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  • Foto do escritorNayara Reynaud

O PRIMEIRO HOMEM | O astronauta de pequenos passos, gestos e palavras

Atualizado: 15 de fev. de 2021


Como é de se esperar em um filme de Damien Chazelle, a contagem está lá. Embora seu novo trabalho seja o primeiro que não aborde a música – particularmente o jazz –, o jovem e premiado realizador, que é músico de formação, há certa musicalidade na matemática das operações e missões espaciais apresentadas em O Primeiro Homem (2018), que leva às telas o feito e a vida do reservado astronauta Neil Armstrong (1930-2012), que se tornou o primeiro ser humano a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969.

No entanto, é possível identificar ligações do seu quarto longa com os anteriores, desde o perfeccionismo de seu protagonista interpretado por Ryan Gosling que dialoga com a obsessão de Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) ao passado do engenheiro aeronáutico com canções de musicais, que inclusive compunha na faculdade, tal qual a outra dobradinha que fez com o ator em La La Land: Cantando Estações (2016) e que rendeu um Oscar para o diretor. Com o estilo do Cinema Direto norte-americano, popularizado por clássicos documentários como Grey Gardens (1975) e que utilizou no seu début Guy and Madeline on a Park Bench (2009), só que em uma escala reduzida, o cineasta busca um registro documental semelhante ao da época, não só no granulado impregnado na fotografia de Linus Sandgren – também premiado pela Academia pelo seu trabalho em La La Land –, mas na maneira com que realizada as tomadas e os enquadramentos.

Há neste aspecto um dos exemplos de como apenas verdadeiros autores audiovisuais como Chazelle são capazes de transformar o que poderia ser uma simples cinebiografia em uma experiência espacial realística – são duas horas e vinte minutos cansativas de filme, não necessariamente pela longa duração, mas pela sensação de transpor o espectador dentro de uma daquelas naves e da cápsula lunar – e um drama familiar contido. O Primeiro Homem não é tanto sobre a conquista da Lua, mas a superação da perda para este homem que a conheceu tão bem. Ainda neste sentido, ele troca a encenação e valorização de um ato nacionalista como o hasteamento da bandeira dos Estados Unidos, embora ela esteja presente, por uma narrativa pessoal, no caminho de recentes filmes do gênero como Gravidade (2013) e Interestelar (2014), mas com uma lente ainda mais íntima.

A partir da biografia do astronauta, escrita por James R. Hansen e publicada em 2005, o roteirista Josh Singer conta a vida dele de 1961 a 1969, já traçando na abertura o fascínio de Armstrong com o espaço, ao romper a atmosfera, e a sua queda, literal e metafórica, com a morte da filha Karen (Lucy Stafford), de apenas dois anos, por causa de um câncer. É a primeira e a mais importante das várias perdas que ele vai acumulando no decorrer dos anos e do filme, enquanto ele entra na elite do programa da NASA em Houston, em plena Guerra Fria e a disputa espacial com a União Soviética, que gera muitas críticas de parte da população, expostas aqui de maneira mais veemente com o cantor Leon Bridges como Gil Scott Heron declamando / discursando Whitey is on the Moon. Mesmo com uma competição velada entre os colegas de trabalhos, há uma camaradagem entre eles – menos nas falas sinceras até demais de Buzz Aldrin (Corey Stoll), aquele que inspirou o Buzz Lightyear do Toy Story – que são até vizinhos, com Ed White (Jason Clark) e Elliott See (Patrick Fugit) se destacando com os amigos mais próximos de Neil.

Assim como o longa mostra a importância desse trabalho em equipe, Damien tem ao seu lado uma excelente equipe técnica que trabalhou com ele nas produções anteriores, com exceção de Singer, que imprime o ritmo de thriller no roteiro sobre um caso real, como fez e foi premiado com um Oscar por Spotlight – Segredos Revelados (2015), além de The Post – A Guerra Secreta (2017). A câmera na mão que se torna mais trêmula no chacoalhar de um foguete e a edição de Tom Cross – que levou o Oscar por Whiplash – contribuem para esta experiência, se complementando com a direção de produção e arte de Nathan Crowley trazendo a tecnologia da época que parece tão pobre e amadora para a atualidade junto com o barulho dos metais rangendo no design de som de Ai-Ling Lee. Nesta composição sonora, que sempre foi importante nos seus filmes e traz aqui a referência dos musicais que Neil gostava e a trilha do parceiro de longa data e também Oscarizado Justin Hurwitz, é o silêncio, porém, que quebra o lugar comum tanto no espaço quanto no ambiente domiciliar.

Na bem-vinda contenção da interpretação de Ryan Gosling, Armstrong é apresentado como um homem lacônico, o qual a própria mulher Janet tem dificuldades de alcançar o que ele prefere esconder dentro de si, especialmente sobre a perda da filha, sendo contraposto exatamente pela atuação de Claire Foy como essa esposa que luta para manter a coesão da família, chamando a atenção dos chefes da NASA (Kyle Chandler é um deles) ou do próprio marido para conversar com seus filhos (Luke Winters e Connor Blodgett). A mise-en-scène do diretor, aliás, coloca os dois personagens, diversas vezes, confinados em um enquadramento entre as portas de sua casa. Junto com a pequenez das espaçonaves e da contenção na quarentena, isso gera uma sensação claustrofóbica que encorpa o discurso da obra sobre certo confinamento humano e de suas emoções, frente à imensidão do espaço.

O Primeiro Homem não tem a mesma pungência dos sucessos anteriores do cineasta, mas são essas camadas que demonstram o talento narrativo dele. Trabalhando em um gênero novo e de maneira mais low key, Chazelle constrói o longa em uma chave contrária a da famosa fala de Neil Armstrong. Se o que o astronauta fez foi “um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”, o filme termina com pequenos gestos para a humanidade, mas um grande gesto para um homem.

 

O Primeiro Homem (First Man, 2018)

Duração: 141 min | Classificação: 12 anos

Direção: Damien Chazelle

Roteiro: Josh Singer, baseado no livro “O Primeiro Homem” de James R. Hansen

Elenco: Ryan Gosling, Claire Foy, Jason Clarke, Pablo Schreiber, Ethan Embry, Kyle Chandler, Corey Stoll, Christopher Abbott, Olivia Hamilton, Ciarán Hinds, Lukas Haas, Shea Whigham, Patrick Fugit, Cory Michael Smith, Brady Smith, Matthew Glave, Brian d'Arcy James, Gavin Warren, Luke Winters, Lucy Stafford e Connor Blodgett (veja + no IMDb)

Distribuição: Universal Pictures

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