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  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2021 | Entrevista com Dan Mirvish, diretor de “18½”


O cineasta norte-americano Dan Mirvish durante as filmagens do filme 18½ (18½, 2021) | Foto: Divulgação (Dan Mirvish)

“Um filme sobre Watergate e segredos governamentais ressoa com o clima político atual e se mantém relevante para os próximos anos”. É assim, olhando o passado para refletir sobre o presente e o futuro que surgiu a ideia do filme 18½ (18½, 2021), a partir da eleição do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de acordo com o diretor Dan Mirvish. O cineasta norte-americano que já esteve na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo de 2017, apresentando o longa-metragem anterior Bernard e Huey (2017), retorna quatro anos depois ao evento na capital paulista, nesta 45ª edição, para mostrar seu novo trabalho, um thriller político cômico que toma como base o escândalo de Watergate, quando o escritório de campanha do Partido Democrata foi invadido em 17 de junho de 1972 para coletar dados de documentos e instalar escutas, uma operação ilegal a qual, se soube após investigações, o presidente Richard Nixon, que se reelegeria naquelas eleições, tinha pleno conhecimento. O roteiro de Daniel Moya traz a jovem Connie, interpretada por Willa Fitzgerald, que trabalha com transcrição de áudio na Casa Branca e, em 1974, descobre uma gravação com os famosos – ainda que até hoje desconhecidos – 18 minutos e meio que foram apagados da fita em que Nixon confessava isso e que o levou à renúncia, e tenta mostrar o achado a um repórter vivido por John Magaro.


Em entrevista ao NERVOS, o cineasta conta sobre o processo de unir a história à ficção em 18½, as dificuldades com as filmagens interrompidas pela pandemia, como a sua visita anterior a São Paulo e a Mostra SP influenciaram na trilha sonora e no roteiro do longa e a situação atual do mercado cinematográfico, especialmente o de festivais, entre outros temas que você pode conferir a seguir.

 

Sei que o ponto de partida para fazer este filme foi a eleição de Donald Trump [em 2016, nos Estados Unidos]. Então, naquele momento, como você achava que a figura dele estava conectada com a do ex-presidente Richard Nixon, além do jeito controverso deles?


Dan Mirvish: Naturalmente, no início do mandato de Trump, nós não sabíamos exatamente como seria. Mas já na sua campanha, ele exibia várias semelhanças com Nixon: a paranoia, o ódio à imprensa livre, cercando-se de bajuladores incompetentes, a vontade de tirar dinheiro de qualquer pessoa e usá-lo para seus próprios caprichos. É claro que, à medida que avançava, víamos esses paralelos se manifestarem de modo mais concreto, com os dois [processos de] impeachments e a forma que ele respondeu a eles. Estranhamento, quanto mais Trump virava Trump, melhor fazia Nixon parecer em retrospecto!


E como testemunhar tudo que aconteceu nos anos de governo Trump ajudou a moldar a era Nixon que você e Daniel Moya recriaram no filme?


Enquanto a escrita do roteiro acontecia, sabíamos que seria imprevisível saber quando finalizaríamos o longa-metragem ou que circunstâncias Trump estaria quando as pessoas o assistissem. Então, tivemos que escrever para longo prazo e essa a vantagem de fazer filme de época que é um comentário sobre a política contemporânea: te liberta de ser hiper-oportuno quando ele é lançado. Sempre soubemos que os ecos de Nixon e do Watergate estariam conosco nos Estados Unidos por décadas e seria igualmente notável para vários outros países que passaram – ou estão passando – por crises de liderança similares. Tematicamente, um filme sobre Watergate e segredos governamentais ressoa com o clima político atual e se mantém relevante para os próximos anos.


Em outras palavras, por mais tentador que fosse ir atualizando o roteiro para traçar paralelos com Trump, resistimos em ser bem específicos.



Como foi esse processo de pesquisa sobre o que realmente se sabe sobre o caso Watergate e criar um cenário e personagens ficcionais bem estilizados a partir disto?


Já tinha um bom conhecimento sobre o Watergate (por ter estudado História e Ciências Políticas, mas também por conhecer algumas das personalidades do caso). Para o meu parceiro de roteiro/produção, Daniel, que é bem novo, ele estava começando do zero. Mas nós sabíamos que seria um bom equilíbrio, porque obviamente queríamos todos os tipos de público com os diferentes tipos conhecimento pré-existente sobre o Watergate, seja por causa da idade ou localização geográfica. Então, nós dois ouvimos muitas das fitas de gravação reais de Nixon e lemos artigos, transcrições, livros, etc. Queríamos ter certeza que tudo que você realmente ouve na própria fita é baseado em gravações contemporâneas a ela que não foram apagadas ou em registros históricos que surgiram desde aquela época. Tinha que ser plausivelmente preciso. Mesmo toda a premissa da história é plausível: havia realmente vários escritórios que tinham esses sistemas de gravações e, de fato, há gravações do Nixon ouvindo a si mesmo em fitas e, comicamente, se atrapalhando com os botões. Uma vez que tínhamos um caminho plausível para a história, tivemos liberdade para usar nossos personagens ficcionais para brincar neste mundo real.



O diretor Dan Mirvish no set do filme norte-americano 18½ (18½, 2021) com os atores Willa Fitzgerald, Vondie Curtis Hall, John Magaro e Catherine Curtin | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Algo que se destaca em 18½ são os diálogos rápidos? Mas qual foi o desafio de trabalhar com os atores para dar vida à agilidade e comicidade dessas falas?


Bem, nosso primeiro desafio foi que não tínhamos nenhum tempo para ensaio. Nos meus últimos filmes, eu tive, pelo menos, alguns dias de ensaio, mas desta vez não. Felizmente, como estávamos todos hospedados no mesmo hotel, eu e os atores, às vezes, conseguíamos encontrar alguns momentos à noite para ensaiar ou apenas discutir sobre os personagens. Isso fez uma grande diferença no desenvolvimento da química entre os atores. Alguns deles ainda compartilhavam viagens de carro de três horas de Nova York até nossa locação, o que os ajudou a criar essa ligação. Também, eles são todos atores muito bons e experientes, o que ajuda demais. Para a primeira parte das filmagens, nós todos passamos por essa experiência compartilhada de uma pandemia iminente, o que, definitivamente, aumentou a tensão e paranoia que já eram intrínsecas ao roteiro. Mas também aumentou a necessidade de terminar tudo rapidamente, enquanto ainda estávamos todos lá e saudáveis. No geral, gosto de diálagos rápidos em todos os meus filmes e uma das coisas que aprendi com Robert Altman [que foi seu mentor durante seu primeiro filme, Omaha (The Movie) (1995)] foi a sua técnica de gravar diálogos sobrepostos. Parte disso é técnico – cada ator tem seu microfone de lapela –, mas uma grande parte é só deixar os atores confortáveis com a sobreposição e deixa-los livres para falar uns sobre os outros – algo que não acontece nos sets tradicionais de Hollywood. Uma vez que você lhes dá liberdade, fica mais fácil das coisas rolarem. Por fim, como sou meu próprio montador, isso me deixa acelerar as coisas na pós-produção, ou desacelerar, se for o caso.



O ator John Magaro e a diretora de fotografia Elle Schneider no set do filme norte-americano 18½ (18½, 2021), nas filmagens realizadas durante a pandemia de Covid-19 | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

As filmagens foram interrompidas pela pandemia em março de 2020. Como foi o tempo de espera até voltar a filmar e quais diferenças você sentiu em trabalhar no set com os protocolos de segurança da Covid-19?


Acabamos esperando exatamente seis meses desde o início da nossa “pausa pandêmica” até que a janela de oportunidade se abriu, minimamente, para que todo o elenco e equipe voltassem com os novos protocolos de segurança estabelecidos pelo SAG e o DGA (os sindicatos dos atores e diretores). Fomos uns dos primeiros a voltar a gravar, então éramos uma espécie de cobaia para os sindicatos. Isso foi ainda na época, nos EUA, em que vários testes estavam levando duas semanas para sair o resultado e precisávamos de um tempo de resposta de 24 horas. Surpreendentemente, isso realmente funcionou! Encontramos hospitais que poderiam fazer nossos testes de PCR com velocidade suficiente para cumprir as regras sindicais. Tivemos sorte de já termos filmado as cenas de beijo, briga e dança na primeira parte das gravações e não temos nenhuma cena de multidão no filme, então nunca precisamos de bonecos infláveis para cenas de amor ou multidões de CGI [computação gráfica]. Consequentemente, não precisamos mesmo reescrever nenhuma cena para ajustar aos protocoles de Covid-19.


Ainda assim, foi muito difícil e estressante filmar com todos usando máscaras e faceshields. Normalmente em um set, o diretor pode discretamente sussurrar a direção para os atores e membros da equipe, mas entre máscaras, escudos e aparelhos de ventilação, eu acabava tendo de gritar coisa que era melhor deixar para um sussurro: “Pare de exagerar na atuação!!”, “Tire o boom do quadro!” e “Ei, nós podemos ver a sua máscara no quadro! Corta!!!”.


A boa notícia é que aproveitamos ao máximo aqueles 6 meses de parada. Conseguimos aproveitar para gravar com nossos incríveis dubladores Ted Raimi, Jon Cryer e Bruce Campbell. Originalmente, o plano era que iríamos esperar até a pós-produção para gravar com eles em um estúdio caro em Los Angeles. Com a pandemia, eles estavam espalhados em diferentes cidades em dois países, mas não tinham muita coisa rolando e todos estavam ficando familiarizados com o trabalho remoto. Então fizemos algumas reuniões no Zoom com um áudio um pouco mais sofisticado e foi mais rápido e, definitivamente, mais barato dessa maneira.


Durante esse tempo, também estava editando os 80% das filmagens que já tínhamos. Por sorte, em sua maioria, eram cenas independentes, o que significava que o compositor Luis Guerra também poderia começar a trabalhar na trilha sonora, o que não é comum antes de terminar as gravações. Como os atores, vários músicos ficaram em casa ou estúdios caseiros e Luis pode se unir a várias pessoas maravilhosas pelo mundo para nos ajudar. Foi aí que começamos a trabalhar com a [cantora] brasileira Caro Pierotto, que vive em Los Angeles.




Agora você tem a oportunidade de voltar à Mostra, depois de ter vindo na edição de 2017, com “Bernard e Huey”, e se inspirado na música brasileira para este novo filme. Queria que você detalhasse esse trabalho de inclusão da bossa nova, tanto no roteiro quanto na trilha.


Quando estava trabalhando no roteiro com o Daniel Moya, me peguei pensando no tom o filme. Como iríamos unificar tons díspares de comédia, thriller de espionagem, sensualidade e intriga política? Em todos os meus filmes, sei que a música é a grande unificadora para expressar o tom desejado. Também tenho outras regras minhas: não gosto de usar músicas pré-existentes. É caro conseguir os direitos e para um filme independente com meu orçamento, não funciona, e há também um uso exagerado de canções pop em filmes de época setentistas que tem se tornado um clichê.


Isso foi logo depois de voltar da Mostra em 2017, então tinha muito a música brasileira na minha cabeça. A equipe do festival levou os realizadores que ver várias bandas e um ensaio de Carnaval nas redondezas que me deixou muito impressionado. Quando estávamos ainda na fase de roteiro, percebi que a bossa nova funcionaria tanto no tom do filme como um todo, mas também contextualmente como um estilo de música favorito para o casal cosmopolita de meia-idade do longa (interpretados por Catherine Curtin como Lena e Vondie Curtis Hall como Samuel). Também serve à história de que eles foram ao Brasil e outros lugares, para o suposto trabalho de Samuel. Então a trilha sonora influenciou o roteiro e o roteiro influenciou a trilha sonora.


E as alusões à influência norte-americana nos golpes de Estado no Brasil e outros países da América Latina vieram também de conversas que você teve com as pessoas daqui?


Quando estava na Mostra em 2017, havia definitivamente manifestações políticas nas ruas que vi e passei um tempo discutindo o assunto com várias pessoas que encontrei em São Paulo. Principalmente, falamos sobre Bolsonaro e comparações com Trump. Mas eu sabia que havia essa conexão histórica com os golpes no Brasil e no Chile (passei um tempo no Chile também e, uma vez, fui atingido por gás lacrimogênio em uma manifestação anti-Pinochet em Santiago). Pela minha formação, lembrava algumas coisas das aulas, mas foi interessante que eu estava fazendo uma pesquisa adicional e via como todas as peças no roteiro começavam a fazer sentido juntas. Algumas das coisas históricas mais estranhas, como as conexões entre Nixon, ITT [International Telephone and Telegraph Corporation], os golpes no Brasil e no Chile, e até mesmo a [marca de pão de forma] Wonder Bread (que realmente pertencia à ITT na época), todas continham muita verdade por trás delas.



Você é um dos fundadores do Slamdance Film Festival, que foi criado em 1995 como resposta a Sundance com o objetivo de dar espaço a realizadores realmente independentes e/ou iniciantes. Desde então, o número de festivais nos Estados Unidos e pelo mundo têm crescido muito, incluindo os modelos de digitalização ou hibridismo que foram acelerados pela pandemia. Mas pela sua experiência em ambos os lados deste setor, é possível dizer que a democratização do acesso nos festivais ou de gêneros, estilos e temáticas em suas seleções estão realmente avançando?


De um lado, a proliferação de festivais de cinema internacionais tem sido um grande incentivo para cineastas independentes de todo o globo. Há menos gatekeepers para impedir que os realizadores encontrem seu público. Um diretor de terror de São Paulo tem bem mais chances de encontrar uma audiência no Texas ou na Espanha agora que há vários festivais especializados em gênero, por exemplo. Claro, há um grande número de filmes sendo feitos agora, desde que os meios de produção e pós se tornaram mais acessíveis com o digital em vez da película. E os festivais não são o único caminho para os cineastas terem seus filmes vistos hoje em dia. Um grupo de realizadores adolescente numa vila nigeriana podem ser notados por produtores hollywoodianos pelo Twitter e Facebook.


Mas a dura realidade é que os gatekeepers para a distribuição global de longas-metragens ainda usam os mesmos modelos que utilizavam há 40 anos. Se você não estrear em um dos oito tradicionais festivais do hemisfério norte (pense Cannes, Berlim, Veneza, Sundance...), você ainda não consegue uma distribuição “significativa” que terá impacto no zeitgeist. E se você já não tem um distribuidor, você não consegue entrar nestes festivais. É uma sinuca de bico e não mudou nem um pouco. Mesmo depois da pandemia, que todo mundo pensou que mudaria os paradigmas habituais, a resposta que tenho recebido é a mesma: “Ah, São Paulo?! Isso é legal, mas se não conseguir Veneza ou Berlim, nem entre em contato”. O que eles não estão percebendo é que muitos festivais – que foram todos online no ano passado e agora são híbridos, na maioria – muitas vezes pegam metade dos filmes de um ano tradicional e há dois anos de filmes lutando pela metade desses espaços. Portanto, a probabilidade de entrar em festivais é 25% do que poderia ser em um ano diferente. Acredito que a Mostra é provavelmente uma exceção, e Slamdance também, em não reduzir os números de filmes selecionados neste ano.


Quanto a mim, tenho lutado nas trincheiras no cinema independente por tanto tempo que minhas prioridades são um pouco diferente de muitos realizadores. Eu quero ir para festivais que são um pouco fora da curva. Prefiro trazer meu filme para o Brasil e mostrar solidariedade à comunidade cinéfila de São Paulo que sofreu com a Covid, Bolsonaro e o trágico incêndio da Cinemateca [Brasileira]. Para mim, os festivais são a maior parte da minha estratégia de mostrar o filme para públicos reais ao redor do mundo do que só usar os festivais como meio para conseguir distribuição ou um trabalho dirigindo uma série da Netflix. Dito isto, seria ótimo encontrar um distribuidor no Brasil para o filme ou exibi-lo em outros festivais pelo país.



E o que você pode adiantar dos seus próximos projetos?


Eu realmente não tenho nada planejado. Tendo a focar em um filme por vez e procurar por inspirações ao longo do caminho para o próximo projeto. E eu sei que 18½ ainda vai levar um bom tempo para ser trabalhado no circuito de festivais e, de um jeito ou de outro, ao menos teremos alguma distribuição em junho próximo, em que se completa 50 anos da invasão de Watergate que iniciou todo o escândalo. O que é interessante é que começou a haver algum interesse em adaptar o filme em uma série ou uma peça. Também temos planos de lançar um álbum da trilha sonora. Enquanto isso, no último verão (do hemisfério norte), também lancei a segunda edição do meu livro The Cheerful Subversive’s Guide to Independent Filmmaking [em tradução livre, O Guia do Alegre Subversivo para a Produção de Filmes Independentes] e tenho sido convidado para falar em muitas escolas de cinema, geralmente, em conjunto com exibições dos meus filmes.

 

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> os filmes norte-americanos Sete Dias de Maio (Seven Days in May, 1964), de John Frankenheimer; A Louca Missão do Dr. Schaefer (The President's Analyst, 1967), de Theodore J. Flicker; Klute, O Passado Condena (Klute, 1971), A Trama (The Parallax View, 1974) e Todos os Homens do Presidente (All the President's Men, 1976), de Alan J. Pakula; A Conversação (The Conversation, 1974), de Francis Ford Coppola; e Três Dias do Condor (Three Days of the Condor, 1975), de Sydney Pollack


Eu acho que se você gosta de 18½, daria uma olhada em alguns dos filmes que me inspiraram entre os thrillers de conspiração do final dos anos 60 e início dos anos 70



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