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  • Foto do escritorNayara Reynaud

ROCKETMAN | Uma estrada de tijolos brilhantes e quebrados

Atualizado: 26 de nov. de 2020


Taron Egerton interpretando Elton John em cena da cinebiografia Rocketman (2019), filme de Dexter Fletcher | Foto: Divulgação (Paramount Pictures)

Até que não demorou muito, muito tempo para que a vida de Elton John ganhasse as telas do cinema com Rocketman (2019). Pensando que as homenagens em vida são mais difíceis de acontecerem no ramo das cinebiografias, o artista inglês ainda teve o privilégio de se envolver no projeto como produtor executivo e poder dizer a todos que este é o seu filme. No entanto, mesmo que tenha como roteirista o amigo Lee Hall, com quem já trabalhou na criação do musical Billy Elliot (2005) – as músicas foram compostas pelo pianista, enquanto o colega escreveu as letras e adaptou seu próprio texto do longa homônimo de 2000 –, o músico faz questão de que pontos tortuosos da sua trajetória não sejam escondidos, nem que a obra seja condescendente com sua figura.

Trata-se de uma liberdade artística que o diretor Dexter Fletcher não encontrou quando precisou assumir Bohemian Rhapsody (2018), nos 45 minutos do segundo tempo. Chamado após o desligamento de Bryan Singer da produção sobre o também ícone britânico Freddie Mercury, o falecido vocalista do Queen, o cineasta apenas conduziu poucas cenas e participou da montagem. No entanto, é possível perceber no seu trabalho anterior no gênero com Sunshine on Leith (2013), na maneira como eleva o roteiro fraco que tinha em mãos naquele musical sobre a banda escocesa de folk rock The Proclaimers, o potencial dele para trabalhar com um material mais rico como a vida de Elton, com todo o seu brilho e aquilo que chamam de tristeza.

Fletcher não se faz de rogado em usar a estrutura de um jukebox musical – aquele de repertório popular e não criado para a produção em questão – para construir esta cinebiografia, uma opção que, por si só, permite a inclusão de recursos mais lúdicos na narrativa e liberta tanto Hall quanto ele de se prenderem a um relato completamente histórico. A sua direção, portanto, voa longe, tal qual a pomba no horizonte, se aproveitando da fantasia presente em diversas músicas do cantor e no seu estilo glam rock para trazer estes elementos ao filme, a exemplo da gravidade zero na cena do Troubadour com Crocodilo Rock ou a sequência de Rocket Man que vai da piscina ao espaço. Mais que isso, a dupla criativa confia na inteligência do espectador, não se apoiando em descrições ou diálogos expositivos para delimitar as passagens de tempo, locais e momentos, que são, na realidade, condensados em números musicais, figurinos e outros símbolos.

Com sagacidade, o roteiro utiliza as conversas da terapia em grupo de um cansado Elton Hercules John, vivido por Taron Egerton, como um recurso narrativo que introduz as suas lembranças, desde quando ele e o rock eram jovens. Com seu exuberante e inusitado traje laranja, ele adentra a recordação desbotada, quase em sépia, na abertura do longa, onde encontra com Matthew Illesley na pele do pequeno Reginald Dwight – seu nome de batismo – lidando com a severidade ausente de seu pai Stanley (Steven Mackintosh) e certa displicência da mãe Sheila (Bryce Dallas Howard), podendo ter como apoio certo somente a sua avó (Gemma Jones). O Reggie da puberdade, interpretado por Kit Connor, continua tímido e envolto na péssima atmosfera familiar, porém, descobre cada vez mais o seu talento no piano e o rock’n’roll.

A entrada em um parque de diversões no número de Saturday Night's Alright (For Fighting) – que, aliás, traz ricos detalhes na produção musical de Giles Martin e na coreografia, com a introdução de elementos de ska e música indiana na representação da presença dos imigrantes jamaicanos, indianos, paquistaneses e etc. nos subúrbios de Londres, onde o protagonista cresceu – serve de elipse temporal para a entrada de Egerton como o jovem músico, então integrante da banda Bluesology e em busca de seu próprio sucesso, mesmo que mudando de nome. A trama segue Reggie se encontrando na persona de Elton John e na parceria que surge com o letrista Bernie Taupin (Jamie Bell, justamente o Billy Elliot do cinema), até conseguir convencer o dono da gravadora (Stephen Graham) de que eram um bom investimento e provarem a ele o retorno com turnês esgotadas, primeiros lugares nas paradas e recordes de vendas de discos. Enquanto o pianista dá o seu show, é louvável também a escolha de Taron Egerton, que já se desafiou com Dexter na cinebiografia esportiva Voando Alto (2015), fazendo sua interpretação de Sir Elton John e evitando uma imitação dele, ainda mais pelo fato de cantar e não dublar as músicas.

Estas, por sinal, seguem uma seleção que destaca, especialmente, os hits da sua carreira nos anos 1970, mas sem se preocupar com a precisão cronológica. Mergulhando fundo no exagero de brilhos, cores, formas e “botas elétricas” do estilo glam do qual o artista se apropriou, o figurino de Julian Day faz as vezes de marcador na linha do tempo desta narrativa fluída. Se isso fica evidente até para quem não é um fã tão fervoroso do cantor, as imagens nos créditos frisam esses detalhes na demonstração “demo reel” do trabalho fiel do figurinista e também da equipe de maquiagem e penteado e do diretor, que traz planos semelhantes aos das fotos apresentadas.

Mas nem só de plumas e paetês se faz a sua estrada, mas igualmente de algumas dores profundas no caminho. A figura paterna é uma problemática constante para o personagem, à medida que a relação com a mãe vai demonstrando sua fragilidade no passar dos acontecimentos. Se na família, desculpa parece ser uma palavra difícil, surge certo atrito até na amizade com o seu parceiro musical, pois, embora Elton e Bernie nunca tenham brigado, o amigo irmão não aguenta ver a decadência do artista, que tem o seu coração partido na relação tóxica com seu agente e amante John Reid (Richard Madden) e seu corpo e mente consumidos pelo vício.

Nisso, o filme se prova mais ousado que a média hollywoodiana na abordagem franca sobre a sexualidade de Elton John, tanto quanto ao seu uso de cocaína, conferindo uma classificação indicativa de 16 anos para o longa. Se a dependência com as drogas e o álcool bem como a dificuldade de se ter uma vida pessoal são praticamente um clichê das histórias sobre rockstars e afins, diretor e roteirista trabalham de maneira eficiente a questão de como a solidão era difícil para este homem cuja fama não supriu a necessidade de ser amado desde a tenra infância. Rocketman termina com a constatação de que o protagonista precisa amar a si mesmo antes de tudo, porém, através da sua estética e narrativa queer, deixa clara a sua celebração a qualquer forma de amor.

 

Rocketman (Rocketman, 2019)

Duração: 121 min | Classificação: 16 anos

Direção: Dexter Fletcher

Roteiro: Lee Hall

Elenco: Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard, Gemma Jones, Steven Mackintosh, Tom Bennett, Matthew Illesley, Kit Connor, Charlie Rowe, Tate Donovan, Celinde Schoenmaker e Stephen Graham (veja + no IMDb)

Distribuição: Paramount

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