RAPadura | O rap que se veste de Nordeste
Nome completo: Francisco Igor Almeida do Santos
Nome artístico: RAPadura, ou também RAPadura Xique-Chico
Data de nascimento: 11/07/1984
Local de origem: Fortaleza, Ceará, Brasil
Veículo (ou como chegou até nosso conhecimento): novos lançamentos na Deezer
É até estranho retomar esta seção dedicada a descobertas do mundo da música tendo alguém com 22 anos de carreira como o rapper cearense RAPadura Xique-Chico. Se não é possível chama-lo de revelação, ainda é necessário chamar a atenção do público que, mesmo com a popularização cada vez maior do hip hop no Brasil e a ascensão de nomes do Nordeste no rap nacional, precisa descobrir o trabalho de um dos principais artistas desta cena, valorizando a cultura nordestina ao aliar a tradição lírica e poética regional com o gênero internacional. Uma mistura de ritmos única, que agora é reconhecida com uma indicação ao GRAMMY Latino para o disco Universo do Canto Falado (2020), na categoria de Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa.
Rapadura se apresentando no programa Manos e Minas, da TV Cultura, em 2010
Nascido Francisco Igor Almeida dos Santos em Lagoa Seca, bairro de Fortaleza, saiu da capital do Ceará aos 13 anos, quando a família se mudou para a cidade-satélite de Planaltina, no Distrito Federal, onde passou a ter contato com o hip hop como manifestação cultural daquele ambiente periférico. Ao mergulhar no gênero, porém, trouxe consigo a bagagem que trouxe consigo do Nordeste, fazendo de seu rap, repente e embolada urbanos, mas ainda reverentes às raízes sertanejas, com a grande influência do xote, baião, coco, maracatu e outros ritmos regionais. O rapper começou a aparecer na cena brasiliense em 2006, ao participar da faixa A Quem Possa Interessar, sendo apresentado por GOC, considerado um dos pioneiros do hip hop local, para despontar nacionalmente no ano seguinte, ganhando o Prêmio Hutúz de Melhor Grupo ou Artista Solo Norte/Nordeste, em 2007, e um dos melhores da década, na edição final da premiação, em 2009.
Em 2010, lançou sua primeira mixtape, chamada Fita Embolada do Engenho, Vol. 1: Na Boca do Povo (2010), em que homenageava vários ícones nordestinos nos versos, indo de tradições culturais a Ariano Suassuna e a poesia popular, e igualmente ao utilizar samples de canções de Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, e Marinês, a “Rainha do Xaxado”. E tal qual indicava na faixa Norte Nordeste me Veste, fez do chapéu de palha a sua marca registrada, com um visual que complementa a sua identidade musical. Anos depois, ele viria a cantar parte esse single no mashup com Reza Vela, da banda carioca O Rappa, na gravação do álbum do grupo Acústico naOficina Francisco Brennand, em 2016, assim como usou versos de Universo de Versos em Expurgo, parceria com o pernambucano Diomedes Chinaski, o baiano Baco Exu do Blues – veja mais sobre o seu último álbum aqui – e o carioca Nissin, feita logo após a polêmica diss dos dois primeiros, Sulicídio.
Mesmo com o grito da cena nordestina para se atentar que o rap nacional existe fora do eixo Rio-São Paulo e o sucesso destes e outros nomes locais, somente neste ano, RAPadura conseguiu lançar o seu primeiro álbum, Universo do Canto Falado, mais exatamente em 8 de maio de 2020, sendo logo indicado dentre os discos de rock e música alternativa em português desta 21ª edição do GRAMMY Latino. Impossível de rotular, o trabalho que o próprio define como “invasor de prateleiras”, na entrevista para Antonio Laudenir no Diário do Nordeste, traz o artista embarcando no imaginário musical e poético do Nordeste, junto a novas referências: Aboio, leva o tradicional canto dos vaqueiros para conduzir o gado; é possível ouvir o folk nordestino de Zé Ramalho e de outros expoentes; tem o rap rock dos anos 1990, além da participação da banda BaianaSystem, em Olho de Boi; e ainda há um toque de reggae, carimbó e salsa em País Sem Norte. Além da riqueza rítmica, as letras também são carregadas de símbolos regionais em letras que expressam seu cunho político, seja no esquecimento dos governantes em relação ao povo da região, manifestado nos versos e no videoclipe de Quebra-Queixo, cujo vídeo dirigido por Ricardo Costa e José Simonetti se inspira no filme Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra; ou no paralelo entre os migrantes e os imigrantes refugiados pelo país, por exemplo.
As colaborações com outros artistas do hip-hop nacional ou de outros gêneros também tem ajudado a levar o nome do RAPadura para outros públicos. Ao lado de Rashid, gravou Interior, em 2018, quando o rapper paulista falou que o “melhor speed flow que você ouviu vem do Ceará”, algo comprovado em Piauí, uma das faixas da investida do comediante e ator piauiense Whindersson Nunes pelo trap, no álbum homônimo lançado em 2020, sob o codinome Lil Whind. Com o artista de grande sucesso na internet, o cearense também participou do mais recente single Agora.
E se o rapper conta que, segundo o seu avô, se ouvia as ondas sonoras das rádios da Jamaica e do Caribe no sertão, em meados do século passado, e já versou que a origem do hip hop veio dos jamaicanos, nada mais natural suas parcerias recentes com as bandas de reggae paulista Mato Seco, no manifesto de Levante Popular, e dos cariocas da Ponto de Equilibrio, na mistura de dancehall, xote e xaxado, de Fire, que ainda conta com a participação do jamaicano Kumar. No entanto, se RAPadura ainda está galgando o seu merecido espaço no cenário nacional, o artista utiliza da sua posição para ajudar a promover jovens artistas do hip hop no projeto Safra Ouro, Vol. 1 (2020), que, neste volume de estreia, jogou os holofotes sobre os novos nomes da cena brasiliense. Aprendizes que precisam ser conhecidos, assim como o seu “Mestre”.
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