MOSTRA SP 2021 | Má Sorte na Política ou Sociedade Acidental
Atualizado: 21 de out. de 2021
É curioso ver nas reações de Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (Babardeală Cu Bucluc Sau Porno Balamuc, 2021) nesta 45ª Mostra uma impressão há tempos percebida por quem acompanha o cinema romeno de que o Brasil e a Romênia têm muito em comum. Em ficções como Sieranevada (2016) e documentários como o Colectiv (2019), indicado ao Oscar deste ano, o espectador pode se perguntar se as raízes romanas / latinas que nos ligam linguisticamente também explicam caraterísticas sociais e a herança burocrática partilhada pelas duas nações ou o passado recente semelhante, ainda que diametralmente oposto no espectro político, de uma extensa ditadura as tenha maculado com o autoritarismo e a corrupção. Contudo, para além da radiografia nacional proposta pelo cineasta Radu Jude e das particularidades sentidas pelo público brasileiro entre ambos os países, o último longa do prolífico realizador alcança vários povos na percepção universal de que a sociedade contemporânea já estava doente bem antes da pandemia.
O diretor que se destacou por seu olhar particular para as passagens históricas que a Romênia prefere esquecer, em obras como Aferim! (2015), Eu Não Me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros (2018) e Longa Noite (2020), constrói o seu novo trabalho como um tríptico, em que cada um dos três painéis do filme, delimitados por partes bem diferenciadas em seu estilo, constituem um panorama mais amplo sobre o passado e presente romenos. Antes, a produção abre, sem cerimônias, justamente com o vídeo pornô amador que move a narrativa em todas as instâncias. O sexo explícito da introdução contrasta com o registro rotineiro da parte I, chamada “Via de Mão Única”, e, talvez, o espectador demore a perceber que a professora acompanhada pela câmera é a mesma da sex tape inicial, pois Emi (Katia Pascariu) só lida com o problema do vazamento de sua intimidade com o marido em duas sequências deste trecho.
É claro que tal recurso serve tanto à humanização da protagonista quanto à compreensão do sexo como parte integrante da vida de qualquer indivíduo, independente de sua posição social ou área profissional, para a parcela mais conservadora da plateia. No entanto, Jude leva a sua lente para além do drama, ou melhor, tragicomédia pessoal da personagem enquanto passeia com ela pela cidade de Bucareste. Os outdoors, as marcas no shopping, os brinquedos e os carros gigantescos traçam o contraste do capitalismo, relativamente, recém-chegado em relação às ruínas do socialismo de outrora, ao mesmo tempo em que os indivíduos, entre o consumo desenfreado de hoje e a coletividade imposta e deturpada à força de antes, reproduzem essas formas de violências em seus comportamentos cotidianos em sociedade – demonstrando, muitas vezes, desconhecer o real significado deste conceito.
Na “Parte II – Dicionário de Piadas, Letreiros e Maravilhas”, o diretor parte para uma exposição mais documental, com uma linguagem entre o didático e o irreverente, para rememorar a história romena e outros aspetos da sociedade contemporânea como um todo. Entre descrições, esquetes de humor duvidoso e outros rápidos segmentos, são tecidos comentários críticos e/o ácidos sobre ocupações territoriais, colonialismo, o regime ditatorial de Nicolae Ceauşescu, repressão das Forças Armadas, omissão da Igreja Ortodoxa, nazismo, a xenofobia local contra os ciganos, violência doméstica e estupro, as origens da pornografia, mercantilização das revoluções e o futuro do planeta ou da humanidade. Há ainda espaço para falar de arte, tanto da necessidade dos artistas perceberem as transformações que acontecem a sua frente com o mesmo interesse que demonstram pelos eventos e monumentos históricos quanto do teor destes e do público em enxergar e paralisar-se diante do verdadeiro horror refletido no escudo polido de Atena da tela de cinema.
Este momento reflexivo contextualiza o painel anterior e introduz a sátira apresentada na “Parte III – Práxis e Insinuações (Comédia)”, em que a heroína da narrativa retorna ao foco na esperada reunião de pais, na qual os responsáveis não se fazem de rogado para ver/rever o vídeo como abutres – posição que o próprio filme coloca os espectadores, desde o princípio –, mas condenam a professora por simplesmente ter uma vida sexual e esta ter sido exposta sem a sua vontade e conhecimento para tantas pessoas. Entre o barulho das sirenes, as discussões de visões conservadoras e progressistas hipócritas trazem à luz questões sobre educação, higienização da arte no caso do herói nacional Mihai Eminescu, nacionalismo, negação do Holocausto e teorias da conspiração parece um mergulho intensivo e exaustivo em um dia nas redes sociais. Por isso, nem os três finais possíveis apresentados, sejam eles realistas ou de uma fantasia catártica, dão conta do horror de se ver neste escudo polido.
Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (Babardeală Cu Bucluc Sau Porno Balamuc, 2021)
Duração: 106 min | Classificação: 18 anos
Direção: Radu Jude
Roteiro: Radu Jude
Elenco: Katia Pascariu, Claudia Ieremia, Olimpia Mălai, Nicodim Ungureanu, Alexandru Potocean, Andi Vasluianu (veja + no site)
Produção: Romênia, Luxemburgo, República Tcheca e Croácia
Distribuição: Imovision
*Este filme será exibido apenas nas salas de cinema de São Paulo
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
> Reserva Cultural - Sala 1 – 20/10/2021, quarta às 20h00
> Cine Marquise - Sala Globoplay 1 – 29/10/2021, sexta às 17h00
> Espaço Itaú Frei Caneca - Sala 3 – 31/10/2021, domingo às 20h50
> CineSesc – 03/11/2021, quarta às 17h00
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