buscam uma reconexão com a figura paterna, porém, a proteção que ele oferece vem carregada de um cerceamento das liberdades das filhas, que demonstram a independência e cumplicidade necessária para cuidarem uma da outra desde as primeiras cenas. Mazeto e Lopes utilizam justamente os elementos fantásticos como metáforas visuais dos sentimentos aflorados durante este momento, que seria de transformação por si só com a mais nova entrando na pré-adolescência e a mais velha saindo da adolescência, mas acaba sendo intensificado com essa nova reorganização familiar, particularmente na mais jovem das irmãs. Com diálogos e uma dramatização nem sempre tão fluída, esses escapes narrativos e estéticos, seja com o choque de proporções astronômicas no final ou, antes, com os diálogos silenciosos entre elas transposto na tela e a discussão televisionada, conferem ao filme o espírito de mudança que o eixo central do roteiro tem dificuldade de encontrar.

 

Irmã (2020)

Duração: 88 min

Direção: Luciana Mazeto e Vinícius Lopes

Roteiro: Luciana Mazeto e Vinícius Lopes

Elenco: Maria Galant, Anaís Grala Wegner e Felipe Kannenberg (veja + no site)

Produção: Rio Grande do Sul

Distribuição: Elo Company

> Disponível gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 0h de 23/11 (sábado) às 23h59 de 30/01/2021 (sábado)



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