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Foto do escritorNayara Reynaud

HOMEM-ARANHA: LONGE DE CASA | Férias frustradas

Atualizado: 14 de ago. de 2020


Tom Holland em cena do filme Homem-Aranha: Longe de Casa (Spider-Man: Far from Home, 2019) | Foto: Divulgação (Sony Pictures)

Se o jovem Peter Parker (vivido há quatro anos por Tom Holland na introdução do Homem-Aranha no Universo Cinematográfico Marvel, em parceria com a Sony) sente o peso do mundo em suas costas no novo Homem-Aranha: Longe de Casa (2019), o filme trata com leveza a responsabilidade de ser um prólogo da Fase 3 deste UCM e o encerramento da Saga do Infinito que marcou as produções do estúdio até então. Cabe à segunda aventura solo do Vingador caçula apresentar como ficou esse mundo depois dos eventos de Vingadores: Ultimato (2019) – se você não assistiu ao título em questão e é sensível a spoilers, fica a recomendação para não continuar lendo esta crítica –, igual ao próprio adolescente com a pressão de ser apontado como um sucessor do Homem de Ferro na liderança do grupo de super-heróis. Mas assim como o personagem que tenta apenas curtir as suas merecidas férias na Europa junto com a turma da escola, para ter a chance de se declarar à MJ (Zendaya, com mais tempo em tela desta vez) e ficar com a garota por qual está apaixonado, o longa de Jon Watts procura a diversão desde o início, mesmo quando trata de assuntos mais sérios.

Tal qual Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017), a sequência abre com um filme caseiro, em uma homenagem bem pueril, ao som de Whitney Houston, aos Vingadores que morreram para salvar a humanidade. O tom cômico da primeira nota do longa já avisa o público que o “luto” pelos personagens que se foram no capítulo anterior desta saga será sentido, mas usando o humor como forma de processar o sofrimento, em vez de alimentá-lo com uma sobrecarga dramática. Se isso pode preocupar de antemão aos espectadores ressabiados com a fórmula Marvel, cujo excesso de piadas mina certos momentos, o roteiro de Chris McKenna e Erik Sommers se revela mais eficiente desta vez, tomando cuidado para que a comédia esteja na medida e não prejudique a ação ou as cenas que realmente contêm o drama do protagonista – uma mistura que fica bem delineada na trilha sonora de Michael Giacchino.

Assim, encontra-se uma forma descontraída para comentar brevemente sobre a vida após o Blip, como ficou conhecido o estalar de dedos do Hulk em Ultimato, que trouxe de volta os desaparecidos do primeiro e apocalíptico estalar de Thanos em Vingadores: Guerra Infinita (2018). Para fins narrativos, é conveniente que praticamente a turma inteira de Peter, assim como o próprio em batalha, tenha sido atingida pelo ato do vilão que desintegrou metade da população na Terra e em todo o universo, para que todos retornem com a mesma idade e encontrem aqueles que ficaram já cinco anos mais velhos, tal qual Brad (Remy Hii), que conheceram criança e agora estuda na mesma classe que eles – aliás, ficando um jovem atraente e também interessado na MJ, para o terror de Parker. No entanto, o drama reside subentendido em certos detalhes, a exemplo da sua ida, sob o alter ego do Homem-Aranha, ao evento promovido por sua Tia May (Marisa Tomei, com mais destaque, mas ainda subutilizada) em favor daqueles que regressaram do Blip sem ter mais a sua casa, família ou emprego.

Esse é só um dos momentos em que Longe de Casa comprova a vocação desses novos filmes do Homem-Aranha em debruçar-se sobre as consequências das ações grandiosas vistas nas outras produções da Marvel, especialmente na megalomania de todos os quatro títulos dos Vingadores, a exemplo do desenvolvimento do Abutre em De Volta ao Lar pautado pelos restos da destruição deixada tanto por vilões quanto por super-heróis anteriormente. É um dos êxitos da manutenção de boa parte do time criativo do primeiro longa, com Watts e a dupla McKenna e Sommers firmando o mais consistente, no que diz respeito à sua linguagem, dos arcos solos de um herói no UCM, até o momento, com o seu tom de comédia adolescente oitentista e até nas derrapadas, como os diálogos expositivos que aqui tem um ar de deboche na típica cena do vilão explicando suas motivações. Se o antecessor homenageou claramente os clássicos “escolares” de John Hughes, fazendo referência direta a Curtindo a Vida Adoidado (1986), o segundo leva esses personagens da high school para umas Férias Frustradas II (1985) – cujo roteiro é também do cineasta – nesta EuroTrip (2004), também confusa por outros motivos.

O primeiro ato é bem fundamentado na dinâmica de Peter com seu amigo Ned (Jacob Batalon, novamente ótimo), seus colegas de classe e professores, em uma viagem cujos planos gerais e do protagonista de se aproximar da amada não saem como esperado. Isso porque uma nova ameaça se anuncia e, não só a excursão muda sua rota, como Nick Fury (Samuel L. Jackson) convoca o jovem Vingador para a batalha. Parker e o público são, então, apresentados a Quentin Beck, com Jake Gyllenhaal, que quase foi o Homem-Aranha na trilogia de Sam Raimi, na pele deste homem que logo fica conhecido como Mysterio, o herói vindo de uma realidade alternativa, onde o planeta foi dizimado pelos Elementais, que surgem agora destruindo cidades desta Terra.

As sequências de ação, aliás, são mais contundentes nesta continuação, cuja mise-en-scène fica mais dinâmica e clara do que no anterior, assim como as cenas na realidade virtual recordam um pouco do estilo peculiar obtido por Homem-Aranha no Aranhaverso (2018), animação vencedora do Oscar e, ainda, a melhor adaptação do super-herói nos cinemas. No entanto, se Peter buscava de todo o modo o grande combate antes, agora foge disso, depositando a esperança em Mysterio, que surge como a liderança que ele e a população mundial sentem falta. É emblemático, portanto, que em um momento-chave da narrativa, a música do fundo seja Town Called Malice, da banda britânica The Jam: não é só uma referência ao já citado Férias Frustradas II, que tem a canção tocando constantemente em sua trilha, mas expressa tanto o seu sonho de uma vida tranquila que ele não mais conhecerá quanto a malícia que o jovem desconhece e está em seu entorno.

Na interpretação de Tom Holland, o filme demonstra como Parker está mais maduro do que no ano escolar anterior, depois de tanto aprendizado nesta guerra, mas ainda goza da inexperiência da sua juventude, bem como sofre pessoalmente pela perda de seu mentor, que é lembrada constantemente nas imagens saldando o Homem de Ferro em todo lugar que ele vá. Nesta nova reencarnação do “amigo da vizinhança” sob as mãos da Marvel, Tony se tornou uma figura paterna para ele, quase como um Tio Ben: se a morte do personagem clássico das histórias do Homem-Aranha serve de chamado para o protagonista às grandes responsabilidades que vêm com os grandes poderes, o sacrifício do herói elevado à categoria de mártir da Humanidade tem um efeito semelhante aqui. Contudo, apesar da sua presença ausente ser constante, seja por Happy Hogan (Jon Favreau) participando mais da trama ou pela homenagem com AC/DC, esta sequência toma os mesmos passos do primeiro ao apresentar os efeitos colaterais das ações de Stark, mais como um mega empresário do que como um Vingador.

O passo além de Longe de Casa está no uso de um tema tão urgente como as fake news como ferramenta narrativa. A obra não coloca o gênero no divã como M. Night Shyamalan faz em Vidro (2019), mas Watts e os roteiristas indicam ao espectador esse caminho quando questionam a natureza do espetáculo que ele se tornou e a necessidade das pessoas de “acreditar em alguma coisa” – vale ressaltar como os super-heróis, desde sua origem nas histórias em quadrinhos, tiveram ascensões justamente em épocas de crise, o que talvez explique o seu fenômeno nos cinemas neste século XXI, como o veículo para as plateias crerem em algo nestes tempos tão duvidosos. A reflexão permanece até o último segundo, quando uma cena pós-créditos que parece só mais uma piada da Marvel, gera implicações o suficiente para os fãs fazerem suas mil teorias sobre o que viram do UCM até então, e outra durante os créditos se revela fundamental para o destino do Homem-Aranha nos próximos capítulos dessa série, entregando uma mensagem ao público que, tanto na fantasia quanto na realidade, nem tudo é o que parece.

 

Homem-Aranha: Longe de Casa (Spider-Man: Far from Home, 2019)

Duração: 129 min | Classificação: 10 anos

Direção: Jon Watts

Roteiro: Chris McKenna e Erik Sommers, baseado nas HQ’s de Steve Ditko e Stan Lee

Elenco: Tom Holland, Samuel L. Jackson, Jake Gyllenhaal, Marisa Tomei, Jon Favreau, Zendaya, Jacob Batalon, Tony Revolori, Angourie Rice, Remy Hii, Martin Starr, J.B. Smoove, Cobie Smulders e Numan Acar (veja + no IMDb)

Distribuição: Sony Pictures

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