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  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2021 | Culpa reprimida

Atualizado: 16 de set. de 2022

Entre os títulos da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, há três que se encontram em seus retratos de repressão, sejam eles de períodos históricos ou cenários de futuros imaginados, no qual os personagens se tornam cúmplices ou testemunhas, se afundando em culpas individuais ou coletivas, ou simplesmente as ignorando. É assim que convergem o drama de guerra húngaro Luz Natural (Természetes Fény, 2021), que mostra o auxílio das forças do país à ocupação alemã na União Soviética durante a II Guerra Mundial; o thriller político Azor (Azor, 2021), sobre um banqueiro suíço que adentra no círculo de poder da elite argentina no período ditatorial; e a distopia croata Amanhecer (Zora, 2020), no retrato familiar dos últimos habitantes de uma vila cuja população foge de uma ameaça obscura, como você vê a seguir:

 

Luz Natural (Természetes Fény, 2021)


Ferenc Szabó em cena do filme húngaro Luz Natural (Természetes Fény, 2021), de Dénes Nagy | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Diferentemente do qualquer clima alto-astral que um espectador desavisado pode concluir apenas pelo título de Luz Natural, o filme húngaro que deu o prêmio de Melhor Direção para Dénes Nagy no Festival de Berlim deste ano joga luz sobre a natureza humana em um de seus piores momentos, em termos coletivos: a II Guerra Mundial. Em seu primeiro longa, o cineasta parte de apenas um trecho do romance de Pál Závada, Természetes Fény (2014), focando somente em três dias de sua saga de duas décadas para abordar o período em que soldados húngaros foram levados para ajudar as tropas alemãs na ocupação da União Soviética. O resgate deste passado tenebroso para o seu país é traçado, portanto, através de um conto moral individual da experiência do fazendeiro transformado em cabo, István Semetka (o estreante Ferenc Szabó), frente à guerra.


Com trabalhos anteriores na área documental, Nagy faz um retrato frio e compassivo com o tempo natural de seu objeto ao observar, com poucos diálogos, as tropas adentrando florestas e pântanos até vilarejos isolados para combater os Partisans soviéticos, forças de resistência formadas por civis contra os nazistas e seus aliados. Mesmo em cenários de extrema miséria, o exército húngaro exerce extrema dominação e violência sobre os cidadãos locais e, embora o fazendeiro que fotografa as ações dos militares se afeiçoe um pouco aos pobres camponeses, é cada vez mais engolido por este ambiente repressivo, como bem ilustra a cena em que ele vai do gozo coletivo à culpa por assistir à humilhação de um rapaz local. A situação piora para Semetka quando o comandante do seu agrupamento é morto por rebeldes e ele precisa assumir a posição temporariamente, mas suas decisões acabam levando a uma sucessão de acontecimentos que saem do seu controle.


Essa jornada de participação na barbárie e de culpa pela ação ou omissão recorda outro drama de guerra húngaro, O Filho de Saul (2015), mas o longa de László Nemes que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro trazia na sua direção claustrofóbica e na narrativa bem mais próxima do protagonista motivos para o público adentrar mais na história do que na passividade e frieza do trabalho de Nagy. Contudo, tanto a reiteração dessa temática quanto o a questão da culpa, que perpassa outra produção compatriota presente nesta Mostra, em várias das discussões de vários tipos de relacionamento elencadas por Bence Fliegauf em Eu Vejo Você em Todos os Lugares (2021), não vêm do nada e são nada menos do que a reação natural e instintiva do cinema da Hungria ao seu líder nacional. Ao passo que, cada vez mais, foi crescendo o poder do primeiro-ministro populista e autoritário Viktor Orbán de incitar o nacionalismo e crescimento da extrema-direita no país ao longo da última década, a cinematografia húngara foi marcando o seu espaço na cena internacional com os reflexos dessa repressão e de uma culpa coletiva não só nunca redimida, mas com o perigo de ser repetida.

 

Luz Natural (Természetes Fény, 2021)

Duração: 103 min | Classificação: 14 anos

Direção: Dénes Nagy

Roteiro: Dénes Nagy

Elenco: Ferenc Szabó, Tamás Garbacz, László Bajkó, Gyula Franczia, Ernő Stuhl e Gyula Szilágyi (veja + no site)

Produção: Hungria, Letônia, França e Alemanha


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 24/10/2021)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 1200 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

Azor (Azor, 2021)


Stéphanie Cléau e Fabrizio Rongione em cena do filme franco-suíço-argentino Azor (Azor, 2021), de Andreas Fontana | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Entre as cinco partes que compõem a história de Azor, somente na quarta se revela o significado de seu título, como um código interno entre os clãs de banqueiros suíços para o silêncio que deve ser mantido em certas situações. No entanto, desde o princípio do seu longa de estreia, Andreas Fontana faz do silenciamento um objeto para sua narrativa e, simultaneamente, uma ferramenta desta para abordar o período ditatorial na Argentina. A repressão desta época se faz presente logo na segunda cena desta coprodução franco-suíça-argentina, mas, de dentro do carro que os levam para o hotel, os personagens principais, junto com o público, são levados para o mundo que finge ignorar o que está acontecendo lá fora, dentro de uma elite que só toca no assunto veladamente, seja por preocupação ou para não declarar como se beneficiam e sustentam o governo da junta militar.


O ano é 1980 e o banqueiro suíço Yvan De Wiel (Fabrizio Rongione) e sua esposa (Stéphanie Cléau) vêm de Genebra para Buenos Aires – mesma rota do diretor, hoje radicado na capital argentina –, a princípio, para saber do paradeiro de seu sócio René Keys, mas ao mesmo tempo tranquilizar seus clientes locais de que nada aconteceu com ele ou com seus negócios. Assim o casal faz uma série de visitas a essas pessoas em suas casas, clubes ou no hipódromo, para mostrar que está tudo bem com o banco, enquanto tentam descobrir, não só o que aconteceu com seu parceiro, mas que tipo de acordos ele realmente fazia com elas. Esse jogo duplo se traduz em diálogos indiretos, que dificilmente abrem as reais motivações dos personagens, ou mesmo explicam detalhes mais triviais do ramo financeiro – falas como “este país se tornou um terreno de caça privado para algumas pessoas poderosas” já são raras em tantas outras mais oblíquas.


É algo que pode afastar uma parcela do público, mas o espectador que se manter engajado à obra exibida na seção Encontros do Festival de Berlim deste ano observará a transformação gradual de Yvan, à medida que vai se aproximando do que o sócio fazia e, percebendo pelos clientes ou pela pressão da própria mulher, de que será necessário assumir este papel obscuro para substituir a onipresença de Keys em seus negócios e manter o lucro de todos, acima de tudo. A direção estreante de Fontana demonstra um controle notável para realizar tal progressão ambiciosa no espírito do personagem, assim como a trilha sonora Paul Courlet na criação de uma atmosfera de tensão e incômodo. O principal trunfo de Azor, porém, é não se silenciar nem sobre a participação fundamental das elites locais, em diversos setores, nas ditaduras civis-militares que se instauraram na América Latina no século passado, nem acerca da falsa neutralidade da Suíça que desaparece quando o assunto é dinheiro.

 

Azor (Azor, 2021)

Duração: 86 min | Classificação: 14 anos

Direção: Andreas Fontana

Roteiro: Andreas Fontana

Elenco: Fabrizio Rongione, Stéphanie Cléau, Carmen Iriondo, Juan Trench, Ignacio Vila e Pablo Torre (veja + no site)

Produção: Suíça, França e Argentina

Distribuição: Vitrine Filmes


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessão apenas em 29/10/2021)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 22/10 (sexta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

Amanhecer (Zora, 2020)


Cena do filme croata Amanhecer (Zora, 2020), de Dalibor Matanić | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Frente a esses dois filmes que cenários repressivos históricos, Amanhecer se ambienta em um futuro bem próximo, já que a produção é de 2020 e a trama distópica se passa em 2021. No entanto, nada é muito óbvio no longa de Dalibor Matanić, o segundo de uma trilogia iniciada com High Sun (2015), pois, se no anterior, ele construía um drama geracional sobre as disputas étnicas em uma vila nos Balcãs, essa problemática muito presente na região fica somente subentendida neste novo trabalho do cineasta croata. Um retrato de uma família que tenta sobreviver aos traumas do passado, ao desamparo do presente e às ameaças futuras.


Após a idiossincrática cena de abertura, em que o sexo nada prazeroso do casal Ika (Tihana Lazovic) e Matija (Kresimir Mikic) é assistido por seus dois filhos, a pré-adolescente Kaja (Lara Vladovic) e o garoto Nikola (Maks Kleoncic), demora-se um bom tempo pra se saber da existência de outro filho perdido. Esse é um dos motivos que faz alguns deles resistirem à ideia de sair do lugarejo onde estão, em que ocorre uma série de emigrações, cujos motivos não são muito elucidados, enquanto figuras forasteiras buscam avidamente por essas terras abandonadas. Como a criação climática importa mais do que a narrativa para Matanić nesta obra, pode-se dizer que a experiência para a maioria do público é frustrante com este eterno suspense prenunciado por tal atmosfera que não é entregue, de fato; mas há quem se envolva com as cenas mais significativas, sejam em seu terror ou frescor musical frente a ele, o suficiente para embarcar junto à família nesta história.

 

Amanhecer (Zora, 2020)

Duração: 126 min | Classificação: Livre

Direção: Dalibor Matanić

Roteiro: Dalibor Matanić

Elenco: Kresimir Mikic, Tihana Lazovic, Maks Kleoncic, Lara Vladovic e Marco Mandic (veja + no site)

Produção: Croácia e Itália


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 25/10 (segunda) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 1200 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play


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