top of page
Foto do escritorNayara Reynaud

SIERANEVADA | A claustrofobia das relações familiares

Atualizado: 16 de abr. de 2020


Mimi Branescu e o elenco em cena do filme romeno Sieranevada (2016) | Foto: Divulgação


Cristi Puiu despontou como um dos primeiros nomes do novo cinema romeno, a New Wave ou Nouvelle Vague Romena, em 2005, com A Morte do Sr. Lazarescu, que ganhou o prêmio na mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar) em Cannes. Mais de dez anos depois, o cineasta voltou ao festival francês, mas participando da competição com um difícil exercício cinematográfico, especialmente devido ao espaço físico reduzido em que ocorre a narrativa: um apartamento de dimensões modestas que é o cenário quase único de Sieranevada.

A escolha do realizador exterioriza o minimalismo característico das produções contemporâneas, dele e de seus conterrâneos, e, propositadamente, torna-se uma experiência também complexa para o público em suas três horas de duração, mas que justo por isso se mostra muito interessante. Autor e conceito empregado levaram o longa a ser selecionado pela Romênia para representar o país no Oscar. Mas logo no dia em que chega comercialmente ao Brasil, revelando que as reuniões de família são igualmente complicadas por lá, a produção fica de fora da corrida pelo prêmio de Melhor Filme Estrangeiro.

O filme apresenta Lari (Mimi Branescu) e sua esposa (Catalina Moga) indo ao encontro de seus familiares, mas revela aos poucos cada informação sobre aquele encontro: quem são cada um dos membros ali presentes, a natureza de suas relações e o porquê da ocasião. Uma missa foi realizada antes, mas o casal chegou para o almoço que está sendo preparado e deve começar quando o padre ortodoxo chegar. A espera motiva as conversas entre os presentes, sempre recheadas de humor e um particular sarcasmo, sobre os assuntos mais diversos.

Se a morte é um tema sempre presente, direta ou indiretamente nas obras do diretor, aqui ele diversa sobre diversos outros, indo de discussões triviais, como se as fantasias de princesas que deveriam comprar seriam a do modelo da Disney ou não, a questões mais abrangentes como a dualidade da mentira e da verdade nas teorias da conspiração e infidelidades matrimoniais, além das divergências políticas de uma Romênia rachada pelas dicotomias do velho/novo, comunismo/capitalismo e nacionalismo/globalização. Sim, qualquer semelhança com a realidade brasileira, talvez, não seja mera coincidência, já que o filme mostra, assim como outros exemplares do cinema romeno e do Leste Europeu, em geral, que os países da região também sofrem com os problemas de um desenvolvimento falho, a exemplo da burocracia.

Neste caso, o reconhecimento começa no trânsito logo na cena de abertura. É um fator de familiarização que ajuda no processo, proposto por Puiu, de inserção da plateia dentro daquele apartamento. Desvelando pacientemente a dinâmica entre os parentes, agregados e intrusos, o romeno encontra a fluidez necessária para, aos poucos, fazer o espectador se sentir parte da família naquela maçante reunião. Ou recordar da sua e das conversas que surgem desses encontros, sem exagerar quando são revelados segredos e desavenças passadas, soando tão normal quanto qualquer outra.

Mesmo com as dificuldades de mise-en-scène em um ambiente tão claustrofóbico – que, aliás, não é baseado em alguma peça teatral, como seria possível imaginar –, o cineasta usa a câmera para transpor o público através da lente de Barbu Balasoiu, o diretor de fotografia. Ela coloca cada um, sentado à mesa ou encostado na parede, escutando as discussões em planos estáticos e panorâmicos; estes, nada discretos e, às vezes, repetitivos. E como os silêncios de Aurora (2010), filme anterior do diretor, contrastam com as falas quase ininterruptas de Sieranevada, esta verborragia, junto com a longa duração podem se tornar um empecilho para que todos sintam-se confortáveis com este desconforto causado pelo filme. Uma unanimidade será a fome que o espectador, provavelmente, sentirá ao sair da sessão.

 

Sieranevada (Sieranevada, 2016)

Duração: 173 min | Classificação: 12 anos

Direção e roteiro: Cristi Puiu

Elenco: Mimi Branescu, Judith State, Bogdan Dumitrache, Catalina Moga (veja + no IMDb)

Distribuição: Mares Filmes

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page