ESPÍRITO DE FAMÍLIA | Ausência presente
Em maior ou menor grau, a arte é sempre um meio de um autor processar e ressignificar suas próprias experiências, sentimentos ou pensamentos. É o que o cineasta Éric Besnard faz declaradamente em Espírito de Família (2019), sendo o filme uma forma de lidar com a morte de seu pai. A ausência se torna presença em um acerto de contas paternal e familiar nesta dramédia francesa em que um escritor ainda vê, escuta e discute com seu progenitor recém-falecido.
Tudo começa com uma visita familiar na casa dos pais, na região de Quiberon, onde o sempre ocupado Alexandre (Guillaume de Tonquédec) só quer escrever e, sem dar atenção a Jacques (François Berléand), mal vê seu pai cair morto alguns metros a sua frente. Pulando alguns meses, o público fica sabendo que o protagonista, que já costumava conversar com suas personagens, é atormentado pelo divertido espírito de sua figura paterna, algo que está afetando ainda mais a já complicada relação com o filho Max (Jules Gauzelin) e o casamento desgastado com Roxane (Isabelle Carré). O difícil será esconder essa questão de todos quando, ao retornar para um final de semana no lugar, ele é confrontado consigo mesmo e os problemas atuais de sua mãe Marguerite (Josiane Balasko) lidando com a viuvez, do sobrecarregado irmão Vincent (Jérémy Lopez), das crises da cunhada Sandrine (Marie-Julie Baup), sem contar com Napoléon (Papi Tokotuu), o jogador fijiano de rúgbi agenciado pelo caçula que deseja voltar para casa.
O filme não pretende estabelecer nenhum tratado espiritualista, somente usar o espírito paterno como recurso narrativo. Não por menos, o trocadilho do título se refere tanto ao caráter fantasmagórico do personagem de Jacques quanto ao sentimento familiar que aflora no protagonista, cujo arco de desenvolvimento gira em torno da compreensão de suas reais prioridades que, no caso da moral desta história, são “estar” com os seus entes queridos, ajudando e aproveitando os momentos compartilhados juntos. Tal entendimento, porém, não surge sem que o remorso de fantasmas do passado e o silêncio sobre os lutos do presente venham à tona para que Alexandre e todo o clã, vivo ou morto, consigam dar um rumo para suas vidas dali adiante.
Contudo, esse processo dos personagens não é bem cristalizado pelo roteiro e direção para envolver suficientemente o público. Se no anterior O Sentido do Amor (2015), Besnard construiu uma dramédia romântica de doce estranheza e melancólica beleza, o cineasta erra a mão para dosar a comédia e o drama de seu sexto longa. Há elementos conhecidos desses típicos retratos familiares, mas o tom, por vezes, se choca e o tratamento dado a personagens como Sandrine, com sua situação mental servindo mais para efeito cômico, também não contribui.
Um exemplo claro dessa falta de equilíbrio está no uso ostensivo da música Father and Son. Enunciada em três ocasiões, ela embala o choro do protagonista e dois momentos dele com o filho. O intuito é reforçar a mensagem dos dilemas da paternidade enfrentados em ambas as vias pelo personagem, a exemplo da repetição da falta de comunicação por gerações – ou talvez, apenas justificar o gasto com direitos autorais. Entretanto, acaba perdendo o efeito que a canção de Cat Stevens teria se fosse utilizada cirurgicamente em uma dessas cenas-chave.
Espírito de Família (L'Esprit de Famille, 2019)
Duração: 90 min | Classificação: 16 anos
Direção: Éric Besnard
Roteiro: Éric Besnard
Elenco: Guillaume de Tonquédec, François Berléand, Josiane Balasko, Isabelle Carré, Jérémy Lopez, Marie-Julie Baup, Jules Gauzelin e Papi Tokotuu (veja + no IMDb)
Distribuição: A2 Filmes
Plataformas: Google Play, iTunes, Looke, Microsoft, NOW, Sky Play e Vivo Play (VOD), a partir de 17 de setembro de 2020
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