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  • Foto do escritorNayara Reynaud

UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA | It's such a good feeling

Atualizado: 3 de ago. de 2021


Tom Hanks e Matthew Rhys em cena do filme Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood, 2019), de Marielle Heller | Foto: Divulgação (Sony Pictures)

Depois de despontar no cenário indie com seu début em O Diário de uma Adolescente (2015), a cineasta Marielle Heller foi apresentada ao grande público com Poderia Me Perdoar? (2018), produção discreta que foi indicada a três Oscars. Mesmo com o bom desempenho anterior, é surpreendente como agora, em mãos de um material aparentemente menos instigante e fadado ao formalismo narrativo e estético, a realizadora encontre uma forma para ousar e demonstrar mais o seu talento na direção de seu terceiro longa, Um Lindo Dia na Vizinhança (2019). Para tanto, ela não precisou ir muito longe e descobriu o caminho ao se apropriar da própria linguagem do seu personagem/objeto, o apresentador de programa infantil Fred Rogers (1928-2003).

Um ícone da infância de norte-americanos de várias gerações, sua trajetória foi resgatada recentemente no premiado documentário Won't You Be My Neighbor? (2018). Mas se o filme se tornou um hit, dentro do seu gênero, nas bilheterias dos Estados Unidos, por que, então, recontar a sua história de forma ficcional, logo um ano depois? Muitos diriam que o simples fato de ter Tom Hanks na pele de tão emblemática figura seria suficiente e a interpretação do ator, baixando seu tom para reverberar a serenidade que o compreensivo “vizinho” da TV transmitia às crianças, pode comprovar isto.

Contudo, tanto Heller quanto os roteiristas desejavam mais e, se não entregam uma clássica cinebiografia sobre a vida e carreira de Fred, captam a essência do Mister Rogers e a expressam neste filme. O roteiro de Noah Harpster, ator que iniciou nesta função em A Vida em Motéis (2012), e Micah Fitzerman-Blue, parceiro de escrita no mesmo longa e responsável por Malévola: Dona do Mal (2019), coloca o famoso apresentador como coadjuvante na trama, tomando como protagonista e guia do espectador o jornalista incumbido de escrever o seu perfil na revista Esquire. Livremente baseado no autor do real artigo que inspirou o filme, Can You Say ... Hero? (1998) de Tom Junod, Lloyd Vogel (Matthew Rhys) é um personagem mais cético e raivoso, que revive rancores passados ao reencontrar o pai (Chris Cooper), enquanto tem dificuldades para ser ele mesmo uma boa figura paterna ao seu pequeno filho com Andrea (Susan Kelechi Watson).

Tal opção se revela muito funcional de duas maneiras, sendo a primeira delas em termos de narrativa. Na medida em que o repórter com dificuldades para entender o sujeito de sua matéria mergulha no mundo do entrevistado, o longa também o apresenta àqueles que desconhecem a importância deste ícone norte-americano, seja por uma questão geracional ou geográfica, a exemplo da plateia brasileira com diferentes referências de infância. No entanto, a escolha é ainda mais efetiva ao dissolver a resistência do público, já que o olhar de cinismo de Lloyd sobre Fred e o mundo vai de encontro com um sentimento semelhante de parte dos espectadores, especialmente em tempos como os de hoje que desafiam a inocência de outrora, mas o filme quebra essas barreiras gradualmente, fazendo com que ambos compreendam a natureza benevolente de Rogers, bem como a humanidade de seu esforço para tanto.

Neste sentido, é extremamente belo como Heller deixa subentendida a raiva ou tristeza do personagem na cena final, pela combinação de uma pista indicada antes e do trabalho de iluminação. A diretora, porém, imprime sua marca desde o princípio, utilizando a estética e linguagem do próprio programa Mister Rogers' Neighborhood (1968-2001) já nas maquetes iguais a da atração infantil que apresentam Nova York e na quebra da quarta parede que acontecia quando o Mr. Rogers conversava diretamente com as crianças pela TV. Do mesmo modo, a cineasta propõe uma autolimitação de filmar como se estivesse de fato rodando o longa naquele ano de 1998, não só pela estilização pontual aos moldes da TV dos anos 90, mas sim pela sua decupagem de planos do protagonista chegando em casa ou na janela, que se assemelham ao cinema realizado na época – e a marca setentista na trilha sonora, com canções de Cat Stevens e Nick Drake, não destoa.

E se Poderia Me Perdoar? demonstrava que há humanidade mesmo na misantropia de sua história, Um Lindo Dia na Vizinhança opera bem no caminho inverso, não deixando de ver a dor, apesar de celebrar a alegria da vida. Em conjunto com um roteiro que abraça a metalinguagem, fazendo do filme uma espécie de episódio especial sobre este novo amigo na vizinhança do senhor Rogers, e o discurso didático e motivacional dele, Heller transforma a jornada de Vogel em um convite à reflexão e à empatia, endereçado direto ao público, seja pelas reconfortantes palavras proferidas pelo personagem, pelo olhar penetrante e carinhoso de Tom Hanks ou por um corajoso silêncio quebrando o barulho do dia-a-dia. E, assim, uma obra que tinha tudo para ser piegas, ao longo de quase duas horas, lhe entrega uma singela e eficiente mensagem sobre reconciliação, primeiro consigo mesmo e, por consequência, com os outros ao redor.

 

Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood, 2019)

Duração: 109 min | Classificação: 12 anos

Direção: Marielle Heller

Roteiro: Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue, baseado no livro “Can You Say ... Hero” de Tom Junod

Elenco: Tom Hanks, Matthew Rhys, Chris Cooper, Susan Kelechi Watson, Maryann Plunkett, Enrico Colantoni, Wendy Makkena, Tammy Blanchard, Noah Harpster e Carmen Cusack (veja + no IMDb)

Distribuição: Sony Pictures

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