top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

1º FESTIVAL DE CINEMA RUSSO | Novas e velhas identidades na Rússia de hoje e outrora

Atualizado: 18 de dez. de 2020


Apesar de todas as limitações impostas por 2020, neste ano, pela primeira vez, o Brasil sedia o Festival de Cinema Russo, o Russian Film Festival, promovido internacionalmente pela Roskino, organização promotora de conteúdos russos em todo o mundo. Desde esta quinta, dia 10, até 30 de dezembro, o público daqui poderá conferir oito títulos recentes da cinematografia russa de variados gêneros que estão disponíveis na plataforma de streaming gratuita Spcine Play. O NERVOS destaca três destes filmes que conversam entre si na busca de seus protagonistas por outra identidade, seja para fugir da Morte a exemplo do drama fabular O Homem que Surpreendeu a Todos (2018) ou para adiar a ciência dela no thriller dramático O Texto (2019), ou pela sua própria em uma ancestralidade perdida como no filme de época O Francês (2019). Confira mais detalhes sobre esses longas-metragens a seguir.

 

O Homem que Surpreendeu a Todos (Chelovek, Kotoryy Udivil Vsekh, 2018)


Evgeniy Tsyganov em cena do filme russo O Homem que Surpreendeu a Todos (Chelovek, Kotoryy Udivil Vsekh, 2018), de Natasha Merkulova e Aleksey Chupov | Foto: Divulgação (1º Festival de Cinema Russo)

Assim como o seu protagonista, O Homem que Surpreendeu a Todos é um filme que se transveste, transformando-se ao longo de seu desenvolvimento de modo surpreendente para o espectador. O segundo longa da dupla Natasha Merkulova e Aleksey Chupov, que já havia adentrado no território da sexualidade no melodrama irônico Intimnye Mesta / Intimate Parts (2013), não parece que vai seguir tal caminho, seja à primeira vista ou durante o seu primeiro ato. O drama de um guarda florestal acometido por uma doença terminal que o limita a apenas mais dois meses de vida traz um aspecto comum inabalável, assim como a figura de um personagem que aceita passivamente o seu destino.


Inspirada pelas memórias de infância da diretora que cresceu na Sibéria, a produção parte de um naturalismo bucólico ao observar a rotina de Egon (Evgeniy Tsyganov), desde um dia em que precisa entrar em ação na floresta e defender a si mesmo, acompanhando-o quando recebe o terrível diagnóstico do médico. Em contraste à resignação dele, a sua esposa grávida, a radiante Natalia (Natalya Kudryashova, premiada como a Melhor Atriz na mostra Horizontes do Festival de Veneza, em 2018) faz de tudo para tentar reverter a situação, pedindo ajuda dos vizinhos para procurar uma alternativa de tratamento e até a intervenção de um ritual xamânico que pudesse curá-lo. Sem sucesso, a senhora curandeira (Elena Voronchikhina) acaba inspirando o homem ao contar a fábula local do pato Jambo, que enganou a Morte, fingindo ser uma fêmea.


Se a entrada da personagem confere uma aura mais sobrenatural às suas cenas, o ingrediente fabular trazido por ela se transmuta em uma parábola ambientada em um realismo contemporâneo. Isso porque Egor resolve adaptar para si o feito de Jambo, vestindo-se de mulher, mas, ao manter-se calado sobre isso, é incompreendido pela sua própria família e por toda a comunidade. As consequências recaem até sobre o filho que sofre bullying, além do mesmo ser alvo de agressões e violências ainda piores.


Por mais que o ritmo compassado do filme e seu final aberto para algumas interpretações possam não ser tão assertivos, a obra ganha muito com as boas interpretações de Tsyganov como este protagonista tão resignado, sem deixa-lo parecer somente um tonto, e Kudryashova nas nuances de uma esposa dedicada tendo dificuldades de entender as mudanças de seu marido. Se para alguns, a premissa pode soar equivocada ao tratar as questões de gênero, particularmente o transformismo ou cross-dressing, como artifício para escapar da morte, dentro do contexto da Rússia, onde o governo deliberadamente não combate a homofobia e transfobia da população ou dos próprios agentes estatais, vide os registros do documentário Welcome to Chechnya (2020), a narrativa vem como um eficiente conto moral para atingir públicos além da comunidade queer. Além disso, há um interesse genuíno da dupla de cineastas em trabalhar tanto esses espaços e símbolos demarcados nessa sociedade patriarcal e heteronormativa, seja com a masculinidade de Egor sendo aferida pela população local através da valentia dele ao enfrentar os caçadores ilegais no início e sua transformação para o universo feminino ser marcada pelo silêncio à violência sofrida, quanto a fuga da morte natural esbarrar na dificuldade de se evadir da morte causada pela intolerância humana.

 

Duração: 104 min | Classificação: 16 anos

Direção: Natasha Merkulova e Aleksey Chupov

Roteiro: Natasha Merkulova e Aleksey Chupov

Elenco: Evgeniy Tsyganov, Natalya Kudryashova, Yuriy Kuznetsov, Aleksey Filimonov, Pavel Maykov e Elena Voronchikhina (veja + no IMDb)

Produção: Rússia, França e Estônia

> Disponível gratuitamente na plataforma Spcine Play (via Looke), de 10/12 (quinta) a 30/12/2020 (quarta), dentro da programação do 1º Festival de Cinema Russo


 

O Texto (Tekst, 2019)


Alexander Petrov em cena do filme russo O Texto (Tekst, 2019), thriller dirigido por Klim Shipenko, baseado no livro de Dmitriy Glukhovskiy | Foto: Divulgação (1º Festival de Cinema Russo)

Todos os ingredientes do thriller estão dispostos em O Texto, mas o longa de Klim Shipenko é mais um drama de suspense do que necessariamente o filme policial que anuncia pela sua premissa. Tudo começa com o então estudante Ilya Goryunov (Alexander Petrov) desobedecendo a mãe, que não queria deixa-lo sair por não ter passado em uma matéria na faculdade, ao sair com a namorada Vera (Sofya Ozerova) e encontrar os amigos em uma balada. No entanto, em uma batida policial na boate, ao defender a garota, os agentes colocam drogas em seu bolso e o jovem é incriminado injustamente.


Depois dessa abertura, o público já reencontra o protagonista sete anos depois, saindo da cadeia, mas, sendo confrontado com um dos gracejos de mau gosto do destino, vai atrás do policial responsável por prendê-lo, Pyotr Khazin (Ivan Yankovskiy), e, durante a briga, acaba o matando. Ao esconder seu corpo, Ilya fica com o celular do morto e passa a interagir virtualmente com a família dele, a sua namorada Nina (Kristina Asmus) e seus chefes e clientes no submundo do tráfico de drogas em que o policial estava envolvido. O personagem adia, assim, a descoberta do assassinato cometido, ao mesmo tempo em que mergulha mais na persona que assume.


Adaptação do autor Dmitriy Glukhovskiy para o seu próprio livro Text (2017), o roteiro se debruça bem mais nas consequências emocionais do protagonista assumir a identidade de seu algoz e posterior vítima do que nos desdobramentos de uma trama policial. Apesar da dinâmica da câmera acompanhando a confusão mental dele e a montagem imprimir um ritmo intenso ao intercalar cenas em alguns pares de sequências, a falta de um mergulho propriamente dito no submundo criminal é sentida ao longo da exibição, até porque o drama também evita se aprofundar em determinadas pontos. A interpretação de Petrov soa exagerada em certos momentos reativos, como do assassinato cometido, mas a questão é que existe uma dificuldade da própria narrativa e direção em desenvolver melhor os aspectos reflexivos dessa história, como de vários clássicos russos, sobre a culpa.

 

Duração: 132 min | Classificação: 16 anos

Direção: Klim Shipenko

Roteiro: Dmitriy Glukhovskiy, baseado no livro “Text” de Dmitriy Glukhovskiy

Elenco: Alexander Petrov, Kristina Asmus, Ivan Yankovskiy, Sofya Ozerova e Maksim Vinogradov (veja + no IMDb)

Produção: Rússia

> Disponível gratuitamente na plataforma Spcine Play (via Looke), de 10/12 (quinta) a 30/12/2020 (quarta), dentro da programação do 1º Festival de Cinema Russo

 

O Francês (Frantsuz, 2019)


Anton Rival em cena do filme de época russo O Francês (Frantsuz, 2019), de Andrei Smirnov | Foto: Divulgação (1º Festival de Cinema Russo)

O novo filme do ator e também diretor russo Andrei Smirnov – ou Andrey Smirnov – começa como o seu título, O Francês. A discussão genuinamente francesa de um trio de amigos à beira do rio Sena sobre burguesia e a guerra colonial com a Argélia até faz o espectador pensar que o protagonista é o falante soldado prestes a ser mandado para a batalha, mas é o mais quieto Pierre Durand (Anton Rival) que vai guiar o público para uma viagem à Moscou de 1957 nas próximas duas horas de projeção. Uma excursão para a superfície da capital da União Soviética, para o submundo da cidade e a vigilância oficial negada no período pós-stalinista.


O estudante intercambista, filho de uma russa e membro do Partido Comunista, vai à Universidade de Moscou aprender sobre a clássica literatura local e também pesquisar sobre uma célebre bailarina do Bolshoi, mas também tem o interesse de descobrir sobre suas raízes familiares por lá. Neste processo de busca, ele conhece a geniosa bailarina Kira Galkina (Evguenya Obraztsova) e o inseparável fotógrafo Valeriy Uspenskiy (Evgeniy Tkachuk), e com eles, a cultura underground que escapa ao regime, como um clube de jazz e artistas que não se encaixam na rigidez da arte soviética. Ainda mais por ser em preto e branco, com Smirnov filmando como se estivesse na época, o longa recorda, brevemente, o mergulho bem mais profundo de Verão (2018), em um grupo de dissidentes do comunismo vigente e na pequena cena de um gênero musical atribuído aos “inimigos norte-americanos” surgida em plena União Soviética – no caso do trabalho de Kirill Serebrennikov, o submundo é o do rock russo oitentista.


Indo mais longe, há também uma vaga lembrança do polonês Guerra Fria (2018), mas diferente do belo filme de Paweł Pawlikowski, há uma dificuldade na narrativa deste empreender de fato o romance do protagonista com a bailarina, sobrando de interessante apenas o retrato do totalitarismo daquele período na Cortina de Ferro. Há uma avalanche de informações difíceis de serem apreendidas pelo público estrangeiro em tão pouco tempo, que impedem o texto escrito pelo próprio Smirnov ganhar mais dinâmica, bem como a montagem, mesmo que por efeitos intencionais, geram algumas lacunas. Ainda assim, o longo tempo dedicado ao reencontro de Pierre com seu pai (Aleksandr Baluev), um preso político que, libertado décadas depois, vive uma rotina miserável, é o ponto alto da obra em sua carga dramática ou teor crítico.

 

Duração: 128 min | Classificação: 16 anos

Direção: Andrei Smirnov

Roteiro: Andrei Smirnov

Elenco: Anton Rival, Evguenya Obraztsova, Evgeniy Tkachuk, Aleksandr Baluev, Natalya Tenyakova, Nina Drobysheva, Roman Madyanov e Mikhail Efremov (veja + no IMDb)

Produção: Rússia

> Disponível gratuitamente na plataforma Spcine Play (via Looke), de 10/12 (quinta) a 30/12/2020 (quarta), dentro da programação do 1º Festival de Cinema Russo



0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page