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Foto do escritorNayara Reynaud

TIRADENTES 2021 | O imaginário infantil e a realidade da juventude

Atualizado: 25 de jan. de 2021


24ª Mostra Tiradentes: Mostrinha [imagens menores dos curtas O Menino e o Ovo (2020), Napo (2020), Mitos Indígenas em Travessia (2020), Vento Viajante (2020) e Foguete (2020) e do longa Passagem Secreta (2021)] e Mostra Jovem [imagens maiores dos curtas Letícia, Monte Bonito, 04 (2020), Traçados (2020) e Por Outras Primaveras (2020)] | Fotos: Divulgação

Tradicionalmente, a Mostra Tiradentes abre o calendário de grandes festivais de cinema no Brasil e mesmo que esta 24ª edição, que começou na última sexta (22) e vai até o dia 30 de janeiro, esteja diferente do típico clima de encontro das sessões na praça da cidade histórica mineira, adotando o formato virtual neste período pandêmico – você pode acessar aos filmes gratuitamente no site www.mostratiradentes.com.br –, a congregação da produção nacional mais inventiva permanece como uma marca do evento. Iniciamos a cobertura destacando justamente aqueles filmes voltados às novas gerações, com os medos, angústias e fantasias da infância nos títulos da sessão Mostrinha e da adolescência e juventude na Mostra Jovem. Conheça mais a seguir:

 

A seleção de cinco curtas que integra a Mostrinha, sessão dedicada aos filmes voltados ao público infantil, se caracteriza por filmes que usam da ludicidade que habita o pensamento das crianças, seja através da animação ou na concepção de suas sinopses, para tratar dos dramas que as rodeiam ou das raízes de onde vieram.


Maria Luíza Tozato em imagem do curta brasileiro O Menino e o Ovo (2020), produção mato-grossense dirigida por Juliana Capilé | Foto: Divulgação (Créditos: Vitória Molina)

Unindo essas duas facetas está O Menino e o Ovo (2020), curta-metragem do Mato Grosso que tem como ponto de partida a fala comumente associada a sua quente capital, de que é possível fritar um ovo no asfalto em Cuiabá. A cineasta estreante Juliana Capilé torna este “ditado” ou “lenda urbana” naquela típica dúvida simplória que invade o imaginário infantil e atormenta a pequena protagonista Joana (Maria Luíza Tozato), depois de ouvir seus colegas comentando isso. Detalhe para a voz da jornalista Maria Júlia Coutinho ao fundo, durante o jantar em casa, falando das altas temperaturas da cidade na previsão do tempo, ajudando a corroborar a tese, embora deva se frisar que o tal calor não se faz sentir na tela. O que parece apenas uma história engraçada para as crianças, ganha profundidade ao se tornar instrumento para abordar a desigualdade social, com méritos à direção por evitar o clichê da trilha sonora sentimentalista em seu momento-chave.


Cena do curta de animação brasileiro Napo (2020), produção paranaense dirigida por Gustavo Ribeiro | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Em contrapartida, está a música e a trama sentimental, mas ainda de bom gosto, de Napo (2020), produção paranaense de Gustavo Ribeiro que evoca os trabalhos da Pixar no estilo de sua animação 3D e na história da relação de um neto com o seu quieto avô, que chega para morar em sua casa. O título, que esteve presente no Olhar de Cinema e festivais internacionais no ano passado, pode não ter a mesma excelência dos traços e desenvolvimento narrativo do famoso estúdio norte-americano, sendo perceptível no último quesito a necessidade de maior dinâmica, mas ainda assim tem uma qualidade e ternura que conversam, sem diálogos, com o público na lenta e gradual aproximação dos dois personagens através de memórias reativadas por fotos e desenhos. Estes, aliás, permitem ao curta explorar uma técnica diferente, no 2D dos traços rascunhados pelo garoto.


Cena do curta de animação brasileiro Mitos Indígenas em Travessia (2020), dirigido por Julia Vellutni e Wesley Rodrigues, com o apoio de comunidades indígenas pelo Brasil | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Personagens em 2D das mais variadas formas e cores também surgem sobre imagens em live action de matas, rios e aldeias no cenário da animação Mitos Indígenas em Travessia (2020), já exibida na Mostra Ecofalante do ano passado. O projeto paulista de Julia Vellutni e Wesley Rodrigues, este um nome já notável no gênero no Brasil, com curtas como Faroeste: Um Autêntico Western (2013), é realizado em conjunto com as comunidades indígenas de vários locais do país que lhes transmitiram os mitos de origem de seus povos que formam uma antologia de seis histórias: “A Ema” e “A Menina e a Cobra”, originárias da etnia Kadiwéu, que contou com o auxílio dos habitantes da Aldeia São João, em Mato Grosso do Sul; “O Menino Peixe” e “A Via Láctea”, dos Kuikiro, representados pela Aldeia Afukuri, no Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso; e “As Mulheres Sem Rosto” e “O Urubu-Rei”, dos Javaé, localizados na Aldeia São João, no Araguaia, Ilha do Bananal, Tocantins. Do ponto de vista antropológico, é curioso observar nestas cosmogonias alguns pontos de identificação com as mitologias grega e romana e a tradição judaico-cristã mais facilmente difundidas entre a população branca ocidentalizada e, igualmente, ver narrativas que desafiam essa compreensão. Cinematograficamente, apesar de utilizarem a mesma técnica nesses rápidos contos, os diretores investem em elementos que conferem identidade a cada um deles, com destaque para o psicodelismo nativo empregado até na trilha sonora de Thiago Duar, com colaboração de Eder “O” Rocha e Jorge Du Peixe, no segmento de “A Menina e a Cobra”.


Cena do curta de animação brasileiro Vento Viajante (2020), produção realizada pelo Instituto Marlin Azul com alunos do Ensino Fundamental de escolas municipais da cidade de Icapuí, no litoral do Ceará | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

A terceira animação que compõe esta seleção também resulta de um trabalho coletivo. Vento Viajante (2020), produção realizada pelo Instituto Marlin Azul com alunos do Ensino Fundamental de escolas municipais da cidade de Icapuí, no litoral do Ceará, que participaram de suas oficinas, conta a trama lúdica do vento que foi para o Nordeste, espalhar sementes, calor, chuva, seca e fazer as hélices de energia eólica girarem pela região. O curta dirigido e roteirizado pelos próprios estudantes, sob a supervisão de Analúcia Godoi pode até trazer uma narrativa e desenhos de traços tipicamente infantis, mas a qualidade do stop motion com esses recortes, lãs, terra, areia e outros elementos não é de nível escolar, e sim profissional.


Cena do curta brasileiro Foguete (2020), produção brasiliense dirigida por Pedro Henrique Chaves | Foto: Divulgação (Créditos: Leandro Lima)

O conjunto encerra com Foguete (2020), curta brasiliense de Pedro Henrique Chaves, que se desenvolve na amizade formada entre uma menina e o pai de um tímido garoto em um parque de Brasília. A dramaturgia inspirada em um caso real utiliza o Foguete, um icônico brinquedo inaugurado em 1971 e presente na memória de várias gerações que cresceram na capital federal – vide o registro e os depoimentos ao final –, para tecer uma alegoria bem direta sobre os medos da infância e também de ser adulto.

 

Duração: 12 min

Direção: Juliana Capilé

Roteiro: Juliana Capilé

Elenco: Maria Luíza Tozato, Tatiana Horevicht, Ronaldo Adriano e Thereza Helena (veja + no site)

Produção: Mato Grosso

Napo (2020)

Duração: 16 min

Direção: Gustavo Ribeiro

Roteiro: Gustavo Ribeiro e Gabriela Antonia Rosa (veja + no site)

Produção: Paraná

Duração: 21 min

Direção: Julia Vellutni e Wesley Rodrigues

Roteiro: Julia Vellutni e Wesley Rodrigues em colaboração com as comunidades da Aldeia Afukuri (MT), Aldeia São João (MS) e Aldeia São João (TO) (veja + no site)

Produção: São Paulo

Duração: 6 min

Direção: Os Alunos e Analúcia Godoi

Roteiro: Os Alunos (veja + no site)

Produção: Ceará

Foguete (2020)

Duração: 15 min

Direção: Pedro Henrique Chaves

Roteiro: Pedro Henrique Chaves

Elenco: Marcelo Pelucio, Duda Luz, Pietro Barbosa, Rafael Machado, Marcelle Vidal, Kauã Rodrigues, Rani Deusdará, Paula Jacobson e Fernando Tinoco (veja + no site)

Produção: Distrito Federal


> Disponíveis gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 0h de 23/01 (sábado) às 23h59 de 30/01/2021 (sábado)

 

Luiza Quinteiro em cena do filme infanto-juvenil brasileiro Passagem Secreta (2021), longa paranaense de mistério dirigido por Rodrigo Grota | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Fazendo companhia aos cinco curtas-metragens na Mostrinha, está o longa Passagem Secreta (2021), o segundo do cineasta Rodrigo Grota, do drama Leste Oeste (2016), que agora explora a fantasia e ficção científica dentro da seara infanto-juvenil. O cineasta de Marília, interior de São Paulo, mas radicado em Londrina, no Paraná, filma na cidade que se estabeleceu a história de Roberta Takamatsu, roteirista de projetos recentes do diretor para este público, como a série Super Família (2019), exibida na TV Cultura, e o curta Pequenos Delitos (2020), que conta com o mesmo elenco mirim e explora igual território do mistério. No caso, a trama acompanha Alice (Luiza Quinteiro) indo morar sozinha com o tio Heitor (Fernando Alves Pinto) por um tempo em outra cidadela, onde conhece um grupo de amigos e os segredos por de trás do parque de diversões criado pelo seu avô (Arrigo Barnabé).


O tom de aventura oitentista do gênero é o chamariz para uma obra que não consegue funcionar como tanto. Em sua ambientação um tanto atemporal, mas que remete mais aos anos 1990 – a máquina de escrever sugere um período anterior, mas as fitas K7 e o selo 97 do licenciamento no carro apontam para o final do século passado –, há bons aspectos de produção, assim como é salutar o fato da protagonista ter espinhas no rosto – reais e não maquiadas para algum intuito narrativo. O problema reside aqui em um roteiro frouxo e escolhas da direção que tornam até uma bela cenografia em algo equivocado para o contexto; neste quesito, especificamente, o longa grita referências de clássicos do terror e ficção científica, a exemplo da camiseta de À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964) de Vico (João Guilherme Ota), os inúmeros pôsteres de filmes antigos de alienígenas e monstros no quarto de Sófis (Sofia Cornwell) e o Parque Caligari em homenagem ao célebre O Gabinete do Dr. Caligari (1920), todos títulos de difícil acesso às crianças da época, a menos que fossem “ratas de videolocadora”, algo nunca mencionado nem visualmente.


Essa piscadela de adultos para adultos poderia ser ignorada se não significasse justamente um sintoma de um filme que se esquece das crianças na tela e no público. Intercalando a vinda de Alice com as confusões do trio de amigos durante todo o primeiro ato, o roteiro não só demora a cruzar suas trajetórias, como não desenvolve as personagens e nem seu mote central, ao mesmo tempo em que não imprime uma dinâmica narrativa para prender os pequenos espectadores. Uma pena, pois é o tipo de produção que, se for bem realizada, o cinema nacional precisa para atrair as novas gerações desde cedo.

 

Duração: 95 min

Direção: Rodrigo Grota

Roteiro: Roberta Takamatsu

Elenco: Luiza Quinteiro, Sofia Cornwell, Tiago Daniel, João Guilherme Ota, Arrigo Barnabé, Fernando Alves Pinto, Sandra Parra, Nádia Quinteiro, Letícia Conde, Luana Rodrigues, Felipe Rost, Stella Rea Barnabé, Rafael Losso e Rodrigo Guedes (veja + no site)

Produção: Paraná

> Disponível gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 0h de 23/01 (sábado) às 23h59 de 24/01/2021 (domingo)

 

Na Mostra Jovem, três curtas-metragens universitários de diferentes regiões do país mostram que tanto na adolescência quanto no início da vida adulta, o processo de amadurecimento traz seus espinhos, assim como seus encontros.


Eduarda Bento e Maria Galant em cena do curta brasileiro Letícia, Monte Bonito, 04 (2020), produção gaúcha dirigida por Julia Regis | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Seguindo a ordem geracional, a sessão inicia bem leve com o filme adolescente Letícia, Monte Bonito, 04 (2020), curta gaúcho de Julia Regis, que foi exibido no último Festival de Gramado e centra-se em uma tarde cujo encontro pontual entre duas jovens traz o significado de uma lembrança duradoura. Pelo menos, para Laís da Silva (interpretada pela estreante Eduarda Bento) ao guardar na memória as horas passadas com Letícia (Maria Galant, de Mulher do Pai, de 2016), a garota de Monte Bonito, distrito rural de Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 2004. Aliás, o grande ponto de conexão da produção com o espectador é a nostalgia dos anos 2000 provocada nos detalhes atentados pela câmera de Julia Leite, como os CD’s, o pôster da Avril Lavigne, as tatuagens adesivas e Xena: A Princesa Guerreira (1995-2001) passando na TV – apesar de dialogar com a história, a trilha sonora da banda local Musa Híbrida é a única coisa anacrônica, não necessariamente pelas músicas não serem da época, mas por não soarem como o pop rock brasileiro daquele período. O uso da série pode até parecer um clichê lésbico, porém, é mais notável como Regis evita o chavão narrativo comum em tramas LGBT’s, seja do medo da autodescoberta da sexualidade ou da revelação para as outras pessoas, para apenas observar a intimidade gradual e o flerte das personagens bem conduzidas pelas intérpretes.


Dalila Costa e Miller Alcântara em cena do curta brasileiro Traçados (2020), produção paraense dirigido por Rudyeri Ribeiro | Foto: Divulgação (Créditos: Felipe Cordeiro)

O paraense Traçados (2020) é o mais contundente da seleção em sua urgência ao tratar de preconceito e crimes de ódio, ainda que guarde a ternura das relações familiares e de amizade. O filme de Rudyeri Ribeiro tem como ponto de partida justamente a notícia de um caso de homofobia ocorrido no bairro de Leo (Miller Alcântara), que deixa sua mãe (Tertuliana Lopes) preocupada com a segurança do universitário, ainda que a mesma tente podar o filho de se expressar. Essa dualidade de sua personagem, típica das figuras maternas da periferia que não querem admitir que seus rebentos fogem do padrão heteronormativo que estão acostumadas, ao mesmo tempo em que desejam preservá-los, é um dos trunfos do curta que, junto com o ritmo de tensão e reconciliação no final, superam suas limitações de produção.


Rebecca Kassab, Cecília Parreira e Stefânia Grochowski em cena do curta brasileiro Por Outras Primaveras (2020), produção mineira dirigida por Anna Carolina Mol | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Encerrando a sessão com amabilidade e também reflexão vem o mineiro Por Outras Primaveras (2020), em que a diretora Anna Carolina Mol demonstra coragem desde a proposta, pois só quem já trabalhou em curta universitário ou escolar sabe como um road movie é um daqueles projetos que podem dar muita dor de cabeça para uma produção estudantil. A viagem em questão é planejada por Serena (Cecília Parreira) e Iara (Stefânia Grochowski) que “sequestram” a amiga Nívea (Rebecca Kassab), que precisava ir ao sul de Minas para resolver pendências da morte de sua avó querida, para que a jovem possa finalmente espairecer em uma rota permeada por várias paradas e conversas. Aliás, junto com um ritmo pautado pela montagem de Gabriel Cota e pela trilha sonora com canções de variadas décadas e origens que conferem um clima jovial típico de títulos voltados a esta faixa etária, são os diálogos que elevam o filme: se a introdução de um tópico importante na cena do quarto soa mais gratuita, na sequência principal do acampamento, as falas fluem naturalmente de um papo informal entre amigas que desaguam para ponderações mais reflexivas sobre o medo da vida adulta depois da faculdade e de encontrar uma identidade própria após experimentar uma desconexão com o que o plano de futuro que julgavam certo antes ou planejavam para elas – mal sabem as personagens que essas dúvidas permanecerão, mesmo com o passar dos anos, e justamente por isso a obra se comunica com um público mais amplo.

 

Duração: 20 min

Direção: Julia Regis

Roteiro: Julia Regis

Elenco: Maria Galant e Eduarda Bento (veja + no site)

Produção: Rio Grande do Sul

Traçados (2020)

Duração: 19 min

Direção: Rudyeri Ribeiro

Roteiro: Rudyeri Ribeiro

Elenco: Miller Alcântara, Dalila Costa, Tertuliana Lopes e Shayra Brotero (veja + no site)

Produção: Pará

Duração: 22 min

Direção: Anna Carolina Mol

Roteiro: Anna Carolina Moura Mol de Freitas, Beatriz Biaso Bacha Astolfi, Cristiane Paula dos Santos, Gabriel Henrique Cota de Souza, Isaque Henrique Souza de Oliveira e Italo da Paz Ferreira da Silva

Elenco: Cecília Parreira, Rebecca Kassab, Stefânia Grochowski e Scheila Rocha Alves (veja + no site)

Produção: Minas Gerais


> Disponíveis gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 0h de 23/01 (sábado) às 23h59 de 30/01/2021 (sábado)



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