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  • Foto do escritorNayara Reynaud

OLHAR 2021 | Dia 2 – Mulheres e seus horrores

Atualizado: 27 de out. de 2021

O protagonismo feminino e seus horrores cotidianos são relatados ou transformados em exercícios ficcionais em grande parte da grade deste segundo dia do 10º Olhar de Cinema. Isso vai desde os curtas do primeiro programa da mostra competitiva a longas como o russo Conferência (Konferentsiya, 2020), que ficcionaliza uma tragédia nacional; o camaronense As Preces de Delphine (Les Prières de Delphine, 2021), nas intimidades das dores da personagem-título; e no documentário nacional O Bem Virá (2020), com a história de vida das mulheres à frente do combate à seca no sertão pernambucano – há ainda o coming of age Bia Mais Um (2021) na seção Mirada Paranaense, mas o trabalho de Wellington Sari traz um retrato mais doce sobre amores juvenis. Leia mais sobre os destaques nesta sexta no festival, na sequência:

 

A Máquina Infernal (2021), Tereza Joséfa de Jesus (2021), Sob a Máscara Branca: O Filme que Haesaerts Poderia ter Feito (Onder Het Witte Masker: De Film Die Haesaerts Had Kunnen Maken, 2021), Saúde! (Будьте Здоровы!, 2020) e Ouça a Batida das Nossas Imagens (Écoutez le Battement de nos Images, 2021)


Carolina Castanho em cena do curta-metragem nacional A Máquina Infernal (2021), do paulista Francis Vogner dos Reis | Foto: Divulgação (Olhar de Cinema)

A opressão e a marginalização se manifestam de diversas formas nos curtas-metragens do Programa 01 da Mostra Competitiva do Olhar 2021, indo da atualidade ao passado que a condena.


Essa linha de pensamento da seleção inicia com A Máquina Infernal (2021), curta de Francis Vogner dos Reis que estreou no Festival de Locarno e parece levar o cinema fantástico contemporâneo, de nomes como Juliana Rojas, Marco Dutra & Cia, ao encontro do cinema operário de outrora com Leon Hirszman, Renato Tapajós e outros. Tal comparação não se debruça em uma definição generalista, mas no reconhecimento que a estreia na direção do crítico e roteirista paulista traz a verve do terror social de um dos gêneros que mais se destacaram na produção nacional recente para uma vertente há muito esquecida pelos cineastas brasileiros. Após o auge do movimento sindical no fim dos anos 1970 e início dos 1980, os realizadores deixaram os operários de lado nas décadas seguintes, justamente quando a desindustrialização crescente no país desamparava esses trabalhadores – e colaborava para o processo de gentrificação ainda ascendente em antigos bairros industriais da periferia paulistana, por exemplo –, e só recentemente, em que o declínio do setor parece irremediável, alguns curta-metragistas voltaram seus olhos para a questão, como Julia Zakia com Planeta Fábrica (2019) e Nina Kopko com outro título nesta competição, Chão de Fábrica (2021).


Depois da morte de um funcionário por uma prensa na abertura, este contexto de depauperamento industrial se torna evidente na medida em que o público é apresentado, através da chegada da protagonista, a técnica em manutenção de máquinas interpretada por Carolina Castanho, a uma fábrica na divisa entre São Bernardo e Diadema, no polo industrial que hoje adentra o seu crepúsculo. A contratante avisa a temporária que a situação não está boa, os salários estão atrasados, e os operários desempregados ainda vagam pela planta à espera de uma negociação, mas os donos fugiram. Na fábula criada por Vogner e Cássio Oliveira, esses trabalhadores buscam algum prazer na nostalgia dos velhos tempos áureos, remetida na trilha sonora pela balada oitentista Stay the Night, de Benjamin Orr, mas a máquina do Capital os robotiza, ensurdece, mutila e surta a tal ponto que, apesar do horror, a fábrica se torna um paraíso para aqueles personagens, que temem o inferno do desamparo lá fora.


Tereza Joséfa de Jesus (2021)

Esse olhar pelas beiradas segue com outro curta nacional, Tereza Joséfa de Jesus (2021), no qual o diretor mineiro Samuel Costa propõe uma construção visual múltipla para o roteiro de Juliana Jesus sobre a experiência do luto após a morte da mãe pela Covid-19. A estética videoclíptica apoia as performances calcadas na herança do cinema de Zózimo Bulbul e o registro com “filtro vintage” do cotidiano periférico. Esse mosaico ilustra os cinco estágios desse processo de dor pela perda, que são elencados por um texto que tem mais força nas vivências transmitidas de geração a geração de mulheres negras do que quando resvala em um discurso motivacional mais simplório.


Sob a Máscara Branca: O Filme que Haesaerts Poderia ter Feito (Onder Het Witte Masker: De Film Die Haesaerts Had Kunnen Maken, 2021)

E se o recorte racial é indissociável ao se observar as vítimas da pandemia, a curadoria retorna às origens dessa mazela no eurocentrismo que espalhou o racismo por outros continentes com Sob a Máscara Branca: O Filme que Haesaerts Poderia ter Feito (Onder Het Witte Masker: De Film Die Haesaerts Had Kunnen Maken, 2021). O curta belga de Matthias De Groof reedita o documentário Under the Black Mask (1958), de Paul Haesaerts, trazendo à baila o texto do pensador martinicano Aimé Césaire, Discurso sobre o Colonialismo (1950), para confrontar o sangue nas mãos da Europa colonialista, e naquele momento sentia alívio por se livrar do nazismo, enquanto já haviam infligido seus holocaustos antes na África. As falas veementes ressignificam tais museus em uma cultura que preferiu etiquetar povos em vez de deixa-los viver em suas terras.


Saúde! (Будьте Здоровы!, 2020)

A programação retorna ao tema pandêmico com o russo Saúde! (Будьте Здоровы!, 2020), média em que Tatiana Chistova destaca as ligações da população idosa de São Petersburgo com dúvidas durante a pandemia. A cidade vazia surge como imagem já clássica para a ilustração do lockdown, mas os pombos com os restos simbolizam a ampliação do discurso sobre a quarentena que os relatos trazem. Nas reclamações constantes sobre falta de máscaras, desemprego, golpes e dificuldades de obter os auxílios anunciados pelo governo, entre outras, monta-se o painel de um Estado doente antes mesmo da pandemia – o que, infelizmente, não é exclusividade da Rússia.


Ouça a Batida das Nossas Imagens (Écoutez le Battement de nos Images, 2021)

A seleção novamente traz à tona as discussões sobre a herança de povos marginalizados e do colonialismo com Ouça a Batida das Nossas Imagens (Écoutez le Battement de nos Images, 2021). O curta de Maxime e Audrey Jean-Baptiste relembra as transformações causadas pela ocupação francesa em Kourou, na Guiana Francesa, quando o país europeu precisou retirar o seu centro espacial da Argélia, por conta da guerra civil que travava em sua antiga colônia africana, e decidiu construir um novo em seu território na América do Sul, lançando seus primeiros foguetes em 1969. Através da memória familiar do avô de uma narradora imaginária, os irmãos cineastas de origem franco-guianesa elencam essas mudanças, desde a sensação de alteração no ciclo de chuvas ao processo de desapropriação da população local, que pararam suas atividades agrícolas e, para não irem para as distantes terras oferecidas a eles, foram morar em apartamentos de uma cidade feita para os europeus se sentirem como na “metrópole”, em um espaço que desconhece sua própria identidade.

 

Duração: 30 min | Classificação: 14 anos

Direção: Francis Vogner dos Reis

Roteiro: Francis Vogner dos Reis e Cássio Oliveira

Elenco: Carolina Castanho, Glauber Amaral, Carlos Escher, Talita Araujo, Renan Rovida, Carlos Francisco, Maria Leite, Martha Guijarro, Carlota Joaquina, Luis Chierotto e Allan Petterson dos Reis (veja + no site)

Produção: Brasil

Duração: 7 min | Classificação: 14 anos

Direção: Samuel Costa

Roteiro: Juliana Jesus (veja + no site)

Produção: Brasil

Sob a Máscara Branca: O Filme que Haesaerts Poderia ter Feito (Onder Het Witte Masker: De Film Die Haesaerts Had Kunnen Maken, 2021)

Duração: 9 min | Classificação: 14 anos

Direção: Matthias De Groof

Roteiro: Matthias De Groof (veja + no site)

Produção: Bélgica

Saúde! (Будьте Здоровы!, 2020)

Duração: 31 min | Classificação: 14 anos

Direção: Tatiana Chistova

Roteiro: Maciek Hamela (veja + no site)

Produção: Polônia e Rússia

Ouça a Batida das Nossas Imagens (Écoutez le Battement de nos Images, 2021)

Duração: 15 min | Classificação: 14 anos

Direção: Maxime Jean-Baptiste e Audrey Jean-Baptiste (veja + no site)

Produção: Guiana Francesa, França e Bélgica


> Sessão – 08/10/2021 (sexta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2021 (terça), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Conferência (Konferentsiya, 2020)


Conferência (Konferentsiya, 2020)

No dicionário, a ideia de discussões ou confronto de discrepâncias abarcam as definições da palavra “conferência”. Talvez, quando, logo na cena de abertura do quarto longa de Ivan Tverdovskiy, a protagonista Natasha (Natalya Pavlenkova) e a irmã Vera (Natalya Potapova) procuram o diretor do teatro de Dubrovka (Yan Tisapnik) para realizar uma homenagem no 17º aniversário do ataque terrorista ocorrido naquele lugar, e ele as orienta a colocar o termo como a única classificação possível a ser assinalada no formulário para o evento para a cartela apresentar o título de Conferência, o espectador pense só na imagem do encontro e não se dê conta de quanto o filme russo irá mergulhar no universo deste vocábulo. A ficção a partir de um caso tão trágico na história da Rússia não busca recriar tal momento, mas revivê-lo, sem o ideal de trazer respostas para o que aconteceu e sim provocar o debate em uma nação que se acostumou a silenciar suas dores e culpas.


Assim, a obra adentra o luto nacional através de um pretenso drama familiar, com a trajetória pessoal desta mulher que perdeu um filho durante o ataque ao teatro em Moscou, se tornou uma madre após o trauma e voltou agora com o objetivo de fazer esse memorial em homenagem às vítimas. Natasha é destratada pela filha Galya (Kseniya Zueva), que a condena pelo passado e o presente, em que ela cuida do pai e marido da religiosa, que se encontra preso a uma cama. Contudo, o público, tal qual a personagem, precisa passar pela memória do acontecimento trágico para entender melhor o que ocorreu, tanto no âmbito individual quanto no coletivo.


No encontro dos sobreviventes, a madre conduz um escrutínio comunitário para rememorar, passo a passo, o que eles vivenciaram nos quatro dias em que foram mantidos reféns por terroristas com bombas que lutavam pela independência da Chechênia, província cujo forte movimento separatista foi reprimido pelo governo da Rússia desde o fim da União Soviética. Tverdovskiy evita apontar diretamente para responsabilizações aos rebeldes chechenos ou ao Estado russo que, para debelar o ataque, invadiu o teatro jogando um gás tóxico desconhecido e mataram centenas de civis sequestrados, além de seus perpetradores, deixando tais comentários no subtexto da situação que se desenrola neste fictício evento memorial. Para além das revelações narrativas suscitadas a partir daí, a tal “conferência da tragédia” levanta questionamentos pertinentes sobre a necessidade de lembrar ou de esquecer o trauma como um dilema igualmente coletivo e pessoal, pois, ao mesmo tempo em que a sociedade não pode esquecer e escamotear os erros do passado para que ele não se repita no futuro, as pessoas traumatizadas lidam com o paradoxo de precisar processar o que passaram, mas ter o direito de viver dentro de certa normalidade, sem serem constantemente lembradas e taxadas como “vítimas”.

 

Conferência (Konferentsiya, 2020)

Duração: 129 min | Classificação: 14 anos

Direção: Ivan Tverdovskiy

Roteiro: Ivan Tverdovskiy

Elenco: Natalya Pavlenkova, Yan Tsapnik, Natalya Potapova, Natalya Tsvetkova, Kseniya Zueva, Aleksandr Semchev e Olga Lapshina (veja + no site)

Produção: Rússia, Estônia, Reino Unido e Itália


> Sessão – 08/10/2021 (sexta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2021 (terça), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

As Preces de Delphine (Les Prières de Delphine, 2021)


As Preces de Delphine (Les Prières de Delphine, 2021)

As Preces de Delphine é um documentário que se beneficia da intimidade de uma amizade de anos entre a cineasta camaronesa Rosine Mbakam e a personagem-título compatriota. É desta relação entre duas mulheres que, provavelmente, mal se cruzariam em sua terra natal, mas que se encontraram nas raízes em comum e no sentimento de serem imigrantes na Bélgica, que floresce um filme simples em seu dispositivo e captação, porém, de uma franqueza difícil de ser vista nas telas. Do sofá de sua abarrotada casa, Delphine começa a contar para a câmera a série de infortúnios que construiu a sua história de vida.


Com um cigarro na mão que indica certa distância emocional e conformidade dela com aqueles eventos passados, ela relata a perda da mãe aos 5 anos de idade, a falta de dinheiro na família, os casos de abuso e estupro que sofreu, a entrada na prostituição, a gravidez precoce e a rejeição do pai, ao mesmo tempo em que emigrou para ajudar a sustentá-lo em Camarões. No entanto, à medida que a retratada segue com seus depoimentos, observa-se como o ato de lembrar e ponderar seu passado começa a lhe afligir, fazendo-a reavaliar a sua vida, naquilo que sacrificou da sua felicidade para o bem alheio, especialmente em relação ao amor, e no que poderia ter feito de diferente para não ter seguido alguns caminhos. Em determinado momento, Delphine se define como uma atriz, conferindo uma nova camada à obra, seja na dúvida de quanto há uma performance do real na forma que personagem se coloca diante da lente ou no questionamento sobre os papéis que as pessoas assumem e se veem obrigadas a interpretar ao longo de sua existência, pois como a mesma afirma, “não atuo em filmes ou séries, mas atuo na vida”.

 

As Preces de Delphine (Les Prières de Delphine, 2021)

Duração: 91 min | Classificação: 14 anos

Direção: Rosine Mbakam (veja + no site)

Produção: República dos Camarões e Bélgica


> Sessão – 08/10/2021 (sexta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2021 (terça), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

O Bem Virá (2020)

Dentro do escopo costumeiro da seleção do Olhar, O Bem Virá surge como um exemplar extremamente convencional para o festival, mas é o foco em uma passagem escondida dentro de uma problemática muito conhecida no país que credencia o documentário de Uilma Queiroz para o evento. A historiadora pernambucana leva tanto a sua vivência por ter nascido e crescido no sertão do Pajeú quanto o conhecimento de seu estudo sobre o movimento das mulheres locais para apresentar ao público a importância da presença feminina nas frentes de emergência realizadas para amenizar a seca que abateu a região, especialmente entre 1979 e 1983. Da tentativa de recriar a foto tirada naquela época em que, mesmo grávidas, elas trabalhavam na construção de um barreiro emergencial, a diretora estreante parte para as entrevistas com essas 13 mulheres.


A simplicidade estética e narrativa encontra força à medida que os depoimentos revelam detalhes além do trabalho, no qual só conseguiram ingressar após muita insistência, já que vários de seus maridos e outros homens da região tinham migrado em busca de melhores condições em São Paulo. A união delas também influenciou diretamente em suas vidas, já que a solidariedade e apoio entre elas fizeram algumas perceberem a violência doméstica que sofriam, por exemplo. No último ato, Queiroz apela para uma narração bem didática para imprimir sua contextualização sociopolítica, mas, ainda sim, surgem frases emblemáticas e importantes para compreender a situação, como a sua que “o problema não é a seca, mas a cerca que nos cerca”, ou aquelas pessoas, na analogia de uma das personagens entre a natureza e o nordestino que florescem apesar das dificuldades.

 

Duração: 79 min | Classificação: 12 anos

Direção: Uilma Queiroz

Roteiro: Uilma Queiroz (veja + no site)

Produção: Brasil


> Sessão – 08/10/2021 (sexta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 12/10/2021 (terça), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema


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