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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2020 | Uma aranha que continua a subir

Atualizado: 5 de nov. de 2020


Gabriel Urzúa e María Valverde em cena do romance histórico e político chileno Araña (2019), filme de Andrés Wood | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

O novo filme do cineasta chileno Andrés Wood, Araña (2019) é constituído por dicotomias que nem sempre funcionam no equilíbrio de suas oposições, mas traz luz a questões, infelizmente, ainda pertinentes à atualidade. O diretor de Machuca (2004) retorna ao turbulento início dos anos 1970, em um Chile fraturado entre o governo socialista de Salvador Allende e o início da duradoura ditadura de Augusto Pinochet; porém, agora mostrando como os ecos do passado repercutem ainda mais em um presente instável no país, vide as violentas manifestações e repressão que eclodiram em outubro do ano passado e o plebiscito constitucional que a população vota hoje, 25 de outubro de 2020. Dado o histórico latino-americano e um contexto atual também nada animador, não é de se espantar que o longa seja uma coprodução com a Argentina e o Brasil, tendo do nosso lado a participação do ator Caio Blat, da produtora Paula Cosenza, do compositor Antonio Pinto assinando a trilha sonora, Miriam Biderman, Ricardo Reis e outros profissionais a frente do departamento de som.


Assim, o título exibido nos festivais de San Sebastián e Toronto se inicia com a placidez da privilegiada rotina da empresária Inés Furtado (a argentina Mercedes Morán) confrontada com um olhar agridoce para a Santiago dos dias atuais, entre os passos de dança dos jovens, a grande presença de moradores de rua e um rapaz que rouba a bolsa de uma mulher. Este é o ponto de vista de Gerardo (Marcelo Alonso) do seu carro, de onde ele decide perseguir o ladrão até que o atropela sem dó. Se, em um ambiente de violência crescente e sensação de impunidade, é comum a população apoiar atos de justiçamento como este – acho que não é preciso me deter na gravidade dessas ações –, aquele que poderia ser chamado por alguns como “herói do dia”, logo é identificado como um criminoso que ressurge das cinzas, sendo levado pela polícia quando material suspeito é encontrado no seu porta-malas e a notícia chega aos ouvidos da outra protagonista, assustando-a.


Os investigadores vão periciar a sua casa e, através de um pôster da Rainha Universitária de 1971, o filme abre uma elipse temporal para o passado, voltando ao momento em que o jovem e esquentado Gerardo (Pedro Fontaine) conhece a musa em questão, a sedutora Inés em sua juventude (a espanhola María Valverde), acompanhada do seu marido Justo (Gabriel Urzúa e Felipe Armas quando mais velho). O casal o convida para fazer parte da luta “contra a política tradicional” no que, sob o ponto de vista deles ao qual o filme adota, trata-se de um grupo anticomunista e defesa da soberania chilena, mas que, sob as palavras de um real documentário alemão que é mesclado com as filmagens fictícias, é devidamente apresentado como o movimento paramilitar de caráter fascista Pátria e Liberdade, que reunia “filhos da oligarquia e marginalizados” e tinha como símbolo uma aranha. Fruto de um sentimento de insatisfação da elite com o governo Allende, a organização fazia seu ativismo concomitante a ataques terroristas para derrotar aqueles que consideravam como inimigos, os marxistas, embora também se declarassem anticapitalistas.


Em meio a este contexto, a trama se envolve em um triângulo amoroso entre Gerardo, Inés e Justo, em um recurso recorrente de usar um romance para retratar a jovem militância, seja de qualquer orientação política, que, geralmente, se mostra falho, como acontece aqui. Apesar da interessante química entre Valverde e Fontaine, não existe necessariamente um grande desenvolvimento dessa relação, bem como há uma diluição do debate político em questão, ainda mais pela escolha autoral de Wood, da mesma maneira que a narrativa não engrena nas suas duas facetas temporais. Ainda assim, se a humanização que a obra traz para esses personagens pode ser mal interpretada, reside o importante alerta neste retrato deles como pessoas normais e não “monstros” ou “loucos”; especialmente, neste segundo caso, algo que fica sugestionado, mas pouco trabalhado na interação da jovem psiquiatra Nadia (María Gracia Omegna), sobre a diferença entre transtornos mentais e maldade humana.


Observa-se, portanto, que agentes que ajudaram a instaurar a ditadura no país saíram da luta armada e, permaneceram até hoje, na elite social, cultural e política chilena, enquanto os que não gozaram do mesmo privilégio e se encontram descontentes com os rumos do país fazem ressurgir o nacionalismo, sendo os imigrantes o bode expiatório aqui para problemas que datam de décadas passadas. Se o final de Araña é extremo neste sentido, para romper qualquer dúvida sobre o caráter de seus personagens, a realidade não é menos alarmante quando, em meio à legítima insatisfação popular em relação à desigualdade econômica e social vista nos protestos no Chile desde 2019, o símbolo da aranha negra voltou a surgir e ataques foram realizados em nome do “Patria y Libertad”. Uma história que, infelizmente, não é totalmente estranha aos brasileiros desde 2013.



=> Confira as críticas de outros filmes desta 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

 

Araña (ou Aranha) (Araña, 2019)

Duração: 105 min | Classificação: 16 anos

Direção: Andrés Wood

Roteiro: Guillermo Calderón e Andrés Wood

Elenco: Mercedes Morán, María Valverde, Marcelo Alonso, Felipe Armas, Gabriel Urzúa, Pedro Fontaine, Caio Blat, Maria Gracia Omegna e Mario Horton (veja + no site)

Produção: Chile, Argentina e Brasil

Distribuição: Pandora Filmes

> Disponível no Mostra Play, das 22h de 22/10 (quinta) a 04/11/2020 (quarta), com limite de até 2.000 visualizações

> Sessão – Belas Artes Drive-in – 01/11/2020 (domingo), às 21h19



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