MOSTRA SP 2017 | Dia 11 – O ônus parental
Atualizado: 1 de mai. de 2021
O peso da maternidade e/ou paternidade, tal qual a pressão de estar na outra ponta, como fruto de um relacionamento abusivo, surgem nos destaques deste domingo, quase na reta final da 41ª Mostra: está em um dos filmes mais falados desta edição, o premiado drama francês Custódia (2017), e com o viúvo e pai solteiro de O Motorista de Táxi (2017), candidato sul-coreano para uma vaga no próximo Oscar. As relações familiares também aparecem em outros filmes deste décimo primeiro dia de evento, com o novo do Haneke, Happy End (2017); no georgiano Scary Mother (2017); na animação A Tartaruga Vermelha (2016) e, de certa forma, até na relação do padre com a sua paróquia, no italiano Equilíbrio (2017).
As relações entre julgamento e culpa que o angustiante Custódia, vencedor dos prêmios de Melhor Direção e Melhor Primeiro Filme no Festival de Veneza, coloca na mesa dialogam menos com seus personagens e mais com nós mesmos.
Ambientando sua primeira cena na audiência que dá título ao filme, a da custódia do jovem Julien (Thomas Gioria), o diretor estreante em longas-metragens, mas com um curta indicado ao Oscar, Xavier Legrand, nos coloca numa situação de julgamento. Acompanhamos os argumentos da mãe de Julien, Miriam (Léa Drucker) e de seu pai, Antoine (Denis Ménochet). O elefante na sala: Miriam quer a guarda completa de Julien, que deixa bem claro em sua carta – estranhamente formal – de que não possui desejo algum de ver seu pai, alegando agressões à sua irmã mais velha, Joséphine (Mathilde Auneveux). A juíza que toma conta do caso é incisiva: "vamos ver qual de vocês é o menos mentiroso".
Posicionando inteligentemente tal cena já em sua introdução, Legrand nos coloca desde o início em estado de alerta, analisando as ações seguintes superficialmente a fim de identificar, afinal, quem está certo nessa situação. Não tarda, no entanto, para constatarmos o incontestável e nos sentirmos culpados por duvidar da situação e daqueles relatos em primeiro lugar, numa narrativa realista e precisa em suas construções de tensão, em seus retratos do abuso emocional, físico e mental que Julien, sua mãe e sua irmã são sujeitados.
O mal estar acaba sendo, então, coletivo. Ao nos situar constantemente à partir do ponto de vista de Julien, o diretor nos obriga à presenciar, de forma íntima, o estrago emocional e psicológico imposto sobre ele, com closes extremos e desconfortáveis que só são elevados pela excelente atuação do jovem Thomas Gioria. De certa forma, a curiosidade do espectador pela reviravolta, pela catarse, pela expectativa de uma resolução cinematográfica acaba nos condenando, também ao abuso. Não há nada de cinematográfico na abordagem que Legrand adota. Ao concedermos a nós mesmos a dúvida, ao deixarmos que Antoine entre na vida daqueles personagens e de certa forma em nossa própria, independente dos sinais, acompanhamos o triste e violento desenrolar de eventos com a sensação de culpa.
O que resta, no final, é a nossa renegação ao mero testemunho, o ouvinte, o espectador da tragédia, como a senhora do apartamento que aparece em três momentos distintos. O nó na garganta e a sensação de exaustão que nos acompanha na saída vem com o derradeiro plano final: a porta que se fecha diante de nós, os juízes, ocultando uma cena de dor irreparável que poderia ter sido evitada se tivéssemos enxergado o que esteve sempre em nossa frente.
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1
29/10/17 - 19:50 - Sessão: 1051 (Domingo)
CINESALA
30/10/17 - 17:30 - Sessão: 1127 (Segunda)
Quando conhecemos o nosso protagonista, O Motorista de Táxi do título, vivido pelo ótimo Kang-Ho Song, ele canta, animado e dançante, uma música romântica que toca na rádio, enquanto dirige seu táxi para pegar o próximo passageiro. Não seria, no entanto, um bon vivant: viúvo, endividado e com uma filha pequena para criar, o motorista é, na verdade, o esteriótipo do taxista rude, mal informado e pão duro, que se preocupa apenas se receberá cada centavo da corrida de cada dia. A difícil rotina deste taxista da ilha de Seul muda, no entanto, quando ele é contratado – ou melhor, quando ele rouba a oportunidade de outro taxista – por um jornalista alemão, Peter (Thomas Kretschmann), para levá-lo até a cidade de Gwangju por um preço absurdo que o fará quitar suas dívidas. O que o taxista não sabe, no entanto, é que o local está em estado de lei marcial e os cidadãos, liderados por um grupo de estudantes, estão reivindicando sua liberdade no ato chamado de Revolta de Gwangju, evento real que aconteceu na Coreia do Sul, em maio de 1980.
Representante sul-coreano no Oscar, O Motorista de Táxi possui todas as características intrínsecas ao cinema do país, como uma dramaticidade elevada predominante, um passeio pela comédia, aventura, drama e suspense, e uma expressividade visual muito característica. Desta forma, o filme do diretor Hun Jang opera realmente como um grande épico. Se esse possível melodrama incomoda em partes, ele consegue ao mesmo tempo passar uma sensação de autenticidade justamente por elementos culturais, pela sensação de honestidade com o próprio estilo.
As situações surreais que partem da premissa ancorada em eventos verídicos não prejudicam o todo, já que o diretor e seus montadores, Kim Sang-Bum e Kim Jae-Bum, sabem quando dar atenção aos momentos mais pesados, como os confrontos de manifestantes contra os militares, que são fotografados por Go Nak-Seon sem o mesmo dinamismo das outras cenas, de uma forma quase documental que confere essa verossimilhança. É uma pena que em seu longo clímax o filme se renda a clichés tão óbvios e – novamente – típicos de produções sul-coreanas, que são extrapoladas mesmo neste tipo de cinema, e aí a situação real e densa se perca nas fantasias cinematográficas do espetáculo que seu diretor constrói.
O que se sobressai, no entanto, é a jornada de seu protagonista, assim como a relação que é construída com o jornalista alemão. Numa produção que se presta a todo instante a ressaltar a falta de comunicação de várias formas, é catártico quando laços são formados, e o momento de respiro no qual estes personagens têm a oportunidade de simplesmente dar risada e relaxar na casa de um dos habitantes de Gwangju é belo. Momento que é abruptamente interrompido por um tiro, numa das transições efetivas entre dois tipos de realidade.
O Motorista de Táxi é melodramático. Daquelas produções exageradas que utilizam um tragédia real como impulso para uma jornada de personagem mais básica. É nessas sensibilidades tão características de seu lugar de origem, no entanto, que ele consegue achar sinceridade, com atuações genuinamente emocionantes, principalmente de sua dupla principal, vivida por Kang-Ho Song e Thomas Kretschmann, e momentos que pregam aquela mensagem da empatia e da liberdade de expressão vista algumas vezes nesta Mostra. Às vezes, o arroz e feijão do melodrama funciona.
CINE CAIXA BELAS ARTES SALA 3
29/10/17 - 17:30 - Sessão: 993 (Domingo)
RESERVA CULTURAL - SALA 2
30/10/17 - 21:40 - Sessão: 1191 (Segunda)
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1
31/10/17 - 14:00 - Sessão: 1228 (Terça)
*Texto publicado originalmente no lançamento comercial do filme
Após passar por Cannes, onde ganhou o prêmio especial do júri na mostra Um Certo Olhar (Un Certain Regard), e no Anima Mundi do Rio, A Tartaruga Vermelha, produção franco-belga com participação dos japoneses do Studio Ghibli, chega ao Oscar deste ano figurando como o mais alternativo dos indicados à Melhor Animação. Não apenas por ser um filme sem diálogos em seus 80 minutos de duração, mas pela natureza de sua história de tom fabular e reflexivo nas possíveis leituras originadas da simplicidade narrativa de Michael Dudok de Wit.
Trata-se do primeiro longa do diretor e animador holandês, que dirigiu quatro curtas antes, dentre eles, Father and Daughther (2000), pelo qual já ganhou um Oscar. No breve retrato da filha à espera da volta do pai que tanto amava, o realizador apresentava a mesma predileção vista aqui em falar sobre o fluxo da vida. O nascer, crescer, encontrar um amor, ter filhos, educa-los, vê-los partir e envelhecer até o final exprimir um significado de retorno deste ciclo.
Esse caminho guia o novo trabalho, que traz sua fábula autoral, roteirizada por ele e Pascale Ferran, sobre um naufrago que, após muito lutar para sair da ilha deserta onde foi parar, se apaixona por uma tartaruga vermelha que se transforma em mulher. A animação, que começa com o homem à deriva em um mar turbulento, não revela o nome nem o passado do personagem: ele é uma folha em branco que ressignifica sua própria vida naquela porção de terra, assim como o lugar se modifica a partir dele, sendo o grupo de caranguejos o melhor exemplo. Talvez, justamente por isso, seja tão fácil se identificar e se angustiar junto com esta figura quando ele cai de um penhasco e fica preso em uma caverna cheia de água e aparentemente sem saída, que serve na trama como uma espécie de rito de passagem.
Apesar do Studio Ghibli apenas colaborar na produção e não da equipe de animadores franceses e belgas, seu trabalho parece ter influenciado os colegas europeus. A obra tem certo ar oriental que vai além da floresta de bambus presente na trama e que se observa na calma e reflexões suscitadas pela narrativa. Os traços e o minimalismo também são vistos nos aspectos técnicos desta animação, que por trás do despojamento de seu 2D, traz um incrível uso da incidência da luz sobre os cenários durante o longa: desde a escolha certeira de dar tons de cinza nas cenas noturnas, deixando a produção em preto e branco nestes momentos, até as cores dadas nas sequências ao entardecer, com o sol poente, ou na breve passagem no amanhecer, com o céu iluminado pelo sol prestes a nascer.
Da mesma maneira a produção que ganhou o Annie, prêmio mais importante do gênero, como Melhor Animação Independente usa de uma simples história para abrir um amplo leque de interpretações. Talvez, teológicas com essa espécie de Adão e Eva? Filosóficas com uma ideia lockeana de tábula rasa? Sociológicas quanto à relação com a família ou psicológicas nas projeções do personagem? Mas o interessante de A Tartaruga Vermelha é que todas essas suposições caem quando o próprio filme pede para o espectador se deixar levar pelos seus pensamentos mais abstratos.
CIRCUITO SPCINE VILA DO SOL
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1046 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE TRÊS LAGOS
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1044 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE SÃO RAFAEL
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1042 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE QUINTA DO SOL
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1040 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE PERUS
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1038 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE CAMINHO DO MAR
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1021 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE PARQUE VEREDAS
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1033 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE BUTANTÃ
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1019 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE JAMBEIRO
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1025 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE JAÇANÃ
29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1023 (Domingo)
CIRCUITO SPCINE QUINTA DO SOL
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1334 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE JAMBEIRO
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1319 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE VILA DO SOL
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1340 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE TRÊS LAGOS
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1338 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE SÃO RAFAEL
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1336 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE PARQUE VEREDAS
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1327 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE PERUS
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1332 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE JAÇANÃ
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1317 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE CAMINHO DO MAR
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1315 (Quarta)
CIRCUITO SPCINE BUTANTÃ
01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1313 (Quarta)
"Equilíbrio: condição de um sistema em que as forças que sobre ele atuam se compensam, anulando-se mutuamente". Não poderia haver nome melhor para a triste obra do italiano Vincenzo Marra, sobre Giuseppe (Mimmo Borrelli), um padre em crise de fé que decide voltar para sua região natal. Substituindo o eloquente e carismático padre Don Antônio (Roberto del Gaudio) numa vila dominada pelo crime e corrupção, o determinado padre tenta, a todo custo, ajudar aquelas pessoas, apenas para aprender que isso será mais difícil e complexo do que ele imagina.
Como diz o próprio Don Antônio, o equilíbrio deve ser mantido. Dessa forma, Giuseppe acaba percebendo, lentamente, que a igreja convive junto com esse crime organizado, não interferindo em seus assuntos, mesmo que eles prejudiquem a maior parte de sua população. O que Antônio deseja é que Giuseppe não interfira, e dê apoio para aquelas pessoas da forma mais conhecida: pedindo sempre para que tenham fé e rezem seus terços.
Ao final de Equilíbrio, a dúvida se instala. Seria mesmo possível salvar aquelas pessoas? Giuseppe tenta a todo custo propagar a bondade, não só a divina (mostrando-se um indivíduo entusiasmado, que, porém, não empurra sua palavra), mas a bondade pura de fazer bem ao próximo, de ajudá-los e sacrificar a si mesmo para que todos eles tenham uma vida melhor. Infelizmente, o mundo atual não é tão simples, e vemos o personagem ser testado física e psicologicamente, culminando no plano em que Giuseppe, em um nu frontal, toma banho num desespero e necessidade de purificação que parece nunca vir.
Adotando uma estética documental desde seu primeiro plano, na qual Giuseppe caminha em direção à câmera inquieta, enquanto pode-se ouvir as vozes distorcidas das pessoas nos outros aposentos – algo característico dessas filmagens documentais, Equilíbrio frequentemente segue seus personagens em longos planos, como se estivesse a todo momento querendo relatar algo real.
Com boas atuações, o italiano Equilíbrio é uma obra triste que nos faz questionar, através de seu protagonista, nossa própria moralidade. O padre Giuseppe é confrontado, em determinado momento, sobre sua ação, que pode prejudicar a todos naquela vila, mas salvaria a vida de uma garota. "É a vida de uma garotinha", diz o padre, que só quer, a todo custo, fazer a bondade.
Bondade que vem não pelo caminho divino, mas humano. Infelizmente, na triste realidade vista aqui, há a necessidade pelo equilíbrio.
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA ANEXO 4
29/10/17 - 19:30 - Sessão: 1056 (Domingo)
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4
30/10/17 - 13:30 - Sessão: 1162 (Segunda)
Uma mulher de meia idade acorda num quarto escuro. Com um rosto pálido – vampírico até – e uma expressão de desgaste emocional e físico que apenas aqueles que já estiveram em seu lugar podem compreender. Ela demonstra incômodo pelo faixo de luz que cruza sua face. Em sua mão, inúmeras anotações que sobem por seu braço.
Scary Mother poderia seguir o caminho do drama sobre a mulher que se liberta das algemas conservadoras e machistas e triunfa sobre tais adversidades, abrindo um lado sensível de si para o mundo, que a reconhece como a mente brilhante que seu amigo tanto clama. Ainda que, por um bom tempo de seus 107 minutos, ele seja exatamente isso, o primeiro filme da jovem cineasta Ana Urushadze e representante da Geórgia para o Oscar abraça gradualmente o thriller psicológico, culminando no puro terror que atinge seu ápice não com sustos ou sangue, mas com um diálogo e o que aquelas horríveis e íntimas palavras possam representar.
Nesse sentido, Scary Mother é quase que uma resposta ao filme que divide metade de seu nome, o polêmico Mãe! (Mother!), de Darren Aronofsky: a mãe que tem sua essência corrompida por aqueles ao seu redor, enquanto tenta a todo custo ficar em paz e alcançá-la através de sua expressão artística. Simbolismos religiosos à parte, enquanto aquela produção provoca o terror e desconforto através – em sua maior parte – do choque, do grandiloquente e do dramático, este opta por uma abordagem de igual angústia e inquietude através da atmosfera. Seja no design de som que ressalta ruídos quase diegéticos ou na forma com que utiliza a luz para transformar seus personagens em figuras assustadoras, o longa georgiano nos permite entrar lentamente na cabeça de sua protagonista, que é refletida nas próprias paredes do prédio em que Manana vive – deterioradas.
Até que chegamos ao aterrador final de Scary Mother, magistral estreia na direção de Ana Urushadze, onde o pavor nos encontra não através da história contida no livro de Manana em si, mas da sensação de termos presenciado algo íntimo, visceral, algo tão pessoal que acaba transcendendo essa ideia do subconsciente, da ficção, e se torna real.
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 6
29/10/17 - 17:10 - Sessão: 1085 (Domingo)
Seja por câmeras de vigilância ou planos estáticos de 9 minutos, do ponto de vista dos mais velhos ou dos mais novos, e das mais variadas classes sociais, o cinema do cultuado Michael Haneke sempre explorou o mal estar – ou mesmo a maldade em sua essência – e suas raízes. E neste Happy End, o indicado da Áustria ao Oscar, não é diferente, mesmo que a exploração dê mais espaço ao simples relato, e de que a misantropia do cineasta venha menos como um soco perverso e mais como uma risada irônica.
Partindo dessa ideia, Happy End realmente é mais parecido com o seu Funny Games (1997/2007) do que com outras obras de sua filmografia, em que há uma espécie de honestidade – ou o máximo de honestidade permitida por um cineasta conhecido pelos jogos aos quais submete sua audiência – já em seus títulos, descrevendo o projeto como ele é: A Professora de Piano (2001), A Fita Branca (2009), 71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso (1994). Se muitos ainda vêem tais literalidades como uma forma de jogo em si, não há neste o puro sarcasmo como nos "jogos divertidos" de Funny Games – que possui o título de Violência Gratuita no Brasil. Estamos falando de um filme de Michael Haneke, então é claro que, objetivamente, não haverá um final feliz, certo?
Sendo um final feliz algo subjetivo para Haneke, como ter sucesso em seu suicídio ou o desmantelamento de uma família burguesa privilegiada e avulsa ao mundo ao seu redor, Happy End opera como um drama cômico, retratando as relações conflitantes dessa família burguesa na alto sociedade francesa. Se em Caché (2005) o confronto dos atos passados, preconceituosos e racistas de seu protagonista – e de uma França da alta patente que ocultava tal histórico – o assombravam e causava a reflexão, na tragicomédia que é seu último filme, não há reflexão e seus personagens continuam vivenciando uma vida de banalidades, falta de comunicação e empatia – como num momento em que um personagem banaliza uma clara tentativa de suicídio.
Estabelecendo que tais relações provocam males e efeitos colaterais até mesmo nas novas gerações, criando psicopatas e pessoas deprimidas, a obra acompanha cada ato de futilidade danosa com a habitual calma de Haneke, que é sempre efetivo em causar a sensação de temor pelo pior, pela tragédia que parece estar sempre à espreita.
Casualmente se divertindo com a nova geração – e não me refiro à jovem Eve vivida por Fantine Harduin –, substituindo as filmagens de VHS de projetos anteriores por lives de Instagram/Snapchat e telas de Facebook, o diretor inclui também algumas referências, como o destino que o Georges, vivido por Jean-Louis Trintignant, dá à sua esposa, idêntico ao da obra anterior de Haneke, Amour (2012) – e "divertindo" talvez não seja a palavra mais adequada –, transformando esta obra numa espécie de sequência não oficial daquela.
O longa ganha força quando se atém aos contrastes de gerações, como no diálogo sentimental, cruel e cômico dividido pelo avô George e a jovem Eve, em posições emocionais tão tão contrastantes assim, o que torna o laço final de ambos apenas mais triste.
No entanto, essa tristeza não é refletida na tela, já que Haneke prefere punir aquelas pessoas pela vida inconsequente e egoísta que levam – com um olhar claro para a crise dos refugiados, presente na 41ª Mostra, em produções como Human Flow e O Vento Sopra Onde Quer. E a espécie de catarse e reflexão vista em obras como Caché não tem espaço no inferior Happy End. Para o diretor, tal catarse só pode vir com a miséria daquelas pessoas, que é festejada.
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1
29/10/17 - 19:30 - Sessão: 1061 (Domingo)
CINEARTE 1
30/10/17 - 16:10 - Sessão: 1116 (Segunda)
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