A BLACK LADY SKETCH SHOW | Uma comédia sobre comunidade e individualidade
Atualizado: 18 de out. de 2021
Parte importante da história da comédia televisiva, os programas de esquetes acabaram perdendo o seu espaço nos últimos anos para outros formatos. Atualmente, os humorísticos de maior destaque na TV e no streaming são os late night shows, que enveredam tanto pelas entrevistas de talk show quanto pelos comentários ácidos de notícias da semana/do dia, e os especiais individuais de stand-up, enquanto só as produções mais antigas do estilo, como o tradicional Saturday Night Live (1975-), permanecem em evidência. Isso, em parte, explica a súbita diminuição no número de indicados nesta categoria neste Emmy 2020, com apenas três concorrentes frente aos cinco das edições anteriores, mas a verdade é que houve sim uma leva de estreias deste gênero na última temporada norte-americana, especialmente aquelas que propõem uma mudança de paradigma de quem faz a piada, como Alternatino (2019-), mas que passaram despercebidas pela Academia, com exceção apenas de A Black Lady Sketch Show (2019-).
Criada pela atriz e comediante Robin Thede, mais conhecida até então pelo seu trabalho como roteirista em diversas atrações do gênero, a série de seis episódios da HBO recebeu três indicações ao Emmy: Melhor Programa Humorístico (Esquetes), Direção em Programa de Variedades e Atriz Convidada em Série Cômica para Angela Bassett. No entanto, o seu feito é anterior à premiação, já que se trata de uma produção estrelada e capitaneada apenas por mulheres negras, como bem estampa seu título. Isso vai desde a diretora Dime Davis, que havia realizado antes alguns curtas e a série de comédia Boomerang (2019-) e o time de roteiristas ao elenco fixo composto pela própria criadora, Ashley Nicole Black, Quinta Brunson e Gabrielle Dennis. As inúmeras participações especiais, que incluem Issa Rae, atriz que assina também como produtora do show, até dão chance para os homens como coadjuvantes, mas os brancos não têm vez nem na figuração e isso não é um problema e sim uma subversão da lógica hollywoodiana que geralmente faz o contrário.
Em termos narrativos, a principal diferença que o programa em relação ao formato é a opção por um arco principal, que percorre todos os episódios e se intercalam às esquetes, no qual as atrizes interpretam a si mesmas no que parece ser apenas um encontro entre amigas, até se revelar o fim do mundo como motivo desta reunião – tem direito até à cliffhanger, ou seja, a um gancho para uma segunda temporada já confirmada. Esse flerte com a ficção especulativa é recorrente ao longo da temporada, com várias situações de humor cotidiano evoluindo de modo crescente para o absurdo com a incorporação completa de gêneros como ficção científica e terror por parte da direção, do texto e de outros departamentos técnicos, tal qual a alusão a produções mais antigas na estética oitentista da homenagem à sitcom 227 (1985-1990) – um sucesso estrelado por elenco negro em plena TV aberta dos EUA – ou filmes em preto e branco para abordar a segregação racial da Era Jim Crow. Porém, tal qual ocorre na constante abordagem crítica da representação da mulher negra na mídia, nem sempre a execução acerta o ponto.
Qualquer humorístico do estilo tem dificuldades em manter a regularidade entre esquetes que oscilam em sua qualidade cômica e com este não é diferente. No entanto, quando A Black Lady Sketch Show escorrega, é possível observar um problema comum na maioria dessas ocasiões: a falta de timing na hora de encerrar a piada no seu ápice, geralmente estendendo a história em questão com alguma observação mais declaratória de uma crítica que já estava evidente na sátira em si. O exemplo mais claro disso está naquele que é o melhor momento de um piloto que não engata além das primeiras marchas, mas que seria excelente se ficasse tão somente no grupo de apoio de bad bitches – ou “cobras criadas” na tradução brasileira – comandado pela personagem de Angela Bassett, que já fala da imposição de padrões de imagem às mulheres e, particularmente, dos estereótipos que marcam a existência feminina negra nas telas, com as atrizes interpretando dentro dessas caricaturas para apontar tal problemática.
O ritmo melhora nos episódios seguintes, mesmo com a questão se repetindo enquanto a edição alterna entre personagens ou situações recorrentes e sequências únicas. No primeiro caso, o destaque fica para os impagáveis testemunhos da igreja e os exageros da Dr. Hadassah Olayinka Ali-Youngman de Thede, além do potencial da espiã invisível de Black, do Divertida Mente (2015) da Mulher Negra e do casal Chris e Lachel, estes dois também com Brunson e Dennis. Do outro, os melhores momentos são o “Baile Básico” ao estilo Pose (2018-), a disputa para fugir do cinto da mãe, o Romeu e Julieta para tempos de fandoms de divas pop e do rap e cancelamento nas redes sociais, o musical de Patti LaBelle, e última e incrível esquete do tribunal.
É certo que o programa naturalmente se debruça sobre experiências específicas da comunidade afro-americana que, por vezes, escapam da realidade afro-brasileira por uma questão cultural, além de diferenças políticas e sociais de como o racismo se perpetuou após a escravidão nestes dois países. Ainda assim, o principal mérito do programa está em não tentar ser um porta-voz de toda esta população e sim expor como ela é diversa entre si e que não é possível alguém preencher todos os “requisitos de uma mulher negra norte-americana”, convencionados pelos estereótipos midiáticos ou aqueles difundidos entre si. E são em momentos de celebração como o de “Black Lady Courtroom”, no qual o senso de comunidade aflora além das diferenças, seja entre as personagens na tela ou do público, que A Black Lady Sketch Show atinge o seu ponto alto.
A Black Lady Sketch Show (A Black Lady Sketch Show, 2019-)
Programa humorístico | 1ª temporada: 6 episódios, de 2 de agosto a 6 de setembro de 2019
Plataforma: HBO GO (streaming)
Horário alternativo: maratona na terça, 29/09, a partir das 20h na HBO Signature (veja os horários no site)
Criação: Robin Thede | Roteiro: Ashley Nicole Black, Akilah Green, Brittani Nichols, Amber Ruffin, Rae Sanni, Lauren Ashley Smith, Robin Thede, Holly Walker e Lisa McQuillan
Direção: Dime Davis
Elenco: Robin Thede, Quinta Brunson, Gabrielle Dennis e Ashley Nicole Black, com participações especiais de Issa Era, Angela Bassett, Patti LaBelle, Phil LaMarr, Holly Walker, Nicole Byer, David Alan Grier, Yvonne Orji, Amber Riley, Natasha Rothwell, Tony Baker, Yvette Nicole Brown, Tyler James Williams, Aja Naomi King, Laverne Cox, Caldwell Tidicue, Jermaine Fowler, Tia Mowry-Hardrict, Lil Rel Howery e Kelly Rowland (veja + no IMDb)
コメント