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  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2020 | A memória latino-americana que não me contam

Atualizado: 17 de set. de 2021


Roberta Estrela D’Alva em cena do filme brasileiro Ana. Sem Título (2020), de Lúcia Murat | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

O novo filme de Lúcia Murat, Ana. Sem Título (2020), é uma amálgama de um tema caro à cineasta brasileira e de experimentações recorrentes na sua filmografia, por uma perspectiva que reflete a visão corrente dessa última década. Ex-integrante da luta armada que foi presa durante a Ditadura no país, a diretora fez da sua experiência pessoal, mais que uma inspiração, uma motivação para o seu cinema, como se vê no seu célebre primeiro longa-metragem Que Bom Te Ver Viva (1989) e diversos outros trabalhos sobre este período histórico. Deste, a realizadora não só retoma o assunto da militância política feminina, mas através da arte e de um olhar amplo para traumas e sentimentos comuns da América Latina, como também a estrutura híbrida de uma docuficção.


Livremente inspirada na peça teatral Há mais futuro que passado – um documentário de ficção (2017), de Daniele Ávila Small, Clarisse Zarvos e Mariana Barcelos, a produção promove uma redescoberta de artistas latino-americanas de uma fase marcada por regimes ditatoriais ou repressivos pelo continente, através da busca por uma figura fictícia representativa da qual só sabem o nome: Ana (Roberta Estrela D’Alva), mesma alcunha mítica que Murat e a roteirista Tatiana Salem Levy deram à militante de A Memória que me Contam (2012). O ponto de partida para esta narrativa é a exposição “Mulheres Radicais: arte latino-americana, 1960-1985”, realizada na Pinacoteca de São Paulo, em 2018, onde a atriz Stela (Stella Rabelo) em contato com as obras delas e o enigmático trabalho sem título da personagem. Por causa das cartas trocadas entre essas mulheres das mais diversas artes entre os anos 1970 e 80, a jovem decide empreender, ao lado da cineasta e sua equipe de filmagem, que adentram de forma metalinguística a tela, uma viagem pelo continente, a fim de conhecer mais sobre elas e a história desses países vizinhos e/ou irmãos, além de tentar reconstruir o passado da misteriosa artista brasileira.


A primeira parada deste road movie é Cuba, onde o público é apresentado à figura da pintora Antonia Eiriz (1929–1995), que enfrentou a censura direta e indireta do regime de Fidel Castro por seu expressionismo não ser laudatório a ele e seus ideais. Na Argentina, a lembrança é da cineasta María Luisa Bemberg (1922-1995) e das Mães de Maio que não deixam esquecer seus filhos desaparecidos durante a ditadura no país. No México, onde a memória do massacre de Tlatelolco, realizado pelo governo contra estudantes manifestantes às vésperas dos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, ainda se faz presente, a imagem recordada é da fotógrafa Kati Horna (1912-2000). E no Chile, a muralista Luz Donoso (1921-2008) vem junto aos relatos da violenta chegada de Augusto Pinochet ao poder, bem como da colaboração dos militares de outros países sul-americanos, como o Brasil, a passar o know-how das práticas de interrogatório e tortura já estabelecidos por eles e transmitidos aos chilenos.


Os depoimentos de amigos e especialistas sobre essas artistas e o contexto dessas nações nas décadas de 1960 e 70 são entrecortados por testemunhos fictícios deles sobre a trajetória dessa mulher brasileira a quem elas também se correspondiam. Tanto esses momentos quanto as intersecções de Stela junto da equipe, que, em vez da investigação documental, trazem uma reflexão declaratória ou existencial sobre os temas abordados, atravessam a narrativa com certo ar de artificialidade. Melhor fluidez se encontra nas próprias intervenções artísticas das performances criadas por Ana, encontrada em supostos registros antigos em preto e branco ou rolos de super-8. Mesmo assim, ao final, quando Roberta Estrela D’Alva encarna a si mesma, no seu terreno do slam, apresentando Sete Anos Apenas – uma adaptação do poema cantado Me Gritaron Negra (1978), da peruana Victoria Santa Cruz (1922-2014) –, é pungente o quanto a realidade tem mais a dizer do que a ficção proposta pelo filme, apesar de todo o mérito por revelar uma História não contada.



=> Confira as críticas de outros filmes desta 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

 

Duração: 110 min | Classificação: 18 anos

Direção: Lúcia Murat

Roteiro: Lúcia Murat e Tatiana Salem Levy

Elenco: Roberta Estrela D’Alva, Stella Rabelo, Felipe Rocha, Renato Linhares e Lucas Canavarro (veja + no site)

Produção: Brasil e Argentina

Distribuição: Imovision

> Disponível no Mostra Play, das 22h de 22/10 (quinta) a 04/11/2020 (quarta), com limite de até 2.000 visualizações

+ Repescagem de 05 a 08/11/2020 na Mostra Play



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