MOSTRA SP 2021 | Rotas de fuga
Atualizado: 4 de jan. de 2022
Retratos de opressão em que as jovens protagonistas tentam encontrar brechas neste controle absoluto se destacam entre algumas das produções balcânicas que estão nesta 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, todas as três de mulheres diretoras em suas estreias em longas. É o caso dos romenos Imaculada (Imaculat, 2021), sobre uma estudante internada em uma clínica de reabilitação na qual seu papel enquanto mulher é sempre avaliado ou ditado pelos homens dali, e Lua Azul (Crai Nou, 2021), com a garota que deseja fugir da violenta dinâmica familiar, assim como a personagem principal do filme croata Murina (Murina, 2021), em relação ao jugo paterno. Como bônus à discussão ao tema, há também um sui generis suspense iraniano, Na Prisão Evin (At the End of Evin, 2021), na qual a oportunidade de uma mulher transgênero fazer a sua cirurgia de redesignação de gênero se torna uma armadilha.
Imaculada (Imaculat, 2021)
Vencedor do prêmio Luigi De Laurentiis para os longas-metragens estreantes em todas as mostras do Festival de Veneza e reconhecido como a Melhor Direção da seção Jornada dos Autores, Imaculada já apresenta a sua protagonista submetida a vários tipos de opressão desde o início, em uma amostra da jornada a qual a jovem terá por todo o filme de George Chiper-Lillemark e Monica Stan. Baseada na experiência pessoal de Stan, a produção romena começa com um interrogatório de Daria (Ana Dumitrașcu, também em sua estreia em longas) no que, depois, fica claro ser a sua entrada em uma clínica de reabilitação. Com um 4:3 que reforça a sensação da entrada dela no confinamento e a atmosfera opressiva que surge na tela, a fotografia de Chiper-Lillemark – cuja carreira anterior era nesta área, tendo trabalhado em Não Me Toque (2018), e aqui usa, pela primeira vez, duas câmeras – deixa o plano fechado somente na estudante, que mal consegue explicar a sua situação, enquanto sua mãe e a médica discutem o fato do namorado da garota, preso recentemente, a ter viciado em heroína e agora ela precisar de tratamento pelas próximas três ou quatro semanas, a tempo de voltar à escola e terminar os estudos para o vestibular.
O estranhamento dela ao adentrar o local aumenta com a recepção invasiva dos outros internos com a novata, ainda mais sendo praticamente uma Smurfette em um meio extremamente masculino, pois a única companheira de ala é Chanel (Ilona Brezoianu), já um pouco brutalizada pela vida. Se não dá para saber exatamente o quanto foi potencializado ou ficcionalizado na vivência da diretora e roteirista, pode se dizer que a dinâmica dos homens em relação às mulheres na sociedade é encapsulada naquele ambiente. Primeiramente, o assédio, a intimidação e a barganha são impostos à Daria, até que, ao recusar a proposta indecente de Spartac (Vasile Pavel), ela cai nas graças do chefão dali e dos outros colegas, sendo colocada em um lugar intocado por eles, como a “imaculada” à espera de Vlad, que vai se curar e tirar o amado desta vida de vício assim que ele sair da cadeia.
A jovem vira, portanto, uma espécie de mascote do ex-condenado Spartac – o fato de ele ser cigano, assim como outros dois internos, vem como um tímido comentário social sobre as desigualdades na Romênia – e do grupo. Torna-se também uma motivadora para Emanuel (Rares Andrici), que lhe oferece suas pílulas de metadona em uma aspiração romântica com a garota, ou uma confortadora para o soropositivo Pisica (Hritcu Florin). A chegada de um novo paciente, Costea (Cezar Grumăzescu), um amigo do seu namorado, acaba desestabilizando essas relações, na medida em que a competição masculina de dominação acirra os ânimos, até culminar em algumas rupturas.
Contudo, já antes, se percebe que, tal qual ocorre com seus vícios, o comportamento dos internos apresenta uma faceta maníaca, em que eles se excedem e perdem o controle, algo bem exteriorizado na cena das cosquinhas, que vai do riso ao incômodo da moça. Isso se reflete na relação que estabelecem com Daria, ao tornarem a jovem em uma referência para se sentirem melhores como pessoas e, quando ela não corresponde às expectativas de pureza – ou qualquer outra que fosse, pensando em uma análise de um contexto social mais amplo –, seja porque os mesmos corromperam a sua inocência ou porque é um processo natural de amadurecimento e autodescoberta desta mulher em formação, eles a rechaçam. A ambiguidade da cena de sexo ao final, em que menos interessa a natureza ou quem pratica ao ato, ainda que possa se fazer diversas leituras – até a de que é o espectador que viola a sua paz e, ao mesmo tempo, lhe dá gozo –, do que a imagem da protagonista transformando sua dor em prazer para encontrar o seu próprio caminho.
Imaculada (Imaculat, 2021)
Duração: 114 min | Classificação: 18 anos
Direção: George Chiper-Lillemark e Monica Stan
Roteiro: Monica Stan
Elenco: Ana Dumitrașcu, Vasile Pavel e Cezar Grumăzescu (veja + no site)
Produção: Romênia
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 29/10/2021)
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações
+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play
Murina (Murina, 2021)
Julija começa o filme Murina em seu verdadeiro lar: o mar. A adolescente interpretada por Gracija Filipović realiza pesca submarina junto com um homem, mas, logo que o longa de estreia da cineasta Antoneta Alamat Kusijanovic chega à bela terra firme de uma ilha na costa da Croácia – as filmagens foram realizadas em três localizadas nas Rivieras Dubrovnik, Markarska e Kornati –, a tensão se revela entre ela e Ante, seu pai (Leon Lučev). Na própria casa, a jovem não encontra conforto com a opressão paterna e a omissão da mãe, Nela (Danica Čurčić), e a chegada de um velho amigo dos pais serve como oportunidade para encontrar um escape.
Javier (Cliff Curtis) é um ponto de atração para toda a família. O pai quer aproveitar a sua visita para fechar negócio sobre um resort que deseja construir em um terreno. O clima entre a mãe e o antigo amigo evidencia que há algo do passado adormecido para ela, nem que seja a oportunidade perdida de ter tido outra vida fora dali. A filha também parece flertar em alguns momentos com o visitante, porém, em um sentimento edipiano, enxerga nele a figura paterna que gostaria de ter.
A coprodução que tem a participação brasileira da RT Features reúne trilhas já conhecidas do coming of age, do estranho ou visita que transforma a dinâmica familiar e de dramas de libertação feminina, mas há uma segurança na direção da cineasta croata, bem apoiada pela fotografia de Hélène Louvart, por exemplo, que explicam o prêmio Camera d’Or recebido, entre outros débuts do último Festival de Cannes. Kusijanovic maneja a crescente de opressão, desejo e violência entre os personagens até um momento em que o roteiro materializa com certo didatismo suas metáforas sobre o cativeiro familiar e o isolamento da adolescente que deseja conhecer o mundo. As águas que são confortáveis para Julija também lhe oferecem risco, mas, ainda assim, ela e Murina desejam se arriscar nelas, tal qual na canção Volver a los 17, da chilena Violeta Parra e eternizada pela cantora argentina Mercedes Sosa, que toca nos créditos finais.
Murina (Murina, 2021)
Duração: 92 min | Classificação: 16 anos
Direção: Antoneta Alamat Kusijanovic
Roteiro: Antoneta Alamat Kusijanovic e Frank Graziano
Elenco: Gracija Filipović, Danica Čurčić, Leon Lučev e Cliff Curtis (veja + no site)
Produção: Croácia, Brasil, EUA e Eslovênia
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 28/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações
> Espaço Itaú Frei Caneca - Sala 4 – 31/10/2021, domingo às 14h00
+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play
Lua Azul (Crai Nou, 2021)
Depois de estar em diversos filmes que colocaram a Romênia no mapa dos festivais, como Aurora (2010), de Cristi Puiu, a atriz Alina Grigore estreia na direção de longas com Lua Azul. Uma obra que, à imagem e semelhança de seus personagens, grita o ambiente caótico visto nos exemplares da Nova Onda do Cinema Romeno e, simultaneamente, foge do escopo temático comum das produções locais das últimas décadas em favor de um retrato familiar – que, ainda assim, reflete mazelas sociais, nacionais e universais. No caso, ao acompanhar a jovem Irina (Ioana Chitu) e o clã que a sufoca dos sonhos de estudar na capital Bucareste em favor do negócio da família.
Desde a sequência inicial, com a visita do pai ausente à filha que mora com a irmã (Ioana Ilinca Neacsu), os tios e primos em uma pousada no interior do país, as brigas e discussões são frequentes, principalmente com o controlador e colérico primo Liviu (Mircea Postelnicu). Por isso, quando em uma festa que deveria ser o seu momento de respiro, ela acorda e descobre a violência sexual que sofreu, a mesma age com igual resiliência e até atração pelo seu perpetrador, como uma repetição de padrões ou, simplesmente, a forma torta que ela encontra de escapar dos algozes anteriores, nas ciladas que a opressão do patriarcado arma para as mulheres. Contudo, apesar de ter a chancela do prêmio de Melhor Filme no Festival de San Sebastián, falta ao roteiro de Grigore o desenvolvimento dos personagens e, a sua direção, dosar a histeria para que o filme possa fugir da opressão criativa gerada pela sua própria proposta.
Lua Azul (Crai Nou, 2021)
Duração: 90 min | Classificação: 16 anos
Direção: Alina Grigore
Roteiro: Alina Grigore
Elenco: Ioana Chitu, Mircea Postelnicu, Mircea Silaghi, Vlad Ivanov e Emil Mandanac (veja + no site)
Produção: Romênia
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 29/10/2021)
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 750 visualizações
+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play
Na Prisão Evin (At the End of Evin, 2021)
Tal qual a figura nunca vista da protagonista, uma mulher transgênero na rígida sociedade iraniana, Na Prisão Evin é uma obra peculiar dentro do cinema daquele país. O primeiro longa da dupla Mohammed Torab-Beig e Mehdi Torab-Beig parte da proposta pouco habitual de filmar integralmente do ponto de vista de Amen (voz de Mehri Kazemi) e jogar o espectador no jogo ao qual a jovem é levada quando o rico Naser (Mehdi Pakdel), apresentado pela recente amiga Nilo (Shabnam Dadkhah) se oferece para pagar a sua tão desejada, mas custosa cirurgia de redesignação de gênero. Gradualmente, o pedido para ficar em sua casa e se fazer passar pela filha dele vai incluindo novas camadas de mistério sobre as reais intenções daquele homem e de outros personagens.
Esse caminho narrativo que, talvez, seja uma tentativa de não deixar enfadonho o recurso da câmera em primeira pessoa, acaba sobrepondo elementos difusos, que parecem mais repetitivos ou confusos de um suspense rocambolesco do que enriquecem a construção da protagonista, muito menos dos coadjuvantes. O que acaba por prejudicar a própria escolha conceitual, pois, por mais que a experiência de ver a história pelo olhar de Amen gere identificação, o atordoamento da personagem frente ao que os outros lhe dizem não revela quem ela é enquanto pessoa. A produção, portanto, fica na corda bamba de ser um filme transgressivo em seu país pelo seu tema e estilo, mas dissipar estes efeitos pela execução equivocada dessas ideias.
Na Prisão Evin (At the End of Evin, 2021)
Duração: 78 min | Classificação: 16 anos
Direção: Mohammed Torab-Beig e Mehdi Torab-Beig
Roteiro: Mehdi Torab-Beig e Mohammed Torab-Beig
Elenco: Mehdi Pakdel, Ra’na Azadivar, Ali Baqeri, Babak Karimi e Farid Samavati (veja + no site)
Produção: Irã
*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 27/10/2021)
Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento
>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 500 visualizações
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