top of page
Foto do escritorNayara Reynaud

OLHAR 2021 | Dia 4 – A (re)ocupação periférica

Atualizado: 9 de nov. de 2021

Histórias de ocupações e tentativas de reocupação dos espaços perdidos permeiam a seleção deste quarto dia da 10ª edição do Olhar de Cinema. O documentário carioca resgata o viés político por trás da diversão juvenil periférica nos shoppings em Rolê – História dos Rolezinhos (2021), enquanto uma tragédia suburbana move o paranaense Ursa (2021) e carros e humanos disputam espaços de poder no pernambucano Carro Rei (2021). O argentino Esqui (Esquí, 2021) mostra a resistência dos nativos nas turísticas montanhas de Bariloche e Um Verão Incomum (An Unusual Summer, 2020), novo filme de Kamal Aljafari, cineasta palestino homenageado na Mostra Foco, traz o cotidiano de uma ocupação na Palestina. Confira a seguir alguns destes destaques da programação de domingo no festival:

 

Rolê – História dos Rolezinhos (2021)

Em seu segundo longa, o diretor Vladimir Seixas já demonstra um olhar apurado para captar transformações sociais recentes na sociedade brasileira que, por vezes, passam batidas de uma contextualização e análise mais profunda em meio ao noticiário. Após abordar a onda de linchamentos pelo país nos últimos anos em A Primeira Pedra (2018), documentário realizado para o Canal Futura e indicado ao Emmy Internacional, o cineasta carioca se volta para outro movimento que ocupou as manchetes em Rolê – História dos Rolezinhos. A abertura da produção já traça um breve panorama dos rolezinhos, desde um ato precursor no Rio de Janeiro, em 2000, até a sua explosão em São Paulo e que se estendeu para todo o Brasil na década passada.


O filme aprofunda esses eventos através da narrativa de três personagens, direta ou indiretamente, ligados ao movimento que consistia(e) na ida massiva da população marginalizada, especialmente os jovens, para aproveitar os espaços de lazer da classe média, principalmente os shoppings, que lhes é negado na periferia. O público conhece ou revê o antigo líder dos estudantes que iniciaram tal onda na região metropolitana paulistana, Jefferson Luis, de Guarulhos; a hoje designer de joias Thayná Trindade, carioca que fora vítima de ofensas racistas sobre seu cabelo por parte do segurança de um shopping; e a artista mineira Priscila Rezende que transforma o assunto em performance. Das mudanças ou estagnação da vida deles de outrora para agora, Seixas encaminha o seu discurso sobre o racismo inerente ao contexto que propiciou o surgimento desses atos.


O espectador compreende como, em vários momentos, os rolezinhos foram planejados ou reativos e, mesmo quando tinham apenas o viés de “curtição”, eram frutos do subconsciente desse desejo adolescente periférico de poder desfrutar de lugares e prazeres que lhes são propagandeados ao mesmo tempo em que seu acesso lhes é dificultado. Algumas vezes, falta um pouco de naturalidade na proposição de conversas dos personagens com seus amigos e colegas que o longa traz para levantar o debate, mas nada que prejudique a veracidade da vivência deles. Temas como a diferença de classes sociais e a gentrificação dos espaços urbanos atravessam a discussão, mas não são aprofundados em favor do foco principal em relação ao racismo, ligando os vídeos de arquivos às ponderações sobre o papel da propaganda na estigmatização das pessoas negras, por exemplo, e muito à questão do preconceito capilar, em que a violência é transformada em arte.

 

Duração: 82 min | Classificação: 14 anos

Direção: Vladimir Seixas

Roteiro: Vladimir Seixas

Elenco: Thayná Trindade, Jefferson Luis e Priscila Rezende (veja + no site)

Produção: Brasil


> Sessão – 10/10/2021 (domingo), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 14/10/2021 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Ursa (2021)


Ursa (2021)

Desde seu premiado curta-metragem Aquele Casal (2019), o jovem cineasta William de Oliveira tem demonstrado, não só um interesse genuíno, como um esmero em desenvolver bem a dramaturgia em seus roteiros. Algo que se repete em Ursa, seu longa de estreia. Se no primeiro, o realizador tecia uma exploração psicológica do trauma de um casal vítima de um ataque homofóbico, agora, toma um ataque inesperado de um animal como ponto de partida para se desdobrar sobre a psique de seus personagens.


A princípio, a narrativa vai seguindo três frentes cotidianas: a da mãe solteira Viviane (Adriana Sottomaior, que se destaca no papel) que precisa trabalhar naquele sábado; a dos filhos dela brincando para aproveitar o final de semana; e a do músico Jonas (Diego Perin), que sem sua banda, a namorada e um novo trabalho, acaba de se mudar para a região da Vila Sabará, em Curitiba. Elas se cruzam a partir do momento em que a cachorra pit bull dele, chamada Ursa, ataca as crianças dela. Novamente, Oliveira coloca um evento violento como estopim de novos desdobramentos que passam a afligir os personagens.


Trata-se de um caso em que não há necessariamente um culpado, mas todos ao redor desejam achá-lo, seja de forma correta ou exageradamente. Assim, a vizinhança e a polícia caem em cima do dono da cadela, ao passo que o conselho tutelar e os antigos sogros cercam a mãe dos meninos, enquanto o noticiário sensacionalista explora a tragédia na TV. O trunfo do diretor aqui é não cair na mesma via da pura exploração trágica ou maniqueísta, mas construir um drama realista que capta a vivência periférica do contexto e a diferença de classes implicada nos dois protagonistas pegos nesta espiral de acontecimentos.

 

Ursa (2021)

Duração: 70 min | Classificação: 14 anos

Direção: William de Oliveira

Roteiro: William de Oliveira

Elenco: Adriana Sottomaior e Diego Perin (veja + no site)

Produção: Brasil


> Sessão – 10/10/2021 (domingo), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 14/10/2021 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Esqui (Esquí, 2021)


Cena do filme argentino Esqui (Esquí, 2021), de Manque La Banca | Foto: Divulgação (Olhar de Cinema)

Assim como a turística Bariloche que lhe serve de cenário e objeto de análise, Esqui é um filme que se revela bem mais do que sua aparência. A princípio, o primeiro longa de Manque La Banca apresenta uma estética e montagem que faz referência aos antigos documentários de esportes. Mas as inserções mais claramente ficcionalizadas que apresentam os alemães que alegam terem fundado a cidade ao criarem a estrutura das pistas de esqui nas montanhas já demonstram esse confronto de linguagens que se intensifica ao longo da produção argentina, em coprodução com o Brasil.


A partir das figuras dos trabalhadores dessas estruturas hoteleiras e de lazer, La Banca começa a traçar as diferenças entre a estação de esqui e a comunidade que a cerca. Até que eventos estranhos com as máquinas, luzes e tudo mais começam a dar um clima sobrenatural à narrativa, especialmente com a introdução de lendas locais das culturas mapuche e tehuelche. A mistura de thriller e surrealismo vem, portanto, para escancarar a resistência dos povos originários da região, ocultos da imagem do cartão-postal em uma Argentina que, frente a outros países latino-americanos com grandes pecados coloniais ou atuais com sua população nativa, é uma nação com histórico em apagar inclusive a memória da existência indígena em sua terra e seu sangue, forjando uma identidade europeia que não lhe é natural.


O hibridismo, por vezes, conflitante da obra, com todos os seus acertos e deslizes como a superficialidade da apresentação dos personagens, de certo modo, espelha a tensão real existente no local entre os interesses políticos e econômicos no turismo ao estilo dos Alpes europeus e as necessidades da população descendente dos verdadeiros habitantes daquelas montanhas latino-americanas. Reocupar seu território, porém, não é uma tarefa feita sem luta e La Banca, também um filho da cidade localizada na Patagônia argentina, abre seu discurso para um documentário e uma autocrítica mais direta para não se tornar cúmplice da barbárie e relembrar os dois jovens mortos na região pela polícia nacional durante o recente governo Macri.

 

Esqui (Esquí, 2021)

Duração: 74 min | Classificação: 14 anos

Direção: Manque La Banca (veja + no site)

Produção: Argentina e Brasil


> Sessão – 10/10/2021 (domingo), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 14/10/2021 (quinta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema


0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo

Comments


bottom of page