top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

ABAIXO A GRAVIDADE | Transgressão careta

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Everaldo Pontes e Rita Carelli em cena do filme Abaixo a Gravidade (2017), do cineasta baiano Edgar Navarro | Foto: Divulgação (Fênix Filmes)

Desde SuperOutro (1989), seu média-metragem que se tornou cult, o cineasta baiano Edgar Navarro trouxe como marca o uso da escatologia para chocar e, por vezes, levar o público à reflexão; outras vezes, o choque vem apenas pela polêmica. Por isso, o mais recente longa dele, Abaixo à Gravidade (2017), parece até discreto demais para seus padrões. O início, aliás, é bem convencional ao apresentar o protagonista Bené, bem defendido pelo ator Everaldo Pontes como um homem já de certa idade que cultiva não só a sua horta, mas uma rotina saudável em Capão, na região da Chapada Diamantina.

No entanto, não demora muito para o filme, que traz no título o brado retumbante dado pela sua representação do herói brasileiro em SuperOutro, enveredar pelo caminho mais transgressor que lhe é de costume ao chegar à capital da Bahia. Repetindo letreiros e a metáfora do voo para a liberdade que utilizou em seu trabalho mais reconhecido, o diretor mergulha tanto na autorreferência quanto em outras inspirações múltiplas, especialmente do Cinema Marginal. Certa dose de experimentalismo, sem ineditismo, inunda a estética e a narrativa, segmentadas em determinadas subtramas e momentos com maior ou menor conexão com o arco principal. O efeito é a diluição da eficiência de uma obra com potencial para trabalhar questões pertinentes ao envelhecimento, enquanto doenças e o medo da finitude vão abatendo o protagonista.

O despertar ocorre para Bené com a chegada de uma jovem hippie grávida, chamada Letícia (Rita Carelli), batendo em sua porta. Ele se apaixona por ela, mas só lhe resta encarnar uma figura paterna para a moça, usando até seus dotes de parteiro para trazer a criança ao mundo. É por causa dela, por sinal, e também dos exames que precisa fazer que o personagem retorna para Salvador, onde viveu quando jovem.

Se a saída do ônibus da região da Chapada para o trânsito da Avenida Paralela carrega até certo romantismo neste embate climático ao ser embalada por Baião Atemporal de Gilberto Gil – canção que volta ao final, pontuando o curso do tempo que o aflige durante todo o longa –, este homem benevolente vê o seu modo de vida interiorano e ponto de vista confrontados pelo cinismo e indiferença da selva urbana, especialmente na sua aproximação com os moradores de rua interpretados por Ramon Vane e Fabio Vidal. Um evento astronômico, cuja referência ao filme Melancolia (2011) é escancarada no pôster colocado de forma bem alheia em determinada cena, ainda afeta mais este cenário soteropolitano já contrastante entre a beleza natural e de seus monumentos históricos, como o Forte São Marcelo bem presente aqui, e a miséria humana à margem da sociedade, mas no centro do interesse de Navarro. Para Bené, a pedra celeste e a mulher chamadas Letícia, nome que traz do latim o seu significado de alegria, são igualmente símbolos de uma juventude que ele tem saudades e busca ter de volta, mesmo que inutilmente, neste ponto de sua existência.

As metáforas são interessantes, porém, a execução delas é falha, vide o terceiro ato, repleto de falsos finais em uma narrativa que vai se dissipando nestes segmentos que pouco encontram a unidade que deveria existir, mesmo no caos. Pior ainda são as infames soluções que Navarro dá para a crise do homem de (meia) idade que acomete seu protagonista, escolhendo não só a via sexual, mas igualmente a mulher como um mero instrumento de revitalização do ser masculino. A expressão dessa masculinidade frágil ainda vai se manifestar novamente de maneira errônea na figura de Myself (Bertrand Duarte), um homem rico que também está doente e em crise matrimonial, de identidade e de sua sexualidade, e expõe suas questões existenciais na terapia, em digressões narrativas desconectas, que menos agregam à trajetória de Bené e mais escancaram uma visão obliterada, camuflada por uma transgressão incapaz de transgredir seu próprio olhar.

 

Abaixo a Gravidade (2017)

Duração: 93 min | Classificação: 16 anos

Direção: Edgar Navarro

Roteiro: Edgar Navarro

Elenco: Everaldo Pontes, Rita Carelli, Bertrand Duarte, Fabio Vidal e Ramon Vane (veja + no IMDb)

Distribuição: Fênix Filmes

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page