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Nayara Reynaud e Cauê Petito

MOSTRA SP 2017 | Dia 8 – Sobre tartarugas e homens

Atualizado: 1 de mai. de 2021

A 41ª Mostra entra em sua segunda semana apresentando, no circuito Spcine, que abrange as unidades educacionais do CEU para levar o cinema para as regiões periféricas da cidade de São Paulo, uma das animações mais prestigiadas do ano passado e da última temporada de premiações: A Tartaruga Vermelha (2016), produção franco-belga com participação dos japoneses do Studio Ghibli sobre um náufrago encontrando a si mesmo e o seu amor em uma tartaruga, em uma ilha deserta. Esta quinta ainda traz mais outra animação adulta, com o longa chinês Tenha um Bom Dia (2017), e a última sessão do premiado Três Anúncios Para um Crime (2017).

 

Cena do filme de animação A Tartaruga Vermelha (2016) | Foto: Divulgação

Após passar por Cannes, onde ganhou o prêmio especial do júri na mostra Um Certo Olhar (Un Certain Regard), e no Anima Mundi do Rio, A Tartaruga Vermelha, produção franco-belga com participação dos japoneses do Studio Ghibli, chega ao Oscar deste ano figurando como o mais alternativo dos indicados à Melhor Animação. Não apenas por ser um filme sem diálogos em seus 80 minutos de duração, mas pela natureza de sua história de tom fabular e reflexivo nas possíveis leituras originadas da simplicidade narrativa de Michael Dudok de Wit.

Trata-se do primeiro longa do diretor e animador holandês, que dirigiu quatro curtas antes, dentre eles, Father and Daughther (2000), pelo qual já ganhou um Oscar. No breve retrato da filha à espera da volta do pai que tanto amava, o realizador apresentava a mesma predileção vista aqui em falar sobre o fluxo da vida. O nascer, crescer, encontrar um amor, ter filhos, educa-los, vê-los partir e envelhecer até o final exprimir um significado de retorno deste ciclo.

Esse caminho guia o novo trabalho, que traz sua fábula autoral, roteirizada por ele e Pascale Ferran, sobre um naufrago que, após muito lutar para sair da ilha deserta onde foi parar, se apaixona por uma tartaruga vermelha que se transforma em mulher. A animação, que começa com o homem à deriva em um mar turbulento, não revela o nome nem o passado do personagem: ele é uma folha em branco que ressignifica sua própria vida naquela porção de terra, assim como o lugar se modifica a partir dele, sendo o grupo de caranguejos o melhor exemplo. Talvez, justamente por isso, seja tão fácil se identificar e se angustiar junto com esta figura quando ele cai de um penhasco e fica preso em uma caverna cheia de água e aparentemente sem saída, que serve na trama como uma espécie de rito de passagem.

Apesar do Studio Ghibli apenas colaborar na produção e não da equipe de animadores franceses e belgas, seu trabalho parece ter influenciado os colegas europeus. A obra tem certo ar oriental que vai além da floresta de bambus presente na trama e que se observa na calma e reflexões suscitadas pela narrativa. Os traços e o minimalismo também são vistos nos aspectos técnicos desta animação, que por trás do despojamento de seu 2D, traz um incrível uso da incidência da luz sobre os cenários durante o longa: desde a escolha certeira de dar tons de cinza nas cenas noturnas, deixando a produção em preto e branco nestes momentos, até as cores dadas nas sequências ao entardecer, com o sol poente, ou na breve passagem no amanhecer, com o céu iluminado pelo sol prestes a nascer.

Da mesma maneira a produção que ganhou o Annie, prêmio mais importante do gênero, como Melhor Animação Independente usa de uma simples história para abrir um amplo leque de interpretações. Talvez, teológicas com essa espécie de Adão e Eva? Filosóficas com uma ideia lockeana de tábula rasa? Sociológicas quanto à relação com a família ou psicológicas nas projeções do personagem? Mas o interessante de A Tartaruga Vermelha é que todas essas suposições caem quando o próprio filme pede para o espectador se deixar levar pelos seus pensamentos mais abstratos.


CIRCUITO SPCINE CAMINHO DO MAR

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 679 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE QUINTA DO SOL

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 698 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE VILA DO SOL

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 704 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE TRÊS LAGOS

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 702 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE SÃO RAFAEL

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 700 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE BUTANTÃ

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 677 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE PERUS

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 696 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE PARQUE VEREDAS

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 691 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE JAMBEIRO

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 683 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE JAÇANÃ

26/10/17 - 15:00 - Sessão: 681 (Quinta)

CIRCUITO SPCINE VILA DO SOL

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1046 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE TRÊS LAGOS

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1044 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE SÃO RAFAEL

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1042 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE QUINTA DO SOL

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1040 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE PERUS

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1038 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE CAMINHO DO MAR

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1021 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE PARQUE VEREDAS

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1033 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE BUTANTÃ

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1019 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE JAMBEIRO

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1025 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE JAÇANÃ

29/10/17 - 14:00 - Sessão: 1023 (Domingo)

CIRCUITO SPCINE QUINTA DO SOL

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1334 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE JAMBEIRO

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1319 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE VILA DO SOL

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1340 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE TRÊS LAGOS

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1338 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE SÃO RAFAEL

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1336 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE PARQUE VEREDAS

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1327 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE PERUS

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1332 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE JAÇANÃ

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1317 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE CAMINHO DO MAR

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1315 (Quarta)

CIRCUITO SPCINE BUTANTÃ

01/11/17 - 15:00 - Sessão: 1313 (Quarta)

 

As ruas e aposentos da pequena cidade na qual se passa um dos destaques do Festival de Berlim, a animação chinesa Tenha um Bom Dia, estão a todo momento preenchidos por pôsteres de filmes, cartazes de games e referências à cultura pop, sobretudo ocidental. As figuras que a habitam, criminosos, delinquentes e perdedores, todas singulares e exóticas, transformam cada diálogo do cotidiano num destrinchamento de algum aspecto social e cultural do mundo contemporâneo, e as infelizes coincidências que os fazem ter os caminhos cruzados são tão cômicas quanto trágicas.

Tenha um Bom Dia poderia muito bem se contentar em ser apenas mais um desses exercícios de estilo genéricos influenciados pelo cinema de Quentin Tarantino e dos irmãos Coen, com seus diálogos espertinhos, personagens excêntricos, numa comédia negra de erros, mas ele acaba sendo mais interessante do que parece, em suas referências que ganham uma nova dimensão decorrentes do local em que se passam.

Aqui, tais imagens representam todo um ideal cultivado pela influência de uma cultura intrusa nessa pequena cidade chinesa. Seus personagens discutem, bêbados, sobre começar um novo negócio, fazer um "dinheiro fácil''. "Bill Gates e Mark Zuckerberg largaram a faculdade", diz um deles. Um assassino de aluguel – fã de Rocky Balboa – recebe uma ligação sobre investimento de propriedade. No rádio de seu carro, ouvimos parte de um dos discursos auto-congratulatórios pós-vitória de Donald Trump.

E chegamos ao nosso protagonista, o motorista Xiao Zhang, que rouba 1 milhão de yuans de seu chefe, porque sua noiva precisa corrigir uma cirurgia plástica que deu errado. No grande esquema, Xiao Zhang é quase um McGuffin junto com a mala de dinheiro, já que passa a maior parte dos curtos 77 minutos de projeção desacordado, enquanto as personalidades que habitam esse universo tentam de alguma forma encontrar o dinheiro, com paradas ocasionais para conversarem sobre seu desejo de irem embora daquele lugar ou sobre O Poderoso Chefão.

O fato de que a exibição de Tenha um Bom Dia no Annecy International Animated Film Festival tenha sido vetada pelo governo chinês diz muito sobre a produção, que evidencia um lado que contradiz a ideia de prosperidade associada com o país, que já censurou, inclusive, um dos artistas de destaque desta 41ª Mostra, Ai Weiwei, responsável pelo cartaz e pelo filme de abertura desta edição, Human Flow.

Com uma animação de menos frames por segundo, quase precária, que ao invés de prejudicar a obra apenas atribui um ritmo mais cadenciado e até mesmo uma áurea de estranheza que funciona, o destaque da produção acaba sendo mesmo suas situações irônicas e comentários que tece em relação aos ideais corrompidos de seus decadentes habitantes.

Mesmo que não se aprofunde demais nestes temas, a animação Tenha um Bom Dia, escrita e dirigida por Liu Jian, evidencia o efeito prejudicial que o tal do "Sonho Americano" pode ter nas regiões mais desprivilegiadas, como se a cultura pop oriunda do país por si só fosse o suficiente para corromper indivíduos que idealizam erroneamente estes ícones, independente da nação em que se encontrem. E qualquer obra que pare para um interlúdio musical que relata sarcasticamente o desejo que seus personagens possuem de se mudar para outro lugar e começar uma nova vida em uma terra de maiores oportunidades – a coroa do American Dream – merece um mínimo de atenção.


ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4

25/10/17 - 22:00 - Sessão: 609 (Quarta)

CINEARTE 1

26/10/17 - 14:00 - Sessão: 653 (Quinta)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA ANEXO 4

30/10/17 - 14:00 - Sessão: 1142 (Segunda)

MIS - MUSEU DA IMAGEM E DO SOM

01/11/17 - 16:50 - Sessão: 1387 (Quarta)

 

Quando Mildred Hayes, interpretada pela excelente Frances McDormand, entra em cena pela primeira vez em Três Anúncios Para um Crime, o mais novo filme de Martin McDonagh (de Na Mira do Chefe, de 2008, e Sete Psicopatas e Um Shih Tzu, de 2012) que foi o grande vencedor do Toronto International Film Festival (TIFF), fica clara a sua mensagem: entrando por uma porta, em câmera lenta, com a trilha sonora de Carter Burwell que evoca os melhores westerns, Mildred é o "cowboy solitário" de Mcdonagh, é a figura que parece agir acima da lei. Como as icônicas figuras de tais produções, tem seu próprio compasso moral. A cidade? Missouri, no oeste, que não é mais velho, mas parece parado no tempo, com sua parcela escabrosa de supremacistas e preconceito.

A tradicional "jornada de vingança" de Hayes é contra a polícia local, liderada pelo xerife Bill Willoughby (Woody Harrelson, ótimo), que durante 9 meses falhou em solucionar o caso do assassinato de sua filha. Mildred aluga três outdores, há muito não utilizados, e deixa um recado que chamará a atenção do xerife, dos moradores e da mídia. E daí vem o belo título original, que consegue ser até poético ao ir direto ao ponto: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri.

Não é difícil imaginar que, nas mãos de outros roteiristas, a história de Hayes receberia contornos mais heroicos, e que a maioria não resistiria em incluir discursos dramáticos e poderosos, até mesmo retirando da protagonista o que a torna mais humana e complexa: seus defeitos. Mcdonagh é sábio em retratar Mildred como uma mulher que luta pela causa certa, mas que possui seus próprios defeitos, preconceitos, e o tão familiar ódio.

O "ódio", que aparece nos títulos de tantos faroestes, é utilizado como elemento de reflexão em mais uma narrativa toda particular que Mcdonagh é sempre hábil em criar, onde todas as atuações parecem ajustadas levemente num tom acima, criando uma espécie de estilização que quase torna seus personagens caricaturas (o policial racista vivido por Sam Rockwell, o "anão da cidade" vivido por Peter Dinklage), mas não chega a exatamente ultrapassar essa linha, ancoradas por atuações excepcionais que elevam estes personagens a figuras reais, com situações que vão do humor de absurdos ao drama em minutos, num domínio pleno da história que quer contar e que só enriquece este universo.

O personagem mais complexo da obra acaba sendo Jason Dixon, o policial racista vivido por Rockwell. Dos trejeitos e características atribuídos a este tipo de figura autoritária, a utilizada aqui parece ser uma das sacadas mais eficazes: ao retratar Dixon constantemente lendo quadrinhos de super-heróis, o diretor explicita a natureza infantil e senso de justiça simplória que Dixon possui, com os contrastes de preto no branco que existiam neste tipo de gibi. Mcdonagh e a diretora de arte Jesse Rosenthal merecem aplausos por irem um pouco mais longe, já que os quadrinhos lidos pelo policial são em sua maioria oriundos dos anos 50, o que evidencia ainda mais a forma distorcida e retrógrada com que Dixon encara o mundo. No ápice da ironia, o policial utiliza uma camiseta de um desses quadrinhos com a frase "incorruptível". Desta forma, Dixon se torna também um dos personagens mais trágicos, já que sua personalidade e ódio parecem ter raízes oriundas de sua própria criação, já que sua mãe é tão racista quanto ele.

Ainda assim, é inegável que o destaque fique mesmo para a magnética interpretação de Frances McDormand, que cria em sua Mildred uma mulher marcada pela vida que, através de remorso e ódio, construiu lentamente uma carapaça sobre si. Os abusos domésticos causados por seu marido, vivido por John Hawkes certamente possuem um papel nisso, e a forma quase banal com que os personagens reagem aos acessos de raiva do mesmo se tornam dolorosamente reais e atuais, mesmo que, novamente, o diretor consiga extrair com sucesso algum tipo de humor nas interações destes personagens.

Com belos arcos de personagens, a mensagem que fica no excelente Três Anúncios Para um Crime é a de que o ódio é cíclico – o velho, mas ainda atual ditado de que violência só gera violência, de que dor só gera mais dor. É tempo para aquelas velhas frases de espelhos: reconhecer não só o seu ódio, mas também sua dor no próximo (a cena do hospital envolvendo duas figuras antagônicas é uma das mais simbólicas do ano), e, através de um dos sentimentos mais humanos – a empatia – tentar seguir em frente, e se tiverem sorte (as coincidências irônicas utilizadas nesse cinema de McDonagh nunca foram tão proeminentes) encontrar algum tipo de paz.


RESERVA CULTURAL - SALA 2

26/10/17 - 19:30 - Sessão: 769 (Quinta)

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