OLHAR 2020 | Dia 3 – A força das raízes
Atualizado: 17 de set. de 2021
A força de suas raízes guiam os cineastas e/ou os protagonistas deste terceiro dia de programação do 9ª edição do Olhar de Cinema, às vezes, de um modo inconsciente como acontece com o olhar de uma jovem no documentário israelo-americano Na Cabine de Exibição (2019). O longa está na Mostra Competitiva, assim como o premiado filme português A Metamorfose dos Pássaros (2020), mas o cinema nacional também é destaque nas mostras paralelas: a revolução adolescente do cearense Cabeça de Nêgo (2020), de Déo Cardoso, faz companhia à produção indígena Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito (2019), de Isael Maxakali e Sueli Maxakali, na Olhares Brasil; enquanto o homenageado no Foco deste ano, o diretor goiano Daniel Nolasco, escancara seu mais recente trabalho Vento Seco (2020). Confira abaixo mais sobre os destaques deste sábado (10) no festival:
A Metamorfose dos Pássaros (2020)
O maior mérito de A Metamorfose dos Pássaros (2020) é a convergência entre as esferas pessoal e universal. Seja quando ainda não se sabe do caráter autobiográfico do filme de Catarina Vasconcelos e a progressão da história daquela família retratada guia a narrativa com um ritmo praticamente ficcional. Ou mesmo a partir do momento em que a ciência disso não torna a produção portuguesa em uma obra somente personalista, mas suscita igualmente no público um relicário de memórias e sentimentos de sua própria genealogia.
Vencedor do Prêmio FIPRESCI da crítica internacional no Festival de Berlim, o longa se inicia com a carta de um senhor para Beatriz, sua falecida esposa, enquanto na tela se vê as imagens do mesmo chegando a um lar para idosos e ajeitando, em seu novo quarto, o quadro que o recorda da mulher. Essa estrutura epistolar, mesmo quando a múltipla narração não vem diretamente de uma missiva, segue por todo o filme, com poucas intervenções de diálogos nas cenas filmadas em um nostálgico 16mm, no formato 4:3, que são utilizadas para ilustrar as lembranças revividas pelos membros desse clã, iniciado pelo marinheiro Henrique e sua “Triz”, com seus seis filhos e a empregada Zulmira. Inicialmente, quando a locução vem mais de uma espécie de narrador onisciente rememorando esta história familiar, em conjunção com vários planos detalhes desses elementos que a reconstituem, a exemplo das emblemáticas mãos desta mãe, o estilo lembra bastante o de curtas brasileiros dos anos 1990, como os de José Roberto Torero, mas numa dose menor de humor e maior de peculiaridade e simbologias dos personagens retratados.
Até porque a porção melancólica vai ganhando destaque ao se observar a trajetória dessa família entrecortada pelo oceano, com o pai mal vendo os filhos nascerem e crescerem, e que, como outras em igual situação, “aprenderam o ofício da saudade”. Há um paralelo entre isso e a própria relação de Portugal com o mar e suas transformações históricas, na medida em que o patriarca representa, a seu modo, as glórias de outrora do reino português com suas conquistas ultramarinas, enquanto, na geração seguinte, ao chegar à juventude, Jacinto passa a analisar criticamente a colonização da África – em uma bela sequência de selos das antigas colônias e cânticos africanos –; a única filha, Teresa, descobre as dinâmicas do machismo; e outro irmão é preso pela PIDE, a polícia repressora da então ditadura de Salazar, cuja morte também é sinalizada nesse turbilhão nacional e domiciliar. No meio dele, se encontra Beatriz, sem saber contornar a situação: “educamos para ser melhores do que nós e agora que cresceram, não sei como lidar”, diz a mãe; “o mundo tem de mudar, mas não sei como”, confessa a cidadã.
Mas é justamente quando esta figura materna, que cuidava com afinco das plantas da casa, parte e a falta dessa árvore que os sustentava afeta sua prole, que o filme entra em uma metamorfose e revela sua faceta mais pessoal. O filho Jacinto, que queria ser pássaro, expressa sua tristeza, os silêncios e fantasmas que rondaram o lar, assim como a neta Catarina que também sofre pela morte de sua mãe se aproxima do pai através deste sentimento de perda que compartilham – a cineasta é, de fato, filha do primeiro, que, na realidade se chama Henrique, em uma das mudanças ficcionais que a própria explica no decorrer do longa. Por fim, os dois saem de barco, junto da lembrança de suas mães, e, tal qual um Portugal órfão, se lançam ao mar e às memórias que os constituem, enquanto o espectador monta a sua caixa de lembranças das suas recordações familiares e de fragmentos da obra para guardar pra si. Pessoalmente, fico com o verso “a minha mãe está no pôr-do-sol e todos os dias mergulha no fundo do mar” e a saudade por aquilo que tenho medo de perder.
A Metamorfose dos Pássaros (2020)
Duração: 101 min | Classificação: 12 anos
Direção: Catarina Vasconcelos
Roteiro: Catarina Vasconcelos (veja + no site)
Produção: Portugal
> Sessão – 10/10/2020 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
> Reprise – 14/10/2020 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
No site do Olhar de Cinema
Na Cabine de Exibição (2019)
A metalinguagem de Na Cabine de Exibição (2019) não é motivo de louvores ao cinema, como habitualmente ocorrem na utilização desse recurso linguístico, mas de complexa e intrínseca análise sobre o poder da imagem e de escolha do espectador. O documentário abre com a citação de Virginia Woolf, que questiona se todos vissem as mesmas imagens, talvez isso cessasse com a guerra e o cineasta israelense Ra’anan Alexandrowicz procura testar esta tese através de um estudo não científico com sete estudantes universitários nos Estados Unidos, interessados em seu país natal. Eles foram convidados a assistirem, na tal cabine, alguns dos 40 vídeos disponíveis sobre o conflito entre Israel e Palestina, sendo 20 deles de uma rede de direitos humanos chamada B’Tselem e outros 20 da comunicação oficial israelense e de canais conservadores, todos eles facilmente encontrados no YouTube.
Se é difícil precisar qual era intenção inicial do diretor, ele faz uma que é fundamental ao filme exibido no Festival de Berlim: não exibir as experiências de todos os jovens e focar somente na figura de Maia Levi. Mesmo sem observar os outros, dá para entender que a filha de pais israelenses, estudante de antropologia e praticante do judaísmo se difere dos demais pelo seu interesse maior justamente no material do B’Tselem, que já conhecia antes. Ela até comenta a falta de gesto genuíno de um vídeo da mídia alternativa dos soldados de Israel, mas é nos registros que mostram os palestinos tendo os seus direitos violados por opressão ou omissão destes mesmos militares que ela detém, se sensibilizando ao mesmo tempo em que tenta constantemente encontrar brechas e falhas para apontar alguma manipulação da imagem e, inconscientemente, justificar aqueles atos e, principalmente, seus princípios pessoais e familiares que a levam a apoiar a causa israelense.
A moça se torna um personagem tão intrigante que Alexandrowicz a convida, seis meses depois, para assistir a si mesma durante a sua primeira apreensão daqueles vídeos. A proposta dobra a metalinguagem, quase em uma proporção geométrica, ao reverberar estética e analiticamente. O cineasta dispõe ao espectador a chance de observar e comparar, em monitores lado a lado, as reações posteriores de Maia em relação às originais, além dos conteúdos aos quais ela está vendo, a fim de tirar as suas próprias conclusões, enquanto a mesma não só enxerga mais detalhes e procura ratificar suas convicções quanto passa a analisar também o estilo de filmagem do diretor.
Das observações e conclusões do “estudioso” e de seu “objeto” surgem inúmeros questionamentos e contradições sobre os efeitos midiáticos nas narrativas contemporâneas de conflitos e outras diversas questões urgentes. Se os fragmentos da realidade dos inúmeros vídeos que circulam hoje a internet colocam, segundo o realizador, o espectador como testemunha, o ceticismo da jovem que busca o ingrediente ficcional típico de um reality show nesses materiais, levanta a dúvida se a avalanche de conteúdo atual, seja manipulado ou não com fins escusos, acaba diluindo o impacto da imagem. Especialmente quando o público tem uma maior aceitação à fabulação do real trazida pelas ficções, vide o exemplo que ela oferece da série israelense Fauda (2015-), do que pela realidade narrada por registros documentais, jornalísticos ou flagrantes pessoais.
Igualmente, reside nisso uma constatação há muito tempo já adquirida na teoria da comunicação, ao refutar a primeira teoria da área, a da agulha hipodérmica, sobre a capacidade de escolha do receptor. Provavelmente, Alexandrowicz queria trazer uma nova percepção dos fatos para Maia, mas, por fim, ele entende a sua falibilidade da se comunicar frente a resistência de sua receptora, que só vai deixar uma mensagem incutida em si quando esta convém aos seus valores. É deste fracasso que vem o grande acerto do filme, embora extremamente desanimador.
Na Cabine de Exibição (The Viewing Booth, 2019)
Duração: 71 min | Classificação: 12 anos
Direção: Ra’anan Alexandrowicz (veja + no site)
Produção: Israel e Estados Unidos
> Sessão – 10/10/2020 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
> Reprise – 14/10/2020 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
No site do Olhar de Cinema
Cabeça de Nêgo (2020)
Há uma classe de filmes que se estrutura a partir de uma simples ação a desencadear inúmeras outras em algo que foge do controle, quase como em uma avalanche ou, em outra analogia comum para essa escalada de tensão, uma panela de pressão prestes a explodir. Cabeça de Nêgo (2020), primeiro longa do cineasta cearense Déo Cardoso, é um típico exemplar do tipo com uma narrativa de ritmo e envolvimento impressionantes, ainda mais para uma direção estreante. Contudo, na produção presente na última Mostra de Tiradentes, o estopim de tudo vem justamente de uma não-ação mútua.
A história começa apresentando o protagonista Saulo (Lucas Limeira), presidente do novo grêmio estudantil, colando cartazes nas ruas em torno da sua escola sobre a próxima reunião e chegando atrasado ao colégio, ainda mais ao se deparar no portão com um ex-aluno que encarna a representação dos produtos humanos gerados pela violência periférica e o ameaça de morte. Não bastasse o conflito inicial, em meio às brincadeiras na aula que se transformam em desrespeito ao professor e aos colegas, surge a ofensa racista a qual o adolescente negro reage e é repreendido pelo docente e, depois, pelo diretor Gusmão (Carri Costa). Como o ato de racismo fica impune e só ele é punido, o estudante se recusa a sair da sala em protesto e, igualmente, para evitar a expulsão e o perigo que o espreita do lado de fora.
Sua decisão acaba colocando o ambiente escolar em ebulição, especialmente quando o jovem não só expõe sua situação nas redes sociais, mas também usa o celular, um acessório fundamental do cotidiano da juventude aqui representada, para denunciar o estado precário da escola e, consequentemente, a corrupção que está por trás disso. O resultado é que tanto os alunos começam a se mobilizar para reivindicar melhores condições de ensino quanto grande parte do corpo docente, salvo algumas exceções como a professora Elaine (Jéssica Ellen), o condena por suas atitudes, enquanto o mesmo segue lendo os ensinamentos dos Panteras Negras, com direito à cena ilustrativa da projeção na parede ao som de Sorrisos e Lágrimas, do Emicida. Não é preciso muito para imaginar o quanto e como o caso evolui, passando até a envolver narrativa e criticamente a polícia e a mídia nesta questão.
Esse panorama é construído de modo arquetípico, faltando certa dimensionalidade aos personagens a fim de um discurso didático, conduzido por atuações que nem sempre se mostram 100%, mas não chegam a comprometer o conjunto. Às vezes, é difícil saber o quanto o filme está pontuando possíveis questionamentos a esse furor juvenil que move engajamentos e protestos mais na força da emoção do que da razão, ou se está empolgado demais com isso para conferir ambiguidade e observar alguma militância desmedida em seu protagonista – o momento prematuro em que ele acusa o inspetor Walter (Val Perré), também negro, de agir como um “capataz” é sensível neste sentido. Mas a força da narrativa e da sua direção de Cardoso é suficiente para o espectador superar tais questões e se envolver completamente com a trama e ser arrebatado pelo catártico final em paralelo à realidade – algo ao estilo Spike Lee em Infiltrado na Klan (2018), mas a dedicatória de Déo é mesmo para os precursores do cinema negro no Brasil, Adélia Sampaio e Zózimo Bulbul, este com uma frontalidade que reverbera em sua forma adolescente em Cabeça de Nêgo.
Cabeça de Nêgo (2020)
Duração: 85 min | Classificação: 12 anos
Direção: Déo Cardoso
Roteiro: Déo Cardoso
Elenco: Lucas Limeira, Nicoly Mota, Jennifer Joingley, Mayara Braga, Wally Menezes, Mateus Honori, Jéssica Ellen, Val Perré e Carri Costa (veja + no site)
Produção: Brasil
> Sessão – 10/10/2020 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
> Reprise – 14/10/2020 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
No site do Olhar de Cinema
*Filme assistido online durante a 8° Mostra Tiradentes SP
Exibido na Mostra Tiradentes deste ano, de onde saiu com o Prêmio Carlos Reichenbach, dado pelo Júri Jovem da mostra paralela Olhos Livres, Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito (2019) é um raro exemplar que chega ao circuito de festivais de um cinema feito por indígenas e não somente sobre eles, como outros títulos dentro desta mesma seleção do Olhar 2020. A dupla Isael Maxakali e Sueli Maxakali, que já tinha codirigido o média-metragem documental Grin (2016), ao lado de Roney Freitas, agora realiza seu primeiro longa. Um trabalho mais preocupado na preservação da própria cultura Maxakali (ou Maxacali) do que explicá-la aos não-indígenas.
Após uma breve encenação introdutória da lenda que remonta à origem das Yãmĩyhex, como são chamadas as mulheres-espírito, o documentário registra uma semana de ritual na Aldeia Verde Maxacali, no município de Ladainha, em Minas Gerais, para a partida desses espíritos que fazem parte do seu universo de culto. Acompanha-se suas várias etapas, desde a preparação dos vestidos para as Yãmĩyhex e da comida cerimonial até a benção para a pesca no rio e o próprio momento em que as índias vão fazer isso, mas sempre respeitando o sigilo dos trabalhos realizados na kukex, nome do centro religioso em suas aldeias, a qual as câmeras nunca adentram. Da mesma maneira, os pajés não autorizam a tradução de alguns cantos para “os brancos”.
Estes, aliás, com seu olhar restrito, terão dificuldade em compreender todo o processo ritualístico apresentado e seu tempo próprio, tendo de fazer correlações dentro do entendimento ocidental com a cultura Maxacali para observá-la, especialmente no quanto os ritos se constroem sob um misto de troca e embate entre gêneros muito marcado em determinados momentos. Por exemplo, quando as mulheres jogam água nos homens, que se protegem com uma espécie de escudo de madeira, ou eles, todo enlameados, encarnam as lontras que vão persegui-las. Percebe-se igualmente que o registro documental suscita uma narrativa ficcional naturalmente, na medida em que o desenrolar da cerimônia, como tantas outras de qualquer religião ou povo, se dá na recriação ou encenação por parte dos índios dos elementos da mitologia Maxacali. “Nós já estávamos esquecendo os cantos das nossas avós”, comenta-se logo na primeira parte de Yãmĩyhex, deixando claro o intuito de Isael e Sueli, que se confirma até o final, de fazer do filme uma ferramenta de manutenção de sua tradição, eternizando seus espíritos através da imagem.
Duração: 76 min | Classificação: 14 anos
Direção: Isael Maxakali e Sueli Maxakali (veja + no site)
Produção: Brasil
> Sessão – 10/10/2020 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
> Reprise – 14/10/2020 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
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Vento Seco (2020)
Para quem já conferiu o primeiro longa de Daniel Nolasco, cineasta homenageado com uma mostra focando em sua jovem filmografia nesta 9ª edição do Olhar, é até um choque a diferença de tom entre o naturalismo e certa passividade do documentário Paulistas (2017) e a forte estilização de cores e sexo explícito de sua primeira ficção Vento Seco (2020). Ainda assim, é possível notar em ambas as obras do diretor goiano a procura por uma identidade partida do Brasil rural, entre a modernidade que chega ao campo e o conservadorismo; seja nos costumes e como sintoma de um mal nacional, que são o interesse deste último trabalho exibido no Festival de Berlim, ou das tradições regionais, observadas mais em seu début, mas também vistas aqui.
A árida paisagem de Catalão, no interior de Goiás, é cenário para a história de Sandro (Leandro Faria Lelo), funcionário de uma indústria de fertilizantes, que se encontra secretamente na mata com Ricardo (Allan Jacinto Santana), operário da mesma fábrica, mas que tem a sua frágil estabilidade alterada pela chegada da figura sedutora e forasteira de Maicon (Rafael Teóphilo). A falta de umidade se torna uma metáfora para o desejo reprimido pelo protagonista que conduz a linguagem onírica que perpassa a narrativa. Esta, muitas vezes é suprimida, especialmente quanto ao desenvolvimento dos personagens em um roteiro que prefere suas carapaças arquetípicas, mas que os atores conseguem manejar habilmente em suas interpretações.
Isso decorre da ostentação estética da direção de Nolasco, que encanta com seu visual de cores e neon que compõem essa fantasia romântica-erótica, assim como o uso da música no longa. A cena da roda-gigante ao som de uma versão de I'm On Fire, do Chromatics – para deixar ainda mais clara a referência à Nicolas Winding Refn – é a mais marcante, mas a trilha sonora, que vai de Matogrosso & Matias à Maria Bethânia e Alceu Valença, de Thiago Pethit a Rafaela Miranda, põe o cancioneiro popular brasileiro para falar das dores de amor. Há também, é claro a ironia do show de Jorge & Mateus, uma das duplas sertanejas de maior sucesso na atualidade, servir de fundo para o sexo no celeiro.
Aliás, uma das várias cenas explícitas da obra, que já denota seu caráter fetichista na sequência inicial, com a câmera “encarando”, logo nos primeiros quadros, uma série de homens de sunga na piscina, em um tratamento que continua quando Sandro vai ao vestiário e que se perpetua de forma ainda mais intensa ao longo da produção. Se o jogo de futebol recorda sem pudores a partida de vôlei de Top Gun – Ases Indomáveis (1986), Nolasco enumera diversos fetiches sexuais, retomando o couro que foi objeto de seu longa anterior, Mr. Leather (2019), e exibindo momentos variados de BDSM. Isso gera um resultado paradoxal ao filme que, por um lado, faz um manifesto através desse afronte de imagens em um cenário tipicamente rural, mas, por outro, perpetua estereótipos ligados ao universo LGBT+. Neste sentido, a ação mais ponderada e eficaz do cineasta é escalar uma atriz trans para um papel cis, com Renata Carvalho se destacando como Paula, a amiga de trabalho do protagonista, ao refletir sobre a fragilidade da vida em uma das cenas finais, quando, finalmente, Vento Seco se permite ser mais humano e demonstra o potencial do drama que reside embaixo do neon.
Vento Seco (2020)
Duração: 110 min | Classificação: 18 anos
Direção: Daniel Nolasco
Roteiro: Daniel Nolasco
Elenco: Leandro Faria Lelo, Allan Jacinto Santana, Renata Carvalho e Rafael Theophilo (veja + no site])
Produção: Brasil
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