Nayara Reynaud
DEADPOOL 2 | Caindo na própria pegadinha
Atualizado: 26 de ago. de 2020
Nos quadrinhos, geralmente o ponto fraco ou os inimigos de um super-herói estão intimamente ligados aos seus poderes ou sua própria figura. Vide o que as kriptonitas fazem aos kriptonianos, sendo que o mineral e o Superman / Super-Homem tem origem no mesmo planeta; ou os simbiontes arrancando o que há de pior em Peter Parker para transformá-lo no poderoso Homem-Aranha Preto ou no antagonista Venom feito quase a sua imagem e semelhança – leitores assíduos de HQ’s podem dar exemplos melhores que esses nos comentários. Há constantemente essa ideia de que seus dons podem ser a sua benção ou sua desgraça.
De várias maneiras, as principais fraquezas de Deadpool 2 (2018) são a subversão e o patamar que o primeiro filme estabeleceu. Deadpool (2016) estabeleceu um marco, não só ao surpreender e mostrar que um filme de super-heróis Rated-R – que menores de 17 anos só podem ir acompanhados de adultos, segundo a classificação indicativa dos Estados Unidos – pode fazer sucesso nas bilheterias, mas igualmente ao se configurar como uma sátira inteligente do gênero, que já caía – ou ainda cai? – em uma mesmice. O longa abriu caminho para o drama de ação misturado com faroeste sangrento de Logan (2017), e sua sequência brinca com isso logo na abertura, falando da necessidade de superá-lo. O problema é que a franquia estrelada por Ryan Reynolds já não conta mais com o fator surpresa de dois anos atrás e precisa lidar com a cobrança natural de superar, mesmo, seu antecessor.
David Leitch, o coordenador de dublês que se transformou em diretor, com Atômica (2017) e algumas cenas não-creditadas do primeiro De Volta ao Jogo (2014), assume a direção, enquanto o próprio Reynolds se junta à dupla de roteiristas do anterior, Rhett Reese e Paul Wernick, também responsável por Zumbilândia (2009), trazendo mais do mesmo. Mais violência explícita nas cenas, embora o senso de urgência e perigo seja sempre abafado pelo tom cômico, que, por sua vez, é intensificado com a repetição do esquema: quebra da quarta parede e pura metalinguagem. As piadas com o universo X-Men, pertencente ao mesmo estúdio, aumentam, assim como as citações aos da Marvel e da DC, concorrentes cinematográficas. No entanto, Deadpool 2 é essencialmente autorreferencial, seja em relação ao primeiro, a exemplo da fala sobre ter ficado atrás de A Paixão de Cristo (2004) no ranking das bilheterias domésticas de filmes Rated-R; à própria produção, como na brincadeira de que os poderes da carismática e sortuda Domino (Zazie Beetz, da série Atlanta) não seriam cinematográficos; ou com seu ator principal, nas referências a sua terra natal, o Canadá, e sua carreira, em uma das muitas cenas que rolam durante os créditos, por exemplo.
A entrada de Josh Brolin na pele de Cable também rende piadas tanto com seu recente papel como Thanos em Vingadores: Guerra Infinita (2018) quanto à semelhança de seu arco narrativo com o d’O Exterminador do Futuro. Isso porque o personagem, que o ator conduz com a mesma seriedade de seus trabalhos dramáticos, viaja no tempo para matar o “inflamado” adolescente Russell, vivido por Julian Dennison, o menino neozelandês de A Incrível Aventura de Rick Baker (2016). Só que o mercenário anti-herói se afeiçoa ao garoto rebelde, que se autodenomina Firefist, e passa a se portar como uma figura paterna, algo que estava nos planos de Wade Wilson e de sua namorada Vanessa, interpretada pela brasileira Morena Baccarin, que fez sua carreira em Hollywood nas séries Gotham (2014-), Homeland (2011-) e V: Visitantes (2009-11).
O fato de o jovem querer se vingar dos abusos que sofre pelo diretor do orfanato de crianças mutantes é um dos vários pontos delicados que a história toca, como o racismo ou a morte de personagens importantes, mas que o filme tem certa dificuldade em lidar. Nem sempre texto e direção conseguem equilibrar a comédia constante com um tom dramático que a trama naturalmente traz desta vez, especialmente no primeiro ato, brincando com as “cenas tristes” que surgem no decorrer da narrativa e, às vezes, não sendo eficiente nem de um lado nem de outro, sem emocionar o público com uma perda ou estendendo uma piada em uma situação limite no clímax, por exemplo. Além disso, a pretensa autodepreciação realizada com a constante fala sobre o “roteiro fraco”, revela nada menos que uma autoindulgência da nova obra em não buscar algo que quebrasse mais os padrões como fez o anterior.
Isso não quer dizer que Deadpool 2 não seja muito divertido, mas as risadas demoram mais para engrenar em comparação com o anterior – embora, este também era um entretenimento efêmero, deixando mais na memória da plateia a figura irônica do anti-herói e seu humor negro do que a trama em si. O clima oitentista novamente está presente, em particular na trilha sonora com Cher, Pat Benatar, Air Supply e a-ha, seja com Take On Me original ou a bela versão acústica do maior sucesso da banda sueca, e o longa retira sacadas interessantes com 9 To 5, de Dolly Parton, e um gênero específico de música eletrônica. No entanto, o filme atinge seu ápice mesmo na sequência das entrevistas para a formação do X-Force e do grupo liderado por Deadpool entrando em ação, um dos poucos momentos em que volta a ter 100% do espírito de zoação sem limites, satirizando a fórmula do gênero, sem cair nas armadilhas da própria fórmula que criou.
Deadpool 2 (Deadpool 2, 2018)
Duração: 119 min | Classificação: 16 anos
Direção: David Leitch
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick e Ryan Reynolds, baseado nas HQ’s de Rob Liefeld e Fabian Nicieza
Elenco: Ryan Reynolds, Josh Brolin, Morena Baccarin, Julian Dennison, Zazie Beetz, Karan Soni, Stefan Kapicic, T.J. Miller, Leslie Uggams, Brianna Hildebrand, Bill Skarsgård, Terry Crews, Rob Delaney, Lewis Tan e Shioli Kutsuna (veja + no IMDb)
Distribuição: 20th Century Fox (Fox Film do Brasil)
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