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  • Foto do escritorNayara Reynaud

GRAMADO 2020 | Dia 4 – A arte de viver

Atualizado: 23 de set. de 2020


Frastival de Cinema de Gramado 2020: Wander Vi (2020) | Extratos (2019) | O Samba É Primo do Jazz (2020) | El Gran Viaje al País Pequeño (2019) | Fotos: Divulgação (Festival de Gramado)

Em uma noite exclusiva para documentários, o 48º Festival de Cinema de Gramado teve a vida de artistas, em todas as dificuldades para viver de arte, como fio condutor das produções brasileiras na sessão desta segunda (21). A quarta noite do evento começou com o retrato de um jovem tentando fazer da música a sua profissão no curta brasiliense Wander Vi (2020), seguido por Sinai Sganzerla trazendo os Extratos (2019) do exílio de seus pais, Helena Ignez e Rogério Sganzerla, perseguidos durante a Ditadura por causa de seus filmes. A trajetória musical de Alcione guia o longa O Samba É Primo do Jazz (2020), de Angela Zoé, enquanto o título uruguaio El Gran Viaje al País Pequeño (2019) aborda o processo de adaptação à uma nova cultura e modo de vida de refugiados sírios no Uruguai, como você confere a seguir.

 

Wander Vi (2020) e Extratos (2019)

O artista brasiliense Wander Vi em cena do curta documentário homônimo, Wander Vi (2020), de Augusto Borges e Nathalya Brum | Foto: Divulgação (Festival de Gramado)

A produção brasiliense Wander Vi é um retrato personalista de um artista de mesmo nome, vindo de cidades-satélites como Samambaia e Ceilândia, que tenta se firmar profissionalmente no meio, enquanto desponta na cena musical local. O cantor mostra sua potente voz, seja cantando Back at One, de Brian McKnight, ou suas próprias composições, além de seu gosto pela dança, mas também fala das dificuldades de viver de música. O jovem concilia seu trabalho noturno de auditoria com a gravação de seu primeiro EP, enquanto revela seus macetes para se virar em uma tão área onerosa que, muitas vezes, impede o seu ingresso.


“A arte é cara”, frisa a diretora Nathalya Brum em uma conversa trivial com seu personagem, a abordagem de uma nota só a qual fica preso o curta que realiza ao lado de Augusto Borges. Fora as inserções que emulam filmagens em 16mm de suas apresentações musicais e seus ensaios de dança, grande parte da entrevista com o artista é realizada em um carro por aplicativo, mas não há a sagacidade, por parte dos jovens cineastas, em transformar este dispositivo em narrativo e conferir ritmo ao registrar a sua rotina de jornada dupla, por exemplo. Wander Vi é uma figura carismática, porém, falta ao filme imprimir dinâmica ao seu interessante relato pessoal para dar conta dos desafios enfrentados por ele e tantos outros que buscam sobreviver no meio artístico.


O cineasta Rogério Sganzerla e a atriz e diretora Helena Ignez em cena do curta-metragem Extratos (2019), documentário realizado pela filha Sinai Sganzerla | Foto: Divulgação (Festival de Gramado)

E se as barreiras sociais e econômicas já tornam esta empreitada difícil, o que fazer quando o país vive um estado de exceção e sua arte não é mais bem-vinda. É o que mostra Extratos, curta de Sinai Sganzerla que ressignifica as filmagens realizadas por seus pais, a atriz e diretora Helena Ignez e o cineasta Rogério Sganzerla, durante os anos de 1970 e 1972, em plena Ditadura. As imagens do casal no Rio de Janeiro, Salvador, Londres, Marrakech, Rabat e na região do deserto do Saara recebem a narração da própria mãe, pontuando como foi esse período para eles, de extrair-se neste exílio.


Foi, igualmente, aproveitar a efervescência de Londres quanto sentir saudades de casa, uma dicotomia assinalada pelo uso de músicas de Gilberto Gil, ou se aventurar ao limite no deserto, como demonstram os registros com cores acentuadas por Sganzerla. Quando Ignez fala sobre “tirar seu corpo fora” ou de “um país que não gostava dos artistas”, é inevitável não traçar os paralelos com as campanhas de difamação e perseguição ideológica que atinge grande parte da classe artística atualmente. Mas quando a filha encerra essa narrativa autocentrada com a volta dos pais para o Brasil, onde ficaram “semiescondidos” em Salvador, a imagem de Helena grávida de Sinai se banhando ao mar traz uma mensagem esperançosa neste encontro de um oásis em meio ao caos de ontem e hoje.

 

Competição de Curtas-Metragens Brasileiros

Wander Vi (2020)

Duração: 19 min 56 s

Direção: Augusto Borges e Nathalya Brum

Roteiro: Augusto Borges e Nathalya Brum

Elenco: Wander Vi (veja + no site)

Produção: Brasil (Distrito Federal)

Extratos (2019)

Duração: 8 min

Direção: Sinai Sganzerla

Roteiro: Sinai Sganzerla

Elenco: Helena Ignez e Rogério Sganzerla (veja + no site)

Produção: Brasil (São Paulo)

 

A cantora Alcione em cena do documentário O Samba É Primo do Jazz (2020), de Angela Zoé | Foto: Divulgação (Festival de Gramado)

“Minha patroa”. É assim que Alcione é chamada por Alexandre Menezes, diretor musical da Banda do Sol, que acompanha a cantora há anos. É como a cineasta Angela Zoé, depois da intimidade adquirida nas filmagens, brinca com ela lhe desejando boa sorte antes do show. E, provavelmente, deve ser como o público se referirá à artista maranhense depois de ser arrebatado mais uma vez por sua força ao assistir o documentário que resgata sua trajetória musical, O Samba É Primo do Jazz.


O longa da mesma diretora de Henfil (2017) e outros retratos documentais biográficos começa promissor com o registro do ensaio com a sua banda. É a música em seu estado mais bruto, como processo e não em seu produto final, do cantar e tocar despretensioso para estruturar as interpretações e arranjos que subirão ao palco, da artista sem performance lidando com seus colegas músicos. São confissões e relatos entregues organicamente durante o trabalho sobre quem é a Alcione Dias Nazareth dos bastidores.


Logo, surge o outro ponto essencial dessa obra na forte relação da cantora com suas irmãs Ivone, Maria Helena e Solange Nazareth, sendo que a segunda é sua backing vocal e empresária, função exercida também pela última. A irmandade delas aparece naturalmente enquanto trabalham, mas é também explicitada por depoimentos à equipe de filmagem e declarações antigas. É a partir de então que o documentário se rende a um caminho mais formatado, do talking head e das imagens de arquivo, com entrevistas da artista para Grande Otelo, Marília Gabriela, Hebe e outros programas.


A narrativa segue uma linha cronológica e/ou temática que aborda superficialmente vários assuntos, desde a influência do pai, maestro da banda militar e professor de música, o breve período em que também lecionou em São Luís, até decidir investir em sua carreira musical indo para o Rio de Janeiro, onde foi cantar na noite. O seu talento como musicista, especialmente tocando trompete, que tornou um de seus diferenciais, tal qual a influência do tambor de crioula e do jazz – como indica o título retirado do nome de uma música dela – na sua entrada no samba, bem como sua conhecida paixão pela Estação Primeira de Mangueira. E ainda sua passagem por um concurso do programa do Flávio Cavalcanti, para depois ganhar seu próprio especial musical, Alerta Geral (1979-81), exibido mensalmente na Rede Globo.


Contudo, somente no passeio de tuk-tuk pelas ruas de Lisboa, onde a artista foi se apresentar em uma famosa casa de espetáculos local, é que Zoé volta a extrair um registro mais íntimo dela. Mesmo que rapidamente, vem à tona a Alcione mulher, falando da intensidade das suas paixões, iguais aquelas que canta em Loba e outras músicas, ou a humana, descrevendo seu sincretismo religioso. São instantes como esses e os iniciais no qual O Samba É Primo do Jazz que, desde o princípio se mostra comprometido demais no bom e tranquilo retrato de sua personagem, evidencia o documentário diferenciado, mas atento à essência de sua biografada, que poderia ser.

 

Duração: 70 min

Direção: Angela Zoé

Roteiro: Angela Zoé e Luis Abramo (veja + no site)

Produção: Brasil (Rio de Janeiro)

Distribuição: O2 Play

 

El Gran Viaje al País Pequeño (2019)


Sanaa e Ibrahim Almohammad em cena do documentário uruguaio El Gran Viaje al País Pequeño (2019), de Mariana Viñoles | Foto: Divulgação (Festival de Gramado)

Voltando ao tema do exílio, levantado antes na programação do festival pelo curta nacional Extratos, o documentário uruguaio El Gran Viaje al País Pequeño é também o retorno da cineasta Mariana Viñoles a esta questão que sempre esteve presente na sua vida pessoal e filmografia, como expõe o longa Exilados (2011). No entanto, agora, a sua lente se volta ao desafio do acolhimento das pessoas obrigadas a saírem de seus países. Acompanha, portanto, uma família de refugiados sírios e mais alguns dos 120 compatriotas que foram abrigados no Uruguai, durante uma missão humanitária da ONU realizada em 2014.


O filme inicia com uma entrevista do casal Sanaa e Ibrahim Almohammad, junto com seus dois filhos pequenos, ainda no Líbano, onde moravam em um campo de refugiados e reclamavam das condições e do preconceito sofrido no país vizinho, enquanto sonhavam uma vida nova para a família, que estava prestes a ganhar mais um membro, no pequeno país da América do Sul, sem mesquitas e sem uma grande comunidade síria, como no Brasil ou na Argentina. O voo para o Uruguai é regado a choro da mulher grávida e há animação na chegada do grupo no aeroporto, com direito à recepção do então presidente Pepe Mujica. Mas depois de um breve período de adaptação conjunto e a relocação de todos para as suas designadas moradias, nem tudo são flores.


A diretora narra que Sanaa teve um parto complicado e, por causa da falta de apoio do Estado, ela e Ibrahim se sentem tão enganados que não desejam ser filmados. Ela vai então ao encontro de um amigo sírio deles, um senhor pai de uma numerosa família transferida para o interior, que chama o governo de mentiroso por não conseguir trabalhar em sua terra, algo proclamado também por um grupo de refugiados que organiza uma manifestação com presença da imprensa, para acusar o governo do Uruguai de ludibriá-los prometendo o paraíso, mas oferecendo auxílio moradia por apenas dois anos. A cineasta chega a contemporizar que esse erro possa ter a ver com a utopia uruguaia de se achar um país perfeito, enquanto esses estrangeiros enxergam seus problemas sociais, porém, não aprofunda nem a questão política quanto essa da autoimagem de sua nação.


Ao contrário, continua observando os passos dos Almohammad, ao qual retorna a ter contato e a focar sua narrativa sobre o choque entre o desejo deles de uma arriscada volta à terra natal, para junto de seus familiares, e a necessidade de conformar-se com a situação atual ao ver a continuidade da Guerra Civil na Síria e perceber que não terão tão cedo a vida que conheciam. Bem como do segundo clã, em que as filhas mais velhas adolescentes decidem ir para a cidade e se mostram mais aptas nesse processo de adaptação do que o pai. Viñoles obtém boas cenas, como a do menino a “dirigindo” para filmar a ovelha, mas há certa passividade na sua direção trazendo uma queda de ritmo no documentário em vários pontos, até o final, quando, depois de muita intimidade com seus personagens, consegue o relato de Ibrahim sobre o bombardeio que os fez sair de seu país e um singelo momento de emancipação feminina de Sanaa emancipada, voltando a ter esperança de um futuro para sua família.

 

Competição de Longas-Metragens Estrangeiros

Duração: 105 min | Classificação: Livre

Direção: Mariana Viñoles

Roteiro: Mariana Viñoles

Elenco: Sanaa e Ibrahim Almohammad (veja + no site)

Produção: Uruguai

Distribuição: Micaela Solé (Uruguai)



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