top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

QUO VADIS, AIDA? | Para onde vais, humanidade?

Atualizado: 2 de ago. de 2021


Jasna Đuričić, Johan Heldenbergh e elenco em cena do filme bósnio indicado ao Oscar, Quo Vadis, Aida? (2020), de Jasmila Žbanić | Foto: Divulgação (Synapse Distribution)

Praticamente 50 anos depois do fim da II Guerra Mundial, o mundo presenciaria o mais duradouro e sangrento conflito desde então em terras europeias, com a Guerra da Bósnia (1992-1995), o capítulo mais conhecido da série de conflitos ocorridos na antiga Iugoslávia ao longo da década de 1990, após o fim da Guerra Fria e antes de sua dissolução total. A disputa territorial entre as antigas repúblicas do país, com razões étnicas e religiosas implícitas, envolveu os sérvios cristãos ortodoxos, com intenções nacionalistas de dominar a região, e os bósnios muçulmanos, que buscavam sua independência, a exemplo dos croatas católicos, que também se envolveram neste embate específico, e outras etnias, como os albaneses lutando pela autonomia de Kosovo. Neste barril de pólvora que se tornou os Balcãs no período, o episódio mais tenebroso foi o genocídio promovido pelas forças sérvias sobre a população civil bósnia no Massacre de Srebrenica, em julho de 1995, fato tratado no filme Quo Vadis, Aida? (2020).


Indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, o quinto longa de Jasmila Žbanić foi escolhido para representar a Bósnia e Herzegovina na corrida do prêmio da Academia, mas trata-se de uma coprodução entre vários países: Áustria, Romênia, Países Baixos, Alemanha, Polônia, França, Noruega e Turquia se juntaram para viabilizar o projeto que encontraria dificuldades de ser realizado apenas com recursos nacionais. A cineasta que cresceu durante o cerco de Sarajevo e fez da experiência da guerra um motor para sua filmografia, como visto em seu début Em Segredo (2006), vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, afirma ter encontrado diversas dificuldades, pois, como os sérvios ainda governam a região de Srebrenica, existe ainda uma resistência em admitir que o genocídio, de fato, aconteceu, apesar das 8372 mortes comprovadas. Contudo, o grande feito da obra que estreou em Veneza, passou em Toronto, concorreu a dois BAFTAs e disputa o Spirit está em mostrar que o trágico caso não foi apenas um problema local e sim um descaso global.


Depois de muito estudar sobre o assunto, Žbanić se inspirou livremente no livro Under the UN Flag (2007), em que Hasan Nuhanović, que foi um intérprete da Organização das Nações Unidas para as forças holandesas que a representavam, relata a omissão do órgão internacional com o massacre que se anunciava e que vitimou, inclusive, sua família. O seu roteiro traz, portanto, a figura de Aida (Jasna Đuričić, que já trabalhou com a diretora em For Those Who Can Tell No Tales, de 2013) como a tradutora da ONU que protagoniza o drama pessoal e coletivo em meio ao caos. Na primeira cena, que conta com o áudio original da última reportagem veiculada na rádio da cidade antes de sua ocupação, o diálogo em inglês e bósnio que a personagem intermedia entre os oficiais holandeses e as autoridades locais demonstra como apenas o ultimato sem ações imediatas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não impediu o avanço sérvio sobre a região que era considerada área de segurança da ONU.


Esse é só o primeiro dos vários momentos em que se revela como a chamada força de paz do órgão, com a desculpa da neutralidade, foi incapaz de trazer isso, sendo negligente na proteção da população a qual era responsável e deixando milhares de pessoas suscetíveis ao exército comandado pelo General Ratko Mladić (Boris Isaković, que já encarou papéis de carrascos da guerra no ótimo A Boa Esposa / Dobra Zena, de 2016, por exemplo), hoje condenado por crimes contra a humanidade. Isso se torna mais angustiante ao espectador, pois este observa a situação desesperante através do olhar de Aida, que precisa traduzir ordens que ela sabe que vão colocar todos em risco, enquanto tenta salvar sua família da tragédia anunciada. O título vindo da expressão em latim Quo vadis?, que significa “Para onde vais?”, representa bem esse esforço sisífico da protagonista, como uma mãe leoa protegendo seus filhos (Boris Ler e Dino Bajrović) e o marido (Izudin Bajrović), ao mesmo tempo em que questiona as medidas que colocarão toda a sua comunidade na mira dos sérvios – alguns deles também seus conhecidos por ser professora antes da guerra.


Aliás, esse é um ponto que Žbanić faz questão de reforçar, primeiro no flashback que mostra o clima festivo entre bósnios sérvios – os sérvios lá residentes – e os bosníacos – também chamados de bósnios muçulmanos – no início dos anos 1990, antes do acirramento étnico ser aflorado. Depois, no epílogo, em que a personagem volta para acertar as contas do passado e retorna ao ambiente escolar, onde vítimas e algozes convivem juntos no processo de criação de uma nova geração ainda inocente das máculas desse passado coletivo. Passado este que Quo Vadis, Aida? não deixa ser esquecido, sem apelar para o choque sensacionalista dos horrores cometidos ou o sentimentalismo no trato dessas situações, apenas lembrando até onde a humanidade pode chegar.

 

Quo Vadis, Aida? (Quo Vadis, Aida?, 2020)

Duração: 101 min | Classificação: 16 anos

Direção: Jasmila Žbanić

Roteiro: Jasmila Žbanić

Elenco: Jasna Đuričić, Izudin Bajrović, Boris Ler, Dino Bajrović, Boris Isaković, Johan Heldenbergh, Raymond Thiry e Emir Hadžihafizbegović (veja + no IMDb)

Distribuição: Synapse Distribution

Plataforma: Apple TV (iTunes), Google Play, NOW e YouTube (VOD), a partir de 20 de abril de 2021



0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page