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  • Foto do escritorNayara Reynaud

ESPECIAL GRAMMY 2021 | O tradicional e o novo no R&B 2(0).2(0)

Atualizado: 4 de jan. de 2022


Especial Grammy 2021: os álbuns Djesse Vol. 3 (2020), do musicista Jacob Collier; Ungodly Hour (2020), do duo Chloe x Halle; e Chilombo (2020), da cantora Jhené Aiko | Fotos: Divulgação

Assim como aconteceu com a categoria de Melhor Álbum de World Music que se tornou Melhor Álbum de Global Music a partir desta 63ª edição do Grammy, a The Recording Academy, organização responsável pela mais famosa e igualmente polêmica premiação do mundo da música, fez outras mudanças de nomenclatura que atingiram o antigo prêmio de Melhor Álbum de Urban Contemporary, ou urbano contemporâneo. O termo cunhado pelo DJ nova-iorquino Frankie Crocker nos anos 1970 para designar a black music se tornou um guarda-chuva para rádios agruparem diversos gêneros produzidos por artistas negros e/ou latinos, contudo, estes passaram a se posicionar contrariamente à descriminação generalista que o título “urban” ganhou, seja como um eufemismo ou algo datado, que não observa a produção e popularidade dessa música também em cidades do interior dos Estados Unidos. Sendo assim, em junho de 2020, logo no auge dos protestos antirracistas provocados pelo assassinato de George Floyd em uma abordagem policial, a Academia de Gravação resolveu rebatizar a categoria como Melhor Álbum de R&B Progressivo – mas, contraditoriamente, ainda manteve a alcunha no prêmio de Melhor Álbum de Pop ou Urban Latino.


Mesmo que não seja muito comum no meio, a nova nomenclatura parece abarcar especialmente o trabalho de nomes do R&B alternativo, como Jhené Aiko, que foi indicada tanto a esta estatueta quanto a de Álbum do Ano por Chilombo (2020), e de outros que levam o gênero para um caminho mais pop, entre outras experimentações, como o duo Chloe x Halle com Ungodly Hour (2020), outro concorrente da categoria. Ou seja, ao mesmo tempo em que, agora, há um direcionamento para uma espécie de novo subgênero, a premiação permanece segregando o trabalho de músicos afro-americanos em determinados segmentos como o de R&B e Rap, por exemplo, sem dar chance para que pudessem alçar outros “predominantemente brancos” como o pop. Trata-se de um problema anterior ao evento, que incorre na própria limitação imposta por categorizações, ainda mais em um momento em que os artistas criam obras indiferentes a classificações, tais quais vários dos discos que disputam o prêmio principal neste ano, mas que não tiveram uma indicação dentro de um gênero, a exemplo de Djesse Vol. 3 (2020), do prodigioso Jacob Collier, que encaminha o R&B para as mais diversas frentes.


E são justamente esses três álbuns citados que o NERVOS destaca nesta parte do especial sobre o Grammy 2021:

 

Com apenas 18 anos, o inglês Jacob Collier viralizou no Youtube, em 2012, fazendo vídeos em que a tela dividida o mostrava tocando diversos instrumentos e fazendo várias vozes harmonizando em covers como o de Don't You Worry 'Bout a Thing, de Stevie Wonder. Para quem apenas se recorda vagamente de mais um fenômeno da internet, mas não acompanhou a carreira daquele jovem prodígio, talvez seja uma surpresa descobrir que o mesmo já ganhou quatro Grammys pelos seus arranjos e, nesta edição, concorra a três prêmios, sendo um deles o principal por seu álbum Djesse Vol. 3. Uma trilha de sucesso que fica mais evidente quando retraçada desde o começo viral, quando o rapaz chamou a atenção e foi apadrinhado por ninguém menos do que Quincy Jones, produtor que possui o recorde de indicações na premiação, junto do rapper Jay-Z, com um total de 80 para cada.


Já em seu disco de estreia, In My Room (2016), a mistura de jazz, pop e acapella lhe renderam dois gramofones dourados: de Melhor Arranjo Instrumental ou A Capella para You and I, outra versão de uma canção de Stevie Wonder, e de Melhor Arranjo de Instrumentos e Vocais para seu cover de Flintstones, música-tema do desenho animado homônimo. Com o auxílio da Metropole Orkest, o filho e neto de violinistas infundiu a música clássica no seu caldeirão de Djesse Vol. 1 (2018), primeiro volume de uma série de álbuns dedicados a determinados períodos do dia, em que até o samba aparece na receita, por meio da reedição do hit de Lionel Ritchie, All Night Long, também vencedor de Arranjo de Instrumentos e Vocais. Em Djesse Vol. 2 (2019), o compositor e músico viaja pelo folk e até pela bossa nova na colaboração com a portuguesa MARO, mas é com o coro de 144 vozes, incluindo a de famosos artistas, colaboradores e familiares dele, entre outras participações além de suas próprias variações de voz, aplicado na sua regravação de Moon River, icônica canção composta por Henry Mancini e Johnny Mercer para o filme Bonequinha de Luxo (1961), que ele garantiu mais uma estatueta de Arranjo Instrumental ou A Capella, no ano passado.


Dessa vez, Collier está indicado a Álbum do Ano pelo terceiro volume que, seguindo a lógica da série, embrenha-se em uma cena noturna. Mais que nos anteriores, Djesse Vol. 3, primeiro disco totalmente autoral dele, está fincado no rhythm and blues, bebendo muito do pop, funk e da música eletrônica, embora suas rearmonizações sigam o estilo jazzístico de sempre. É justamente através da EDM que ele traça isso, particularmente no início com a intro CLARITY e o flerte com o grime em Count the People, que tem a participação de Jessie Reyez e T-Pain, e funciona como transição para o funk oitentista que serve de base para In My Bones, faixa com Kimbra e Tank and The Bangas. O R&B aparece, de vez, com Daniel Caesar em Time Alone With You, sendo seguido por Mahalia e Ty Dolla $ign em All I Need, música indicada a Melhor Performance do gênero neste Grammy.


O clima festivo, porém, dá lugar à balada In Too Deep, com Kiana Ledé, que, além de estender a verve romântica das letras, introduz o conceito de sono e sonhos que permeia boa parte da segunda metade do álbum. Primeiro, na sequência, com as experimentações eletrônicas, a la FKA Twigs, de Butterflies – que surge também, mais à frente, em Light It Up On Me – e o pop de Sleeping On My Dreams – que se mantém no dueto com Tori Kelly em Running Outta Love. E no final, quando depois de He Won't Hold You, uma modernização de um soul retrô cinquentista que o artista imprime, ao lado de Rapsody, em uma canção sobre a dor de uma paixão perdida que concorre a Melhor Arranjo de Instrumentos e Vocais, To Sleep vem ninar a despedida para esse amor. Por fim, fica evidente como a virtuosidade de Jacob encontra aqui uma forma mais acessível de se apresentar e comunicar com o público geral, na mesma medida em que agrada diversos segmentos mais eruditos – especialmente entre os votantes da Academia.

 

Djesse Vol. 3 (2020)

Artista: Jabob Collier

Duração: 41:00 (12 faixas)

Gravadora: Decca Records (UMO) / Universal Music Brasil

Disponível em várias plataformas digitais [confira aqui]



 

Uma trajetória semelhante marca o início da carreira das próximas artistas em destaque. Nascidas em Atlanta, as irmãs Bailey se mudaram de Mableton, também na Georgia, para Los Angeles, em busca de mais oportunidades no cinema e na música, quando os covers que postavam no YouTube chamaram a atenção da “Queen B”. E foi sob a benção da mentora Beyoncé que o duo Chloe x Halle surgiu no showbusiness, primeiro com o EP Sugar Symphony (2016) e depois a elogiada mixtape The Two of Us (2017), cuja produção da própria dupla demonstrava já demonstrava o talento nas harmonizações e visão das jovens nos arranjos.


O olhar para a sua geração foi o foco do álbum de estreia The Kids Are Alright (2018), em que o conceito de coming of age ficou evidente nas faixas iniciais, mais voltadas para um indie pop ao estilo da neozelandesa Lorde, antes de adentrarem de vez no R&B e na onda do trap, bem proeminente nesse período recente. Com esse trabalho, as irmãs receberam suas primeiras indicações ao Grammy, como Artista Revelação e Melhor Álbum de Urban Contemporânea, e agora acumulam mais três com o segundo disco, Ungodly Hour (2020). Além de disputar o prêmio de Melhor Álbum de R&B Progressivo, o single Do It concorre a Melhor Canção de R&B e Wonder What She Thinks of Me a Melhor Performance de R&B Tradicional.


A maturidade atingida por Chloe e Halle se mostra tanto musical quanto liricamente na obra gravada no estúdio que montaram na garagem de casa. Há um resgate para o público atual do R&B dos anos 90 e 2000, com influências, por exemplo, do antigo grupo da madrinha, o Destiny’s Child, além do TLC, nas mensagens de empoderamento, como a de Baby Girl, através dessa referência de sonoridade nostálgica, e particularmente de Toni Braxton na já citada Wonder What She Thinks of Me. As duas se assumem como mulheres independentes que querem festejar e curtir em Do It, que exigem serem tratadas bem em Tipsy ou que pedem para o cara só as procurar quando estiverem bem na ótima faixa-título Ungodly Hour – que tem a produção do duo inglês de eletrônica Disclosure, um dos vários colaboradores neste trabalho, embora as irmãs ainda mantenham o controle total sobre o disco –, mas também demonstram suas fragilidades, seja para lidar com a solidão em Lonely ou com relacionamentos complexos em Busy Boy e Don't Make It Harder On Me, entre outras canções. Neste sentido, existe uma conversa que permeia todo o álbum, desde o nome e a capa, com conceitos cristãos e/ou bíblicos de culpa e perdão, anjos e demônios, crucificação e Paraíso, que vem da vontade da dupla de escaparem de uma imagem angelical atribuída a elas e, como cantam em Forgive Me, assumirem seus pecados de modo a, igualmente, pedirem desculpas por suas e sentirem orgulho por se submeterem a errar.

 

Ungodly Hour (2020)

Artista: Chloe x Halle

Duração: 37:17 (13 faixas)

Gravadora: Parkwood Entertainment / Columbia

Disponível em várias plataformas digitais [confira aqui]



 

Outra artista que leva o gênero para outros mares é Jhené Aiko, que também foi indicada a três Grammys neste ano: seu terceiro álbum Chilombo disputa tanto na categoria principal quanto na de R&B progressivo e a canção Lightning & Thunder, que interpreta ao lado de John Legend, concorre a Melhor Performance de R&B. Tendo ascendências latinas, japonesa, afro-americana e nativa-americana, a cantora e compositora sempre usou dessas influências familiares para trilhar um caminho alternativo dentro do gênero, entre a delicadeza e mistério de Frank Ocean e a psicodelia eletrônica de FKA Twigs. O clima marítimo inundou seus primeiros trabalhos, Sail Out (2013), EP de estreia que foi indicado a Melhor Álbum de Urban Contemporâneo, e o début Souled Out (2014), enquanto o segundo disco Trip (2017) mergulhou mais no conceito psicodélico e uma sonoridade new age e oriental.


Esses últimos elementos são mais proeminentes neste recente trabalho dela, intitulado pelo seu sobrenome e gravado durante sua passagem pelo Havaí, em que a ideia da meditação e até um sino tibetano são incorporados na produção que conta com mais instrumentos acústicos. Contudo, o seu estilo freestyle de gravação e seus versos melódicos ou raps conferem uma sensualidade e franqueza a sua música, que já aparece na segunda faixa Triggered e na explícita P*$$Y Fairy (OTW). Antes, a intro Lotus dá início à história de uma mulher que se abriu após a chegada e também partida de um homem, que fica bem marcada na primeira metade do álbum, em canções como None of Your Concern, que tem a participação de seu ex, o rapper Big Sean – também indicado nesta edição do Grammy com a música Deep Reverence –, e Speak, por exemplo.


Tendo também a colaboração de nomes como H.E.R., Future, Miguel, Ab-Soul, Dr. Chill, Micahfonecheck, Nas e Ty Dolla $ign, o disco entra em outra fase na segunda parte, seja com Tryna Smoke, em que fala abertamente sobre maconha, como já fazia desde seus primeiros trabalhos, e a vibe mais alto-astral posterior, de completude desse alter ego, bem exemplificada no verso de Magic Hour, “It ain't perfect, but everything’s beautiful now”, ou seja, “Não está perfeito, mas tudo está lindo agora”. O resultado acaba sendo uma queda de ritmo, talvez, pela longa duração do disco de 20 faixas, que totaliza mais de uma hora, mas também pela falta de um impulso ou variação nessa narrativa, seja nas composições ou nas músicas. Por isso, ao mesmo tempo em que Aiko lembra referências mais antigas do R&B, a exemplo do clima relaxante de Sade, dentro de uma tendência muito atual da chill music, Chilombo tem nisso o único trunfo contra vários concorrentes a Álbum do Ano com uma abundância e, por vezes, até sobrecarga de influências e discursos sonoros; algo que pode torna-lo um diferencial ou enfraquece-lo perante as outras obras, dependendo do humor dos votantes da Academia.

 

Chilombo (2020)

Artista: Jhené Aiko

Duração: 63:26 (20 faixas)

Gravadora: Def Jam Recordings

Disponível em vários sites e plataformas digitais [confira aqui]




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