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  • Foto do escritorNayara Reynaud

OLHAR 2020 | Dia 1 – Tempos diluídos e tensões concentradas

Atualizado: 12 de jan. de 2021


Olhar de Cinema 2020: Sertânia (2018) | Nardjes A. (2020) | Chão de Rua (2019) | Noite Perpétua (2020) | O Mártir (2020) | O Silêncio do Rio (2020) | Nasir (2020) | Um Filme Dramático (2019) | Fotos: Divulgação

O 9º Olhar de Cinema abre o primeiro dia de programação geral com longas que brincam com a noção de tempo, sejam estendendo, condensando ou retornando a ele. Tal percepção está presente na observação do cotidiano em um dia, como na exibição especial do documentário do brasileiro Karim Aïnouz sobre os protestos na Argélia de Nardjes A. (2020) e na rotina do protagonista da ficção indiana Nasir (2020), que integra a competição; de anos, no autorretrato dos estudantes de Um Filme Dramático (2019), produção francesa também na Mostra Competitiva; ou de toda uma vida, nos delírios fúnebres de Sertânia (2018), filme do baiano Geraldo Sarno que se tornou um sucesso entre os cinéfilos. Enquanto isso, os curtas do primeiro programa da competição, o paranaense Chão de Rua (2019), o português Noite Perpétua (2020), o espanhol O Mártir (2020) e o peruano O Silêncio do Rio (2020) partem de fragmentos de mentiras, traumas, memórias e sonhos para contar suas histórias no silêncio da noite. Confira abaixo mais sobre os destaques desta quinta (8) no festival:

 

Nasir (Nasir, 2020)


Koumarane Valavane em cena do filme indiano Nasir (2020), de Arun Karthick | Foto: Divulgação

Os três minutos iniciais de Nasir são preenchidos com um cântico religioso durante o despertar de personagem-título, interpretado pelo poeta e diretor de teatro Koumarane Valavane. Esse mesmo olhar paciente contempla toda a rotina desse homem comum no decorrer da narrativa do segundo longa de Arun Karthick, cineasta autodidata que já se destaca na nova safra de cinema independente indiano que chega ao circuito de festivais. Exibido em Roterdã, o filme adapta o conto de Dilip Kumar, A Clerk’s Story (2012), na observação cotidiana de um vendedor de uma loja de tecidos e roupas na cidade de Coimbatore, no estado de Tamil Nadu, irrompida pelo inesperado – ou nem tanto assim.


Filmando em super 16mm e uma proporção de tela 4:3 que confere, ao mesmo tempo, o aspecto rotineiro deste retrato, como uma senso de limitação e pressão que eclodem apenas no clímax no final, o diretor acompanha Nasir desde o ambiente familiar, na relação amorosa com a esposa Taj (Sudha Ranganathan) e o cuidado com Iqbal (Sabari), sobrinho com deficiência mental que ele adotou após ficar órfão. Os planos detalhes dão uma especial atenção aos momentos de ablução, um ato ritual de purificação que o protagonista, como muçulmano, faz de forma realmente dedicada ao lavar-se constantemente. Mas por mais que a água esteja constantemente presente no seu dia e este homem mantenha uma atitude (com)passiva mesmo quando observa sinais do preconceito por sua religião, as impurezas do ambiente que o rodeiam não são eliminadas.


Ao contrário, enquanto Nasir vai vivendo a sua vida, entre um almoço com um amigo aqui, levando marmita ali, acompanhando a mulher até a rodoviária ou uma passada pela mesquita, Karthick vai delineando a crescente de intolerância religiosa na Índia, que já causou graves conflitos naquela cidade e região, através dos sons nos altos falantes daquele ambiente urbano. As palavras do imã ecoam a princípio, assim como os discursos de ódio contra a fé islâmica vindo de radicalistas hindus – algo apoiado pelo próprio primeiro-ministro Narendra Modi, que mesmo com o hinduísmo sendo seguido pela maioria no país, incentiva o pensamento de sua predominância sobre as outras minorias religiosas, como cristãos, sikhs e praticantes de outras religiões. Quando o ordinário do cotidiano do protagonista é atravessado de forma abrupta por um ato assombrosamente extraordinário, o filme também pergunta ao público se o fato desses discursos intolerantes se tornarem tão corriqueiros, com uma anuência do Estado e da população, não está fazendo com que o anômalo se torne em algo cada vez mais comum.

 

Nasir (Nasir, 2020)

Duração: 78 min | Classificação: 12 anos

Direção: Arun Karthick

Roteiro: Arun Karthick

Elenco: Koumarane Valavane, Sudha Ranganathan, Yasmin Rahman e Bakkiyam Sankar (veja + no site)

Produção: Índia, Holanda e Singapura

> Sessão – 08/10/2020 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2020 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Um Filme Dramático (Un Film Dramatique, 2019)


Cena do documentário francês Um Filme Dramático (2019), de Eric Baudelaire | Foto: Divulgação

Entregar câmeras aos estudantes para que filmem o seu cotidiano. Essa é a proposta de Um Filme Dramático, documentário onde o dispositivo é menos uma atividade pedagógica para esses alunos, que se mostram sim curiosos sobre alguns fundamentos do cinema, mas um aprendizado para o diretor Eric Baudelaire e, consequentemente, para o público da produção francesa. Exibido nos festivais de Locarno e Toronto no ano passado, o longa abre com uma tela preta e a discussão dos alunos sobre o que o/um filme.


Tais debates metalinguísticos são o foco inicial do cineasta, ao registrar os encontros da turma do colégio Dora Maar, em Saint-Denis, subúrbio de Paris. Enquanto um grupo discute sobre as histórias lendárias e de super-heróis que renderiam um “filme”, sempre associando um caráter extraordinário ao que veem na tela, a narrativa passa a acompanhar aqueles pré-adolescentes começando a documentar a banalidade de seus cenários cotidianos, seja dentro ou fora da escola. Depois, surgem dúvidas que provavelmente intrigarão o espectador, seja sobre a diferença entre som e ruído enquanto brincam com o efeito sonoro no cinema ou se o que Baudelaire e eles estão filmando é um documentário, um filme dramático ou fantástico.


No entanto, é também a partir desses registros despretensiosos e das suas conversas em sala de aula que emanam os temas que circundam uma França em crise com sua identidade nacional – um tema abordado com mais veemência em Os Miseráveis (2019), de Ladj Ly, e Sinônimos / Synonymes (2019), de Navad Lapid. Em meio à periferia parisiense que abriga boa parte dos imigrantes e suas famílias, o ambiente escolar é formado justamente por seus descendentes, a maioria já francesa de nascimento. Contudo, a dicotomia entre a nacionalidade e origem não só é a causa de uma discordância direta entre dois alunos, como está implícita nas falas deles, sem que se deem conta de que estão reproduzindo, por exemplo, uma parcela do racismo que apontam do discurso extremista de Le Pen ou a xenofobia crescente após os ataques terroristas em Paris, em 2015, que observam até no modo como são dadas as notícias.


A viagem de uma aluna para a ilha de Reunião, departamento ultramarino francês localizado no Oceano Índico, próximo a Madagascar e ao continente africano, levanta a dúvida entre as amigas sobre o fato dela ainda estar oficialmente na França, remontando assim ao passado colonizador francês que ainda tem os territórios da Guiana Francesa, Martinica, Guadalupe, São Martinho e Mayotte como parte de sua nação. Uma ingrata herança que ainda atinge essas crianças, cujos pais ou avós, em sua maioria, vieram de antigas colônias francesas na África e Caribe – mas não somente, pois entre os poucos cuja ascendência é declarada ao longo da produção, está também um garoto romeno –, com o preconceito que os abatem por estarem neste ambiente periférico. O tal “clichê do CEP 93”, como uma das estudantes explica quando a colega se muda para um dos colégios de Paris tem seus efeitos registrados pela mesma, em vídeos confessionais, que mesmo sem nenhum conceito ou apuro estético, traduzem a sua tristeza mais do que se fossem calculados para tanto.


Assim, por mais que Baudelaire não execute a lição dada com completa eficiência, pois há uma sensação de repetição na segunda parte do longa e a montagem não dá conta de transmitir que se passaram quatro anos junto desses pré-adolescentes – algo que só dá para perceber quase ao final com a mudança de voz e crescimento de alguns –, o que espontaneamente surge de cinematográfico no cotidiano captado por esses jovens é o grande trunfo de um filme que não pretende se definir tanto quanto os alunos desejam.

 

Um Filme Dramático (Un Film Dramatique, 2019)

Duração: 114 min | Classificação: 12 anos

Direção: Eric Baudelaire (veja + no site)

Produção: França

> Sessão – 08/10/2020 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2020 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Nardjes A. (2020)


A ativista argelina Nardjes Asli em cena do documentário Nardjes A. (2020), do brasileiro Karim Aïnouz | Foto: Divulgação

Filho de pai argelino, o cineasta cearense Karim Aïnouz retoma suas origens em seu mais recente projeto, o documentário Nardjes A., exibido na mostra Panorama do último festival de Berlim. E faz isso mantendo uma característica marcante de sua filmografia, que prioriza o olhar feminino, ao escolher mostrar os protestos em 2019 contra o então presidente Abdelaziz Bouteflika, que já estava há 20 anos no poder e planejava se candidatar novamente à presidência da Argélia, através da visão de uma ativista, Nardjes Asli. Para tanto, propõe um retrato diário da jovem de 26 anos, ao acompanha-la ao longo de um dia de manifestação, realizada justamente no Dia Internacional da Mulher, 8 de março do ano passado.


Filmando apenas com um smartphone, sem que isso crie qualquer prejuízo técnico à produção que adiciona filtros de cor e efeitos sonoros na pós a fim de intensificar as manifestações da população, Aïnouz se embrenha em meio à massa para segui-la. A câmera registra as palavras de ordem entoadas ou em cartazes, as músicas que ganham o corpo de um hino libertador, bem como a vigilância constante dos agentes de segurança do governo, com o helicóptero sobrevoando todo o protesto, que mais do que pacífico, tem um caráter bem entusiasta e patriótico. O que se justifica em um país onde os jovens são “ensinados” a emigrar desde cedo em busca de melhores oportunidades, como bem registra o documentário suíço-argelino Meu Primo Inglês (2019), de Karim Sayad, e que Nardjes dá a entender quando comenta sobre sua dúvida entre tirar um visto ou ficar para tentar tornar a sua nação melhor.


A protagonista, aliás, é a voz do filme. Na abertura, Nardjes explica rapidamente que a Argélia conseguiu sua independência em 5 de julho de 1962, mas os libertadores da colonização francesa se tornaram opressores, sem comentar o histórico de golpes de Estado, ditaduras e a guerra civil argelina que marcaram o país desde então. O conflito interno ocorrido ao longo dos anos 1990 – que serve de contexto para o drama também feminino Papicha (2019), de Mounia Meddour – é citado quando a jovem relembra a genética revolucionária da família, com os avós combatentes na época da colonização e o pai comunista que lutou no período e foi exilado, mas há muitas questões que faltam em suas falas e, por consequência, no discurso do longa.


Nardjes A. assume explicitamente o mesmo caráter de sua personagem que, como muitos ali, adota uma postura de se manifestar alegremente contra a crise e a opressão no país, mesmo sem saber quem está organizando aquilo e, apesar do tom preocupado na narração, parece encarar o momento mais como uma festa democrática, especialmente quando termina a noite no restaurante e na boate com os amigos. Não quer dizer que Karim precisava impor a sua experiência brasileira para o cenário argelino, algo que os próprios espectadores daqui farão naturalmente ao ver naquela euforia gigantesca, um cenário semelhante ao de 2013 no Brasil em que o movimento popular generalista frustrado pelo governo, desde a sua esfera federal às municipais, resultou em uma insatisfação ainda maior na população, gerando ativismos divergentes entre progressistas e conservadores e um cenário político cada vez mais conturbado. A questão é que o documentário não usa nem o retrospecto recente da Argélia, em que os protestos durante a Primavera Árabe, entre 2010 e 2012, não renderam nenhuma mudança, ainda que as transformações nos países vizinhos do Oriente Médio não tenham sido necessariamente benéficas, para questionar a situação que se depara. Cabe ao próprio público formular isso, por si só, especialmente quando se sabe que os protestos da Hirak conseguiram a renúncia de Bouteflika, mas o partido de situação segue no poder.

 

Nardjes A. (2020)

Duração: 80 min | Classificação: 12 anos

Direção: Karim Aïnouz

Roteiro: Karim Aïnouz

Elenco: Nardjes Asli (veja + no site)

Produção: Argélia, França, Alemanha, Brasil e Catar

> Sessão – 08/10/2020 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2020 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Sertânia (2018)


*Filme assistido online durante o 4° Festival ECRÃ

Exibido na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, ainda no início de ano pré-pandemia, e depois no 4° Festival ECRÃ, quando se tornou o maior sucesso do “boca-a-boca virtual” de uma edição adaptada à quarentena, Sertânia desembarca na programação do 9ª Olhar de Cinema com o status de um dos melhores filmes a circular nesta diferente temporada de festivais de 2020. O diretor baiano Geraldo Sarno, do clássico Viramundo (1965), curta-metragem documental que registra a chegada e vivência dos migrantes nordestinos em São Paulo, retoma vários temas comuns em sua longa carreira dedicada ao universo do sertão. O cangaço, o coronelismo e a própria migração, entre outros elementos da história e cultura sertaneja são revisitados pelo cineasta nonagenário com a familiaridade e prazer de um velho conhecido e, igualmente, um vigor e ousadia, por vezes, não observado nem na juventude.


O longa acompanha os delírios à beira da morte do cangaceiro Antão (Vertin Moura), também chamado pelos codinomes Jararaca e Gavião dentro do bando de Jesuíno Mourão (Julio Adrião). A narrativa não cronológica, de lapsos, recorrências e ciclos temporais, mostra esse mergulho delirante na trajetória do rapaz, desde a tragédia familiar na infância, passando pela juventude em São Paulo, até a mudança do então militar para a vida de bandoleiro. Os mitos sertanejos, bem como suas heranças portuguesas, são lançados em meio a isso, seja com o sebastianismo e a história de Canudos ou as simbologias barrocas de Gil Vicente e sua trilogia dos Autos das Barcas, além de Sarno novamente recordar a figura do visionário industrialista nordestino que resgatou na cinebiografia Coronel Delmiro Gouveia (1978).


A escolha pelo preto e branco para registrar essa viagem ao passado poderia parecer um clichê estilístico a quem visse a ideia somente no papel, mas tanto o branco saturado da fotografia de Miguel Vassy quanto a sua câmera rastejante demonstram essa inventividade da direção do realizador baiano. O cineasta assume o risco, inclusive, de quebrar a narrativa com uma metalinguagem direta: quando o personagem expõe o sensação de que aquela briga parecia encenada, o quadro revela a equipe técnica, algo que será repetido mais uma vez em uma indicação do cinema como instrumento de resgate e manutenção dessas mitologias genuinamente nacionais e, por que não, parte integrante delas. Se o grande sucesso do cinema nacional em 2019 foi um filme que propunha uma antropofagia cinematográfica do faroeste norte-americano a partir do nosso "árido movie" e o que veio antes no Cinema Novo – sim, estamos falando de Bacurau (2019), de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho –, o slepper hit que se tornou Sertânia em 2020 é o lembrete que essa tradição da cinematografia brasileira neste terreno, a qual o próprio Geraldo Sarno faz parte, não deve ser esquecida.


Até porque, se a produção nacional naturalmente voltou-se para as aflições das transformações nas grandes cidades na última década e o ambiente sertanejo deixou de ser explorado na grande tela, como era até meados dos anos 2000, o cenário atual do país evoca sua simbologia novamente. Mais de um século se passou desde que a literatura começou a narrar seus dramas e o sertão ainda não virou mar, mas cada vez mais “a beira-mar” se parece com o sertão de outrora, nos seus embates, ao mesmo tempo polarizados e ambíguos, e nas suas mazelas. E, talvez, o sucesso de ambos os longas seja um indicativo de que o público quer e precisa, cada vez mais, reencontrar a sua identidade brasileira no cinema para entender do que foi feita a nossa nação e o que resta para reconstruí-la.

 

Sertânia (2018)

Duração: 97 min | Classificação: 14 anos

Direção: Geraldo Sarno

Roteiro: Geraldo Sarno

Elenco: Vertin Moura, Julio Adrião, Kecia Prado e Lourinelson Vladmir (veja + no site)

Produção: Brasil

> Sessão – 08/10/2020 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2020 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Chão de Rua (2019), Noite Perpétua (2020), O Mártir (El Màrtir, 2020) e O Silêncio do Rio (El Silencio del Río, 2020)


Cena do curta-metragem paranaense Chão de Rua (2019), de Tomás von der Osten | Foto: Divulgação

O Programa 01 de curtas-metragens da Mostra Competitiva do Olhar 2020 foi pontuado por filmes de ambientações predominantemente noturnas, em que as partes reveladas sob as sombras de seus quadros conferem também um caráter metonímico em suas narrativas quanto à imagem do todo.


Entre eles, está o brasileiro Chão de Rua, terceiro trabalho do diretor paranaense Tomás von der Osten, que volta ao terreno das histórias familiares, especialmente das relações cujos laços se perderam pelo tempo ou outros motivos. A produção exibida em Locarno, no ano passado, registra o encontro do pedreiro Alberto (Santos Chagas) com sua jovem meia-irmã Valéria (Ma Ry) depois de seu expediente, em que esta lhe pede abrigo, mas ele o nega devido ao seu histórico de desinteresse com os estudos e trabalho, além de não querer incomodar a mulher e as filhas, na realidade, para não revelar questões pessoais que somente são intuídas ao final. A ótima fotografia de Eduardo Azevedo e, principalmente, a narrativa fragmentada, ainda que cronológica, fornecem apenas partes de quem são esses personagens que mentem para os outros e si mesmos, como pontua Mentira Também É Verdade, de Milionário e Zé Rico, uma das músicas das fitas K7 que a mãe ouvia e o filho enterrou, assim como os esses irmãos fizeram com seus sentimentos.


Cena do curta-metragem português Noite Perpétua (2020), de Pedro Peralta | Foto: Divulgação

Se o título nacional não consegue sempre transpor suas intenções narrativas e construir um discurso político a partir dele, o curta franco-português Noite Perpétua, de Pedro Peralta, o faz de maneira direta ao reconstruir os últimos momentos em casa da professora primária espanhola Matilde Morillo Sánchez, de Castuera, antes de ser levada pelos militares em 1939, logo no início do regime de Franco e sua repressão em represália à Guerra Civil Espanhola, e permanecer desaparecida desde então. Embora essas informações não sejam ditas no filme, o contexto do franquismo é intuído enquanto a câmera apenas (per)corre o cenário de seu casebre, marcado pelo chiaroescuro do lampião, aquela mulher, sabendo o que aconteceria com ela por ser esposa de republicano que desertou ao ter aqueles homens a sua porta, aproveita os instantes finais para amamentar pela última vez a sua bebê e dar um beijo em sua outra filha, que dormia. As grades da cama da menina, aliás, são salientadas pelo enquadramento, bem como o simbolismo da escuridão de uma noite que durou quase 40 anos presente no plano derradeiro.


Cena do curta-metragem espanhol O Mártir (20200, de Fernando Pomares | Foto: Divulgação

Enquanto isso, a produção de selo espanhol O Mártir retorna a um estilo narrativo mais vago ao acompanhar uma mulher síria rememorando as suas lembranças de infância e um sonho que teve com seus irmãos. Nesses fragmentos, oníricos mesmo quando remetem ao seu passado, a narradora recorda o pedido de sua mãe para cuidar deles, enquanto os mesmos demonstram um carinho mútuo quando, já adultos, os dois saem em uma trajetória de fuga. A ideia é desmistificar a associação preconceituosa com a violência que recai sobre os homens sírios, mas a estrutura do curta de Fernando Pomares acaba soterrando a crítica e, por alguns instantes, contraditoriamente demonstrando até certo exotismo neste retrato árabe.


Wilson Cruz Isminio em cena do curta-metragem peruano O Silêncio do Rio (2020), de Francesca Canepa | Foto: Divulgação

Os sonhos também são o fio condutor do peruano O Silêncio do Rio, segundo curta de Francesca Canepa, que faz melhor uso do artifício onírico em um flerte direto com o universo fantástico, ao mergulhar de cabeça no folclore amazônico. Ele está impregnado no imaginário de Juan (Wilson Cruz Isminio), um garoto de nove anos que fica intrigado com o estado de seu pai (Roover), de quem herdou uma característica língua partida. Trocando o dia pela noite, quando sai com seu barco pelo rio, seu progenitor já não tem mais ânimo para ser o contador de histórias que foi outrora e muito menos deseja revelar ao filho sobre o que se esconde sobre a penumbra noturna, aqui enfatizada pelos tons azulados e esverdeados da fotografia de Christian Valera. Mas como “não há segredo que a natureza não revele”, tal qual diz a abertura do filme exibido no último festival de Berlim, tanto o menino como a cineasta contam seus sonhos para transformá-los em uma singela, mas bela realidade fílmica.

 

Programa 01 | Mostra Competitiva

Duração: 20 min | Classificação: 12 anos

Direção: Tomás von der Osten

Roteiro: Tomás von der Osten

Elenco: Santos Chagas, Ma Ry, Patrícia Saravy e Matheus Moura (veja + no site)

Produção: Brasil

Duração: 17 min | Classificação: 12 anos

Direção: Pedro Peralta

Roteiro: Pedro Peralta

Elenco: Paz Couso, Matilde Couso de Arcos, Domicilia Nunes e Sara Piris (veja + no site)

Produção: Portugal e França

O Mártir (El Màrtir, 2020)

Duração: 18 min | Classificação: 12 anos

Direção: Fernando Pomares

Elenco: Diia Alekhaiem Jelud, Amjad Almussa e Narjis El-Badaoüi Araissi (veja + no site)

Produção: Espanha

O Silêncio do Rio (El Silencio del Río, 2020)

Duração: 14 min | Classificação: 12 anos

Direção: Francesca Canepa

Roteiro: Francesca Canepa

Elenco: Wilson Cruz Isminio, Luis Mesias e Roover (veja + no site)

Produção: Peru

> Sessão – 08/10/2020 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2020 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Luciana Souza e Sophia Williams em cena do curta pernambucano Inabitável (2020), de Matheus Farias e Enock Carvalho | Foto: Divulgação

*Texto escrito originalmente durante a cobertura do 48º Festival de Cinema de Gramado

A notável dupla de curta-metragistas pernambucanos Matheus Farias e Enock Carvalho, responsável por Caranguejo Rei (2019) e Quarto para Alugar (2016), retorna ao circuito de festivais com Inabitável (2020), obra que já foi exibida no Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, o Kinoforum, em agosto passado. Abrindo o segundo dia de sessões em Gramado, Enock o apresentou como um “filme de busca, incertezas e esperança”. O tom de incerteza já vem no letreiro inicial da produção, indicando um Brasil antes da pandemia, para então acompanhar Marilene (Luciana Souza, conhecida por seus papéis em Bacurau, de 2019, e Ó Pai Ó, de 2007) percorrendo o transporte público recifense e as vielas de seu bairro periférico em busca de sua filha Roberta.


O fato de a jovem ser trans não é por acaso. E Farias e Carvalho usam o conhecimento público do alto número de casos de violência contra pessoas trans no Brasil como pano de fundo (in)consciente para a narrativa. Enquanto a mãe, com seu amor irrestrito e sem atitudes diferenciadas ou condescendentes em relação ao que qualquer figura materna faria se sua filha fosse cisgênera, contradiz o pensamento pré-concebido do espectador de que uma mulher trans enfrentaria o preconceito já no seio de sua família, são nos olhares dos “outros” e nas dificuldades que ela sabe que enfrentará pelo descaso público com a questão que residem os problemas de uma sociedade que fomenta tal violência.


Quando tanto a busca quanto a trama parecem fadadas à inércia, a duo de diretores e roteiristas se volta ao cinema fantástico, já parte integrante de sua filmografia, bem ao final. Nada é muito revelado neste desfecho com toques de ficção científica, que até podem remeter ao afrofuturismo, ou neste caso, um transfuturismo, mas tais estéticas não são explorada além da sugestão de ideia utópica de futuro ou um lugar habitável para Roberta, sua mãe e quem mais estiver livre de preconceitos.

 

Duração: 19 min | Classificação: 14 anos

Direção: Matheus Farias e Enock Carvalho

Roteiro: Matheus Farias e Enock Carvalho

Elenco: Luciana Souza, Sophia Williams e Erlene Melo (veja + no site)

Produção: Brasil

> Sessão – 08/10/2020 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2020 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Paulistas (2017)


Paulistas (2017) | Foto: Divulgação (Vitrine Filmes)

"Para quem não sabe com antecedência, só com os créditos finais fica claro que Paulistas (2017) um filme de família para Daniel Nolasco. Isso porque, embora essa familiaridade com os personagens do documentário e o tema tenha auxiliado o jovem cineasta goiano nas filmagens, ele não a utiliza como instrumento narrativo de seu primeiro longa. Evitando o estilo talking head e qualquer tipo de entrevista, o diretor prefere a observação quase impessoal daquele ambiente um tanto desolador para o seu retrato pessoal das regiões de Paulistas e Soledade, no interior de Goiás, que, assoladas pelo êxodo rural, não possuem mais jovens na sua população, desde 2014, como informa a cartela inicial. (...)"


=> Leia aqui a crítica completa do filme Paulistas, publicada originalmente em 28 de fevereiro de 2018, durante o lançamento da produção, e ouça nossa entrevista com o diretor Daniel Nolasco, realizada na mesma época, no podcast NERVOS Entrevista #2

 

Paulistas (2017)

Duração: 77 min | Classificação: 12 anos

Direção: Daniel Nolasco

Roteiro: Daniel Nolasco

Elenco: Rafael Nolasco, Vinicius Nolasco, Samuel Nolasco, Wander Marra, Maria Cristina Nolasco, Irene Alves, Jose Jaconi (veja + no site)

Produção: Brasil

> Sessão – 08/10/2020 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2020 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema



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