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  • Foto do escritorNayara Reynaud

8º PANORAMA DO CINEMA SUÍÇO | A colonização permanente

Atualizado: 19 de set. de 2020

O 8º Panorama Digital do Cinema Suíço começou nesta quinta, 27 de agosto, com a exibição de Praça Needle Baby (2020) na abertura, mas a programação do festival realizado pelo consulado da Suíça em São Paulo e o Sesc São Paulo, em parceria com a agência de cinema SWISS FILMS, inicia para valer hoje (28) e segue até o dia 6 de setembro na plataforma Sesc Digital. Entre os títulos do catálogo estão dois documentários de realizadores suíços que voltam o seu olhar para as realidades africanas, seja em sua terra natal ou no exílio: Contrapor (2019), com uma representação insipiente da situação de Gana através da voz de artistas independentes, e O Primo Inglês (2019), em seu retrato familiar de um imigrante argelino na Inglaterra.

 

Contrapor

(Contradict, 2019)


O artista ganês Wanlov the Kubalor em cena do documentário suíço Contrapor (Contradict, 2019), de Peter Guyer e Thomas Burkhalter | Foto: Divulgação

Gana é o cenário-objeto do “estudo de caso” do documentário suíço Contrapor, realizado pela dupla Peter Guyer, de Sounds and Silence (2009) e outros trabalhos no gênero, e o estreante Thomas Burkhalter. Fazendo jus ao seu título, o filme começa com uma imagem urbana oposta ao imaginário coletivo ocidental que define a África de forma generalista, não apenas no tratamento do continente como se fosse um único país, mas por sua paisagem selvagem. No entanto, o espectador brasileiro, conhecendo por experiência própria a realidade de uma nação que tem a colonização de exploração no seu passado e está eternamente em desenvolvimento, reconhece a familiaridade dessa cena cotidiana de uma cidade crescendo desgovernadamente.


Dito isto, a obra teria a capacidade de ultrapassar a barreira do exotismo e curiosidade que esse olhar europeu geralmente se volta para os países africanos e encontrar no público daqui um interesse por esse reflexo, não igual, mas semelhante em alguns importantes aspectos da própria realidade brasileira. Quando, em 2013, os documentaristas entrevistam os rappers Wanlov the Kubalor e M3NSA, fundadores do grupo FOKN Bois, conhecido por suas letras políticas, eles usam de um criticismo irônico ao arrecadar dinheiro para a “América”, no caso, os Estados Unidos para que possam ultrapassar a sua crise, invertendo a ideia de que eles sempre precisam ser ajudados, já que estão passando por um momento de crescimento, o(a) brasileiro(a) de 2020 identifica essa esperança inocente naquilo que ele(a) mesmo(a) fora um pouco antes daquela época. O longa, porém, não demora a mostrar esses mesmos personagens, além de outros artistas locais – Akan, Mutombo Da Poet, Adomaa, Worlasi e Poetra Asantewa –, em 2017, batalhando, mas já desesperançados, com um sentimento conhecido por aqui, do outro lado do Oceano Atlântico: a desesperança de ver as contradições de um país que cresce, sem interesse em ver sua população desenvolver.


Contudo, quando se fala que a produção “teria” tal capacidade, é porque todo o potencial para explorar esse e outros temas é desperdiçado pela falta de foco do documentário. Muito do seu discurso recai sobre essa frustração pelo futuro que nunca veio, mas se deseja falar disso mostrando essa nova cena da música ganense e também fazer comentários acerca da influência das igrejas neopentecostais na população. Entretanto, ao tentar abarcar um pouco de cada questão, sem aprofundá-las no nível mais básico ou conectá-las de forma mínima, o filme acaba dizendo nada sobre tudo isso.


Os documentaristas não tem a obrigação de fazer um “Telecurso 2000” sobre a História Ganense, mas a lacuna deixada pela falta de contexto sociopolítico não é preenchida pelos depoimentos coletados nem ajuda a compreendê-los. Um exemplo é menção visual e musical, quase ao final, à Kwame Nkrumah, sem mencionar de que se trata de um líder político do pan-africanismo que lutou pela descolonização da África e, após Gana conseguir sua independência, foi o presidente do país de 1960 a 1966. A informação solta, portanto, seria essencial para o público ocidental, a quem esse título foi destinado e que recebeu uma educação eurocêntrica que pouco dá atenção às passagens históricas ocorridas no continente africano e em outros, entender o discurso anti-imperialista de M3NSA.


No outro lado, o enfoque musical também é falho, tanto pelo pouco aprofundamento de seus personagens – a cantora Adomaa, que possui a narrativa mais interessante entre eles, não tem esta realmente desenvolvida no decorrer do longa, em um problema recorrente com o resto – quanto pelo retrato desses artistas de uma cena alternativa nunca mencionar, nem que seja criticamente, a existência de uma forte cena pop em Gana que não se restringe as suas fronteiras. O país que já criou gêneros musicais como o highlife e o hiplife, hoje é um dos berços do afrobeats, também conhecido como afro-pop, afro-fusion ou descrições nacionais que vão contra estas generalistas, que denominam a grande mistura de gêneros atual, que não deve ser confundida com o afrobeat capitaneado pelo nigeriano Fela Kuti nos anos 70, que é uma das várias influências dos sons contemporâneos. Se a Nigéria tem sido o principal “centro de exportação”, tal qual a Colômbia tem sido para difundir o reggaeton e a música latina mundialmente, mas ajudando a nomes dos países vizinhos, incluindo o Brasil, se projetarem no exterior, o ganês Stonebwoy já ganhou, nos EUA, um BET Award de Melhor Performance Internacional – África, em 2015 durante as filmagens deste documentário, e o compatriota Shatta Wale acaba de gravar uma música com a norte-americana Beyoncé. Exemplos que evidenciam como Contrapor deixa escapar o bonde da história que pretendia contar.

 

Duração: 89 min | Classificação: 14 anos

Direção: Peter Guyer e Thomas Burkhalter

Roteiro: Thomas Burkhalter e Peter Guyer

Elenco: M3NSA, Wanlov The Kubolor, Adomaa, Worlasi, Akan, Mutombo Da Poet e Poetra Asantewa (veja + no IMDb)

Produção: Suíça

> Disponível na plataforma Sesc Digital, de 28/08 (sexta) a 30/08/2020 (domingo), dentro da programação do 8º Panorama do Cinema Suíço

 

Meu Primo Inglês

(Mon Cousin Anglais, 2019)


Fahed em cena do documentário suíço Meu Primo Inglês (Mon Cousin Anglais, 2019), de Karim Sayad | Foto: Divulgação

Presente na programação de documentários do Festival de Toronto de 2019, Meu Primo Inglês traz um olhar familiar, porém, poucas vezes explorado cinematograficamente, para os dilemas da imigração. Como o título já estampa, para tanto, o segundo longa do cineasta suíço Karim Sayad acompanha os passos de seu primo argelino Fahed que, desde 2001, mora na Inglaterra. O público fica sabendo, através da boca do próprio, que sua trajetória de imigrante foi difícil no início, precisando dormir na rua, mas, com muito trabalho duro, ele se estabeleceu na cidade portuária e operária de Grimsby.


No entanto, após tantos anos, o sonho de fazer a vida no exterior e retornar com dinheiro ao seu país não é mais o mesmo para ele, como demonstra o filme ao longo de seus cinco capítulos – nomeadamente, “A Síndrome da Vida de Merda”, “Heróis da Classe Trabalhadora”, “Casamento Argelino”, “O Mundo Está Dividido em Duas Partes” e “Vida É Confusa Neste Ponto”, em uma tradução livre. Se a rotina típica de um trabalhador inglês, em toda a sua repetição entediante e certa solidão constante, deixa-o em crise, o mesmo também não se encontra quando está em casa, ainda que esteja em família. Enfim, aquela sensação de se sentir estrangeiro que o imigrante carrega, seja no lugar onde está morando ou quando volta à terra natal, transformando a sua experiência em um exílio cultural e psicológico.


E Sayad, ele mesmo descendente de um imigrante argelino na Suíça, é muito preciso em captar como esse processo se inicia quando acompanha seu primo na Argélia, quando este tenta até se casar. No registro da fala de um parente deles, um menino de 10 anos contando seus planos para quando crescer, o diretor expõe como as crianças dali são ensinadas desde cedo a pensar que o seu futuro só será possível no exterior. Neste ponto, a obra conversa com outro documentário desse 8º Panorama Digital do Cinema Suíço, o supracitado Contrapor, sobre essa falta de sentimento patriótico – não confundir com nacionalismo – difundida entre as populações de muitos países africanos que são levadas a ver maravilhas na vida na Europa ou nos Estados Unidos, sem serem motivados a tentar construir uma nação melhor onde nasceram.


Meu Primo Inglês não sofre do mesmo problema de falta de foco do outro longa, mas também possui falhas que impedem um desenvolvimento maior de sua narrativa. Sayad deixa bastante tempo de tela para os encontros de seu protagonista com os amigos, usando isso e o hit oitentista Ghost Town da banda de ska inglesa The Specials na abertura – a versão punk de Sid Vicious para My Way integra também a trilha sonora – para uma reflexão adicional sobre a crise da própria classe trabalhadora inglesa, ao observar esses operários de outras partes do país igualmente presos em uma rotina solitária, mesmo que acompanhados, entre o serviço e o pub, sem perspectivas de mudança. A discussão decorrente daí é até interessante, mas nem tanto a condução dela, especialmente se comparada as lacunas deixadas pelo filme ao não deixar claro o relacionamento de seu personagem e da mulher inglesa com quem viveu por anos e pelos inúmeros lapsos temporais, que, em parte, espelham a própria confusão de Fahed.

 

Duração: 82 min | Classificação: 12 anos

Direção: Karim Sayad (veja + no IMDb)

Produção: Suíça, Catar e Argélia

> Disponível na plataforma Sesc Digital, de 31/08 (segunda) a 02/09/2020 (quarta), dentro da programação do 8º Panorama do Cinema Suíço



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