MOSTRA SP 2021 | Pela família
Atualizado: 5 de nov. de 2021
Em alguns dos longas desta 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, os protagonistas são impelidos a fazer jornadas, sejam percorrendo distâncias físicas ou trilhas internas de rotas que precisam ser retraçadas, tudo em nome da família. É o caso da ginasta com sua (pátria-)mãe no drama escolhido para representar a Suíça na corrida do Oscar, Olga (Olga, 2021), ou da filha que precisa trocar de papel familiar no dinamarquês Assim Como no Céu (Du Som Er I Himlen, 2021). No caminho inverso, o pai georgiano de Brighton 4th (Brighton 4th, 2021), outro candidato a uma vaga para o prêmio da Academia de Melhor Filme Internacional, e a mãe alemã de Madeira e Água (Wood and Water, 2021) viajam até outros continentes para entender o que está passando com seus filhos, como você lê a seguir:
Olga (Olga, 2021)
“Isso é esporte, não é política”, diz um personagem em determinado momento do filme suíço-ucraniano Olga, mas o longa de estreia do francês Elie Grappe, definitivamente, não acredita nisto. Se, nesta mesma edição da Mostra SP, os documentários As Bruxas do Oriente (2021) e Capitães de Zaatari (2021) demonstram isso, mas este drama vencedor do Prêmio SACD para melhores novos autores na Semana da Crítica do Festival de Cannes questiona isso diretamente. Seja no plano individual, familiar ou nacional, a carreira da ginasta que dá título à produção que representará a Suíça na disputa por uma vaga na categoria internacional do Oscar é atravessada e, diversas vezes, alterada por questões políticas.
A trama, escrita pelo jovem cineasta em conjunto com Raphaëlle Desplechin, começa em 2013, quando Olga (Anastasia Budiashkina, ex-ginasta que foi da seleção nacional ucraniana, assim como todas as intérpretes das suas colegas de ginástica no elenco) está em mais um dia de treino no Centro Olímpico de Kiev. No entanto, ao retornar para casa com a mãe (Tanya Mikhina), uma jornalista que está publicando matérias sobre casos de corrupção no governo do país, elas são alvos de um atentado, em uma sequência que já serve de cartão de visitas para a direção de Grappe, bem madura para um estreante ao longo de toda a narrativa. Na cena seguinte, a atleta chega à Suíça, terra de seu falecido pai, para, em segurança, continuar se preparando para o Campeonato Europeu.
O seu sonho de chegar lá e realizar o Jaeger, movimento mais complexo que lhe dará uma nota mais alta nas barras assimétricas, porém, exige muito. Por questões burocráticas de cada um dos dois países, para entrar na Seleção Suíça, ela precisa escolher uma das duas nacionalidades. A adaptação à(s) língua(s), a uma nova metodologia de treinamento e às colegas de equipe que a vêm como uma intrusa são fatores que a deixam pouco confortável no novo lar. Pior ainda quando a situação na Ucrânia se torna ainda mais tensa, com a eclosão de manifestações populares na Praça Maidan e a repressão estatal, e sua mãe e a amiga e também ginasta Sasha (Sabrina Rubtsova) estão acompanhando tudo de perto, enquanto ela fica apreensiva à distância e a narrativa introduz os vídeos gravados à época dos protestos.
Em entrevista ao site Cineuropa, Grappe comentou da escolha da ginástica artística para a história, por se tratar de um esporte que é muito individual, mas o mesmo tempo coletivo, refletindo o que acontece com a protagonista. Se o desempenho solitário de Olga é fundamental para a conquista da equipe no esporte, cada vez mais ela sente que sua ação enquanto cidadã também se faz necessária para a coletividade em luta no seu país natal, o que torna viver na “neutralidade suíça” mais difícil neste momento que demanda escolhas. Como nota de rodapé, é interessante observar e analisar em retrospecto como mais um dos movimentos democráticos que eclodiram e foram frustrados naquele ano de 2013, a exemplo do Brasil e da Turquia, mas por diferentes razões, abriu portas para um perigoso nacionalismo.
Olga (Olga, 2021)
Duração: 85 min | Classificação: 14 anos
Direção: Elie Grappe
Roteiro: Elie Grappe e Raphaëlle Desplechin
Elenco: Anastasia Budiashkina, Sabrina Rubtsova, Caterina Barloggio, Thea Brogli, Tanya Mikhina e Jérôme Martin (veja + no site)
Produção: Suíça, Ucrânia e França
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 27/10/2021)
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 1000 visualizações
+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play
Assim Como no Céu (Du Som Er I Himlen, 2021)
Um imaginário cristão e supersticioso guia os personagens de Assim Como no Céu, début em longas da cineasta dinamarquesa Tea Lindeburg que foi exibido no Festival de Toronto e levou os prêmios de Direção e Atuação em San Sebastián. A história que se passa em uma comunidade rural protestante do final do século XIX começa justamente com a imagem etérea e igualmente assustadora de um campo sob o céu tingido de vermelho sangue. Talvez, a jovem protagonista não dê muita atenção ao seu sonho logo de cara, mas assim que a narrativa avança se compreende como os sonhos, por um caminho ou por outro, têm um caráter premonitório ali para aquelas pessoas.
Com 14 anos, Lise (Flora Ofelia Hofmann Lindahl) é a mais velha de seus irmãos em uma numerosa família que está prestes a ganhar mais um membro, pois sua mãe (Ida Cæcilie Rasmussen) está grávida. Aquele tem tudo pra ser mais um dia qualquer na vida da garota, que tem a sorte de ser a primeira do clã a poder estudar, mesmo que suas experiências adolescentes neste ambiente sejam díspares, entre o interesse no garoto que a considera como irmã e o outro que lhe faz um pedido indecente. Contudo, como o mundo gira igual à câmera rodopiante de Lindeburg e do diretor de fotografia Marcel Zyskind, Anna entra em trabalho de parto e logo a filha percebe que há algo estranho naquele dia que mudará os rumos da sua vida.
Na sua estreia, a diretora e roteirista remonta às imagens e temas de um clássico do cinema dinamarquês A Palavra (Ordet, 1955), de Carl Theodor Dreyer, ao trazer esta lógica rotestante no cenário rural. A questão da culpa, sempre associada a uma visão patriarcal da Bíblia, aflige a jovem, enquanto os adultos se mostram perdidos na fé que devotam às premonições oníricas – uma personagem diz “os sonhos devem nos guiar, não nos controlar”, mas é difícil às outras mulheres se desprender dessas crenças. Por fim, é um sonho, não advindo do sono, mas de seus próprios desejos despertos, que se esvai nesse céu vermelho.
Assim Como no Céu (Du Som Er I Himlen, 2021)
Duração: 86 min | Classificação: 14 anos
Direção: Tea Lindeburg
Roteiro: Tea Lindeburg
Elenco: Flora Ofelia Hofmann Lindahl, Ida Cæcilie Rasmussen, Palma Lindeburg Leth, Anna-Olivia Øster Coakley e Flora Augusta (veja + no site)
Produção: Dinamarca
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 28/10/2021)
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações
+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play
Brighton 4th (Brighton 4th, 2021)
Na sua cena inicial, Brighton 4th apresenta três elementos que vão guiar a sua narrativa. Após uma longa narração em georgiano, sem legendas, de um jogo europeu, a empolgação de um homem ao assistir à partida acaba irritando os outros clientes de uma casa de apostas. Ainda que essa parte introdutória aconteça em Tbilisi, capital da Geórgia, a criação de um mundo à parte através da língua é observada quando a história viaja para os Estados Unidos, assim como o vício em apostar e essas expressões de um mundo masculino quase anacrônico perduram durante todo o longa de Levan Koguashvili.
Levando uma trinca de prêmios no Festival de Tribeca, como Melhor Longa Internacional de Ficção, Roteiro para Boris Frumin e Ator para Levan Tediashvili, o candidato georgiano ao Oscar encadeia a apresentação destas figurinhas iniciais para apresentar o protagonista vindo socorrer o irmão endividado. Mas o antigo campeão de luta olímpica Kakhi, vivido pelo ex-lutador profissional e ator não-profisisonal Tediashvili, está de partida para visitar o seu filho em Nova York e tentar descobrir o que acontece com o rapaz. Ao chegar a Brighton Beach, bairro conhecido pela sua grande comunidade de imigrantes das antigas repúblicas soviéticas e, por isso, também conhecido como “Little Odessa”, o pai descobre que Soso (Giorgi Tabidze), em vez de estar estudando para conseguir sua licença para trabalhar como médico nos Estados Unidos, também está atolado em dívidas com a máfia local por causa de jogo.
O vício parece hereditário e, em certo momento, até Kakhi precisa se render, de algum modo, à sina familiar para tentar salvar seu filho. Koguashvili, porém, pinta este quadro em tons menos dramáticos do que o esperado pela descrição da trama, tornando-o ao mesmo tempo cômico e tão melancólico quanto o da praia nublada que os margeia – por vezes, unindo ambas as sensações em um mesmo prenúncio, por exemplo. No retrato de uma comunidade muito ligada às suas raízes, mas também a diversos ciclos viciosos de comportamento que a deixam presa em um cenário passado distante, outro sentimento que transparece é a afetividade, seja na relação entre pai e filho ou dessas pessoas vindas de diversos países que, apesar de suas diferenças nacionais, se encontram na língua russa, em outros elementos regionais e na experiência compartilhada de ser imigrante nesta “América” que mal se vê.
Brighton 4th (Brighton 4th, 2021)
Duração: 90 min | Classificação: 16 anos
Direção: Levan Koguashvili
Roteiro: Boris Frumin
Elenco: Levan Tediashvili, Nadezhda Mikhalkova, Giorgi Tabidze e Kakhi Kavsadze (veja + no site)
Produção: Geórgia, Rússia, Bulgária, Mônaco e EUA
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações
> Espaço Itaú Frei Caneca - Sala 3 – 02/11/2021, terça às 15h45
> Cine Marquise - Sala Globoplay 1 – 03/11/2021, quarta às 21h30
+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play
Madeira e Água (Wood and Water, 2021)
A melancolia também inunda o filme alemão Madeira e Água, um exercício de hibridismo do cineasta Jonas Bak em seu primeiro longa. Na produção presente na seção Perspectivas do Cinema Alemão do último Festival de Berlim, acompanha-se Anke (sua própria mãe Anke Bak) logo após esta senhora se aposentar de seu trabalho na igreja de sua pequena cidade interiorana. Ela tenta fazer um encontro de família, mas o filho Max afirma não poder ir por causa dos protestos em Hong Kong, onde mora – e também onde Jonas já trabalhou como diretor de cinema e fotografia –, o que a leva, depois de um tedioso verão na paisagem de lagos e árvores da Floresta Negra, a viajar até a região administrativa chinesa para compreender o que está acontecendo com seu rebento.
Apesar do público não ver Max, descobre através da mãe o mal que o acomete da mesma maneira que essa estadia de Anke a faz refletir sobre o que fez da sua vida e o vazio que sente agora. É inevitável não notar o clichê, ainda que na roupagem do cinema de arte ou indie, da produção ocidental de levar seus protagonistas para um cenário oriental que o permita ficar “perdido” e ao mesmo tempo “se encontrar”. Mas o que incomoda mais, talvez, seja o fato dessa jornada externa e interna de autodescobrimento da personagem ocorrer justamente em um momento crítico para Hong Kong, totalmente ignorado por esse olhar eurocêntrico que vê a população local passar sem ao menos ligar para o porquê eles se manifestam e as forças estatais os reprime, pois o cenário “exótico” é o que atrai a essa lente turística para o mundo fora de seus limites conhecidos – para o espectador que tiver tal curiosidade, fica a recomendação do documentário Por Trás da Muralha de Tijolos Vermelhos (2020), exibido recentemente no Olhar de Cinema 2021.
Madeira e Água (Wood and Water, 2021)
Duração: 79 min | Classificação: 12 anos
Direção: Jonas Bak
Roteiro: Jonas Bak
Elenco: Anke Bak, Ricky Yeung, Alexandra Batten, Patrick Lo e Theresa Bak (veja + no site)
Produção: Alemanha, França e Hong Kong
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 22/10/2021)
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações
+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play
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