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  • Foto do escritorNayara Reynaud

OLHAR 2021 | Dia 1 – Cicatrizes ainda abertas

Atualizado: 22 de out. de 2021

Traumas e culpas do passado que ainda sangram no presente permeiam os longas da competição desta 10ª edição do Olhar de Cinema neste primeiro dia de programação. Elas estão nos fragmentos audiovisuais do argentino Estilhaços (Esquirlas, 2020) sobre uma tragédia que abateu uma cidade e uma família, na jornada por redenção em meio ao ambiente escolar opressor do turco O Protetor do Irmão (Okul Tiraşi, 2021) e no panorama social da marginalização do nigerense Zinder (Zinder, 2021), além de estar no retrato do machismo nas artes do alemão Garotas | Museu (Girls | Museum, 2020), título da Mostra Outros Olhares. Saiba mais a seguir dos destaques desta quinta no festival:

 

Estilhaços (Esquirlas, 2020)


Cena do documentário argentino Estilhaços (Esquirlas, 2020), de Natalia Garayalde | Foto: Divulgação (Olhar de Cinema)

O conceito de resgatar imagens, particularmente de vídeos caseiros, como fragmentos da memória é um recurso amplamente utilizado no cinema, mas, talvez, o termo nunca foi tão materializado metafórica e visualmente quanto no documentário argentino Estilhaços. Tal qual seu título, as fitas que a estreante cineasta Natalia Garayalde recupera da sua infância e apresenta ao público reabrem feridas mal cicatrizadas do passado da Argentina. No entanto, as filmagens de momentos familiares e das interessantes experimentações audiovisuais nas brincadeiras infantis da pequena diretora com seu irmão Nicolás apresentadas de início não dão indício do que virá a seguir.


As imagens registradas do carro em fuga em meio às seguidas detonações de munições nas ruas da cidade de Rio Tercero, na província de Córdoba, mudam o tom do documentário, se assemelhando a cenas de filmes-catástrofe e/ou apocalípticos. Mas diferente da sensação de segurança transmitida por essas ficções de que se trata apenas de suposições e de que, segundo a maioria das produções do gênero, tudo vai ficar bem no final, o público sabe que o desastre na tela, registrado na manhã de 3 de novembro de 1995, em que ocorreu a explosão na planta da Fábrica Militar que espalhou pólvora, bombas e estilhaços por toda a localidade, inevitavelmente, alteraria o cotidiano e geraria uma ruptura drástica na vida da família Garayalde e de toda a população riotercerense. Oficialmente, foram sete mortos, mais de 300 feridos e um rastro de destruição pelas casas e edifícios locais, com alguns artefatos explodindo novamente no dia 24 daquele mês, para reavivar ainda mais o trauma coletivo.


Nos dias seguintes, o clã segue com o registro jornalístico do evento com visões bem diferentes. Natalia e o irmão, com toda a empolgação e inocência infantil, não tem muita dimensão da tragédia que lhes abateu, embora o choro da turma no vídeo da formatura seja um indício do que foi silenciosamente somatizado pelas crianças e jovens da cidade com a explosão e suas consequências. Já o pai, o médico Esteban, demonstra preocupação em relação aos desdobramentos ambientais e econômicos do ocorrido, com o temor dele se comprovando nas sucessivas mortes por câncer narradas pela cineasta, e a descrição dele sobre a “chantagem econômica” de uma fábrica que traz males para uma população, mas é praticamente a única fonte de emprego para eles, indo de encontro às discussões do espanhol O Ano do Descobrimento (2020), presente no Olhar do ano passado, e ao arco da segunda temporada de Home Before Dark (2020-).


Contudo, os estilhaços daquela explosão vão além dos limites municipais, pois não só a resposta do governo argentino para o caso foi pífia, minimizando a questão e demorando a repassar os recursos aos habitantes atingidos, como se confirmou, anos depois, a crença local de que não foi acidente. A detonação foi deliberadamente provocada para encobrir o contrabando de armas realizado desde 1991, para a Croácia, em razão da Guerra Civil Iuguslava, e pontualmente ao Equador, em conflito com o Peru pela região de Cenepa, ao longo da gestão de Carlos Menem. Aliás, o documentário faz o espectador compreender a posterior decisão da prefeitura de Rio Tercero em não aderir ao luto nacional pela morte do ex-presidente, em fevereiro deste ano, já que o político faleceu sem ser condenado pelo crime que cometeu com a cidade, ou melhor, com o próprio povo que deveria proteger.

 

Estilhaços (Esquirlas, 2020)

Duração: 70 min | Classificação: 14 anos

Direção: Natalia Garayalde

Elenco: Esteban Garayalde, Nicolás Garayalde, Carolina Garayalde, Gabriela Garayalde e Esther Rostagno (veja + no site)

Produção: Argentina


> Sessão – 07/10/2021 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 11/10/2021 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

O Protetor do Irmão (Okul Tiraşi, 2021)


Nurallah Alaca e Samet Yildiz em cena do filme turco O Protetor do Irmão (Okul Tiraşi, 2021), de Ferit Karahan | Foto: Divulgação (Olhar de Cinema)

O segundo longa solo de Ferit Karahan, O Protetor do Irmão, é um daqueles filmes cuja narrativa se desenrola apenas no passar de algumas horas, obviamente tensas, em um local que demonstra ser o oposto de seu propósito. A produção turco-romena, exibida na Mostra Panorama do Festival de Berlim, se passa em um afastado internato na Anatólia Oriental e começa com um castigo imposto por um dos funcionários (Cansu Fırıncı) aos garotos que se desentenderam na hora do banho, obrigando-os a terminarem com água fria, mesmo em um rigoroso inverno. Contudo, na manhã seguinte, o pequeno Memo (Nurallah Alaca) não consegue acordar e, doente, é levado pelo amigo Yusuf (Samet Yildiz), que roda a escola em busca de um atendimento para ele.


Enquanto o público acompanha a jornada do garoto em busca de ajuda e orientação pelos corredores da instituição, observa a constante e violenta dinâmica de repressão aos alunos por parte de todo o corpo docente. O fato de o colégio interno ficar justamente na região onde se concentra a maior parte dos curdos na Turquia é importante para entender o contexto nacional de preconceito institucional à etnia que fomenta a reprodução dessas violências na esfera escolar. A xenofobia está desde o conteúdo da aula, em que não se admite o reconhecimento do povo curdo e de seu território histórico dentro da geografia turca, até as ofensas e agressões dirigidas aos estudantes e funcionários locais.


No entanto, se o elemento étnico-social é indissociável, também é possível perceber outros contornos sociológicos e psicológicos mais universais, como a “síndrome do pequeno poder” e as performances de masculinidade, no comportamento autoritário e no emprego de humilhações do diretor e dos professores, que se impregnou em todos os níveis daquele ambiente. Contudo, o autoritarismo é uma fachada para esconder a ineficiência, a burocracia e o descaso revelados nas escorregadas literais e metafóricas da sucessão de homens e garotos que entram naquela escassa enfermaria onde Memo permanece inconsciente, enquanto a neve lá fora dificulta ainda mais o seu socorro em um país que espelha os mesmos erros. Seguindo o angustiado Yusuf, a narrativa vai se desvelando entre o esperado e o surpreendente, sendo, por fim, uma história de culpa e reparação que dialoga com os mais diversos espetadores.

 

O Protetor do Irmão (Okul Tiraşi, 2021)

Duração: 85 min | Classificação: 14 anos

Direção: Ferit Karahan

Roteiro: Gülistan Acet e Ferit Karahan

Elenco: Samet Yildiz, Ekin Koç, Mahir Ipek, Melih Selcuk, Cansu Firinci, Nurullah Alaca, Mert Hazir, Mustafa Halli, Münir Can Cindoruk, Umit Bayram, Dilan Parlak, Ferit Karahan, Nedim Salman, Siddik Salaz, Ertan Gul, Hamdullah Arvas e Tekin Bulut (veja + no site)

Produção: Turquia e Romênia


> Sessão – 07/10/2021 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 11/10/2021 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Zinder (Zinder, 2021)


Zinder (2021)

Proximidade e distância motivam a diretora Aïcha Macky na realização de seu novo filme, Zinder. O documentário leva o nome da cidade do Níger onde a cineasta nasceu, mas seu objeto se distancia das cercanias onde ela cresceu, ao focar em Kara Kara, distrito dos marginalizados, como ficou conhecido ao abrigar leprosos, pessoas cegas e mendigos que foram levados para lá durante a formação do local. Para tanto, a realizadora dá voz aos habitantes da região conhecida por suas gangues, lá chamadas de “palais”, para entender o contexto da gênese dessa violência.


E não demora muito para compreendê-la quando, logo no início, a impactante imagem de dois homens na moto carregando uma bandeira com a suástica, vem junto da explicação do comandante da Gangue do Hitler de que eles usam o nome de um “guerreiro americano invencível” que usam como inspiração e posterior comentário do mesmo Siniya Boy de que falta acesso à educação para o povo de Kara Kara. Pessoas estas que mostram suas cicatrizes e revelam suas histórias para as câmeras, como o ex-chefe de palais e agora mototaxista Bawo, enquanto o documentário apresenta as brechas que esse ambiente possui para a entrada de novos problemas sociais. No cotidiano de masculinidade exacerbada, em que esses jovens e adultos passam o dia exibindo sua força na academia improvisada e vendo vídeos de violência, no qual equiparam os terrores da polícia ao grupo terrorista Boko Haram, que cresce naquela região africana, ao mesmo tempo em que as oportunidades de sobrevivência se debruçam no contrabando de gasolina da Nigéria – apesar da refinaria ser nigerense, o combustível é mais caro por lá do que no país vizinho –, no qual o público conhece a figura intersexo de Ramsess. Contudo, o terceiro ato se prende tanto a esta questão sem progredi-la ou aprofundar outros temas citados brevemente, como a constante situação de exploração sexual das adolescentes locais, que tal retrato da marginalização ainda parece incompleto.

 

Zinder (Zinder, 2021)

Duração: 82 min | Classificação: 14 anos

Direção: Aïcha Macky (veja + no site)

Produção: Níger, França e Alemanha


> Sessão – 07/10/2021 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 11/10/2021 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Garotas | Museu (Girls | Museum, 2020)


Garotas | Museu (Girls | Museum, 2020)

O novo trabalho da artista multimídia norte-americana Shelly Silver é uma daquelas obras que se sustentam em uma proposta inicial interessante, ao mesmo tempo em que se limitam dentro deste conceito ao invés de expandi-lo. Exibido no festival de DOK Leipzig, o documentário Garotas | Museu se ambienta somente em um ponto turístico da mesma cidade alemã, o Museu de Belas Artes de Leipzig (MdbK), onde a cineasta traz diversas adolescentes para avaliar e comentar sobre as obras lá expostas, particularmente aquelas com figuras femininas. Nada mais pertinente que tal análise coletiva se iniciasse justamente com a figura bíblica da “primeira mulher”, Eva, sempre associada ao mal e perfídia ligado ao gênero feminino, como demonstra a representação artística ali observada por elas.


Na observação do passado, as garotas de diversas origens e idades dentro da faixa etária escolhida traçam suas percepções do presente: são levantadas questões sobre gênero, com uma fluidez além do feminino e do masculino, e também acerca de padrões de beleza, velhice, escravidão, classes sociais e certo existencialismo. A crítica sobre a quem é delegado os espaços de prestígio na arte surge naturalmente nas jovens ao se atentarem à predominância de obras realizadas por homens naquele museu, mas o filme ressente-se de não elaborar nada além dos depoimentos das meninas, em uma direção simploriamente estática, que não busca construir um quadro mais elaborado, seja em termos narrativos ou estéticos.

 

Garotas | Museu (Girls | Museum, 2020)

Duração: 71 min | Classificação: 12 anos

Direção: Shelly Silver (veja + no site)

Produção: Alemanha


> Sessão – 07/10/2021 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 11/10/2021 (segunda), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema


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