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  • Foto do escritorNayara Reynaud

De volta aos anos 80 | Munições para a keytar gun do Balthazar Bratt

Atualizado: 22 de mai. de 2020


Em uma das ironias do novo Meu Malvado Favorito 3 (2017), o vilão da história é um ex-ator mirim que foi rejeitado por Hollywood assim que cresceu e ficou preso ao personagem que interpretava em uma série de TV de imenso sucesso. Balthazar Bratt (voz original de Trey Parker, um dos criadores do South Park/o ator e vocalista da Blitz, Evandro Mesquita, na dublagem nacional) se tornou obcecado não apenas pela vilania de ”Evil Bratt”, mas também pela época em que a atração e o próprio astro eram uma febre mundial: os famosos e extravagantes anos 1980. Além de preservar o mullet e as ombreiras, o novo malvado da história utiliza armas temáticas, incluindo a keytar especial com a qual derruba seus inimigos com acordes de clássicos daquela década.

Símbolo oitentista, o instrumento musical, também chamado de controlador aqui no Brasil, é uma mistura de guitarra, teclado e sintetizador portátil, que os músicos do período gostavam de ostentar a tiracolo em suas apresentações. Por isso, o NERVOS trouxe uma playlist especial com músicas dos anos 80 que poderiam muito bem ser usadas como munição para a “keytar gun” do vilão da animação, já que abusam não só do som dela, mas também dos essenciais sintetizadores da época. No entanto, também seria uma lista de pedidos bem interessantes para irritar o Sebastian (Ryan Gosling) de La La Land – Cantando Estações (2016), quando o pianista de jazz estiver fazendo algum “bico” em uma festa temática.


Keytar como piada cinematográfica

Durante Meu Malvado Favorito 3, Balthazar Bratt derruba Gru (Steve Carrell/Leandro Hassum) com duas músicas que não faziam uso direto do keytar, mas que soam tão bem no instrumento quanto representam a década de 80. Os sintetizadores marcantes se unem ao metal mainstream no clássico riff de Jump dos norte-americanos do Van Halen, enquanto os britânicos do Dire Straits colocavam o verso do amigo Sting cantando que queria a sua MTV em Money For Nothing – e que foi justamente o primeiro videoclipe transmitido pela versão europeia do canal que popularizou o gênero naquele período. O vilão ainda faz batalhas de dança ao som dos hits pop Bad de Michael Jackson – porque ele é “um menino mal”, como frisa até demais – e Into The Groove da Madonna.

A animação também traz Take On Me, a canção do clipe icônico da banda norueguesa A-ha que obviamente estaria no setlist do grupo que se apresentava na festa anos 80 de La La Land. Aqueles que assistiram ao filme de Damien Chazelle entendem as razões para a personagem de Emma Stone, Mia, provocar o de Ryan Gosling, pedindo que eles tocassem I Ran (So Far Away), o “one hit wonder” – termo utilizado para aquelas bandas de um sucesso só – do A Flock of Seagulls. O acerto de conta entre os dois, na sequência da cena, ainda é embalado pela famosa versão de Tained Love feita pelo duo de synthpop Soft Cell.

P.S.: Será que as próximas gerações terão esse mesmo olhar de deboche que hoje se tem com o keytar e outros exageros oitentistas para as palmas e diversos sons das baterias eletrônicas, synth pads e sintetizadores que invadiram, geralmente de modo bem genérico, o pop atual?

Os pioneiros


A história do keytar remonta ao século XVIII, com a criação da Orphica em 1795, um piano portátil em forma de harpa, mas tem seus “parentes” mais próximos nas décadas de 1960 e 1970. Um dos mais conhecidos é o Joh Mustad “Tubon”, instrumento sueco que era uma espécie de órgão e baixo eletrônico e foi utilizado por Ralf Hütter no primeiro álbum do Kraftwerk (olha só que sonoridade diferente na introdução dessa apresentação dos alemães, em 1970). Anos depois, o compositor e músico tcheco Jan Hammer lançaria seu disco The First Seven Days (1975), já mostrando em seu début o uso de sintetizadores, incluindo o keytar do qual seria quase um pai ao introduzi-la no famoso tema da série Miami Vice (1984-90).

No entanto, o instrumento tem outros desbravadores a reclamarem de sua paternidade. Um deles é o francês Jean-Michel Jarre, que uniu a música ambiente instrumental aos elementos eletrônicos em Oxygène (1976) e faria concertos que ficariam muito famosos nos anos 80, pelo uso de luzes, laser e fogos de artifício. Depois de utilizar a pioneira Moog Liberation, o músico usaria keytars customizadas, como a Lag Insecte (foto ao lado) das apresentações de Industrial Revolution, Pt. 2 e a Lag Mad Max, algo que seria seguido por Prince, que patenteou a PurpleAxxe em 1994, e outros nomes como Lady Gaga e Matthew Bellamy do Muse nesta década.

O pianista Herbie Hancock também popularizaria o controlador em uma mistura do jazz, do qual é um dos ícones, com o funk e uma música futurista com o uso destes elementos eletrônicos, como em Rockit, do álbum Future Shock (1983). No Grammy de 1985, por exemplo, ele seria um dos participantes de uma apresentação histórica com sintetizadores, da qual também fazia parte Stevie Wonder. O grande nome do soul, aliás, chegou a utilizar a keytar em seus shows em 2010, tocando My Eyes Don’t Cry.


A estrela das apresentações na TV


Se a moda é cair ao som de Sweet Dreams (Are Made of This), como ditou o meme do início desse mês de junho, surgido de um vídeo do Casos de Família (2004-), o hit de 1983 do Eurythmics também caiu no gosto do público, assim como o keytar que Dave Stewart, companheiro de Annie Lennox no duo, usava a tiracolo. Com os modelos da Roland, Korg e Yamaha, além do Moog, o instrumento se tornaria uma presença certa nas apresentações televisivas de bandas New Wave e synthpop daquela década, a exemplo dos norte-americanos do Devo (na foto ao lado, com suas Moog Liberation's) com That’s Good e dos britânicos do The Human League e do Pet Shop Boys, com Don't You Want Me e Domino Dancing, respectivamente.

A tática também era comum aqui no Brasil, onde o keytar era uma estrela dos números musicais, geralmente em playback, no Cassino do Chacrinha (1982-88). Até o RPM, a banda brasileira que melhor sintetizou a mistura de rock com música eletrônica que era feita lá fora e, por isso, alcançou um estrondoso sucesso na época – se não você, seus pais devem ter em casa o LP do Rádio Pirata Ao Vivo (1986), por exemplo –, fez parte da dança, com Luiz Schiavon trocando os sintetizadores de Olhar 43 pelo instrumento durante a divulgação do segundo álbum, RPM (ou “Quatro Coiotes”, 1988). Ele também era figurinha marcada em baladas românticas como Volta Pra Mim, em que aparecia também no videoclipe do Roupa Nova – mas não tanto destaque quanto no clipe de You're My Heart, You're My Soul, dos alemães do Modern Talking –, e Mais Uma Vez, no qual o Placa Luminosa trazia mais um teclado a tiracolo para fazer as vezes do controlador, algo que seria transmitido para a próxima década, com a boy band Polegar e os grupos de pagode dos anos 1990.



Revivendo nos covers no YouTube


Às vezes, uma música é tão anos 80, seja pelo sucesso que alcançou no período ou pela sonoridade “sintetizada”, que é surpreendente não encontrar o instrumento que foi a epítome oitentista nas apresentações da época que estão disponíveis na internet. Mas essa mesma web presenteia os usuários, em uma busca pelo YouTube, com covers de hits daquela década executados nos modelos mais novos de keytar, provando que essas faixas poderiam também ser tocadas por Balthazar Bratt ou Sebastian. Ou vai dizer que a introdução de Africa, do Toto, não é digna deles?

Na verdade, este resgate vem desde antes da fundação da plataforma de vídeos, com a banda Sugar Ray homenageando o videoclipe de Is There Something I Should Know?, do Duran Duran, junto aos da já citada I Ran e Cars, de Gary Numan, e colocando dois keytars em um dos segmentos do clipe de When It's Over, em 2001. E se os sintetizadores de Big in Japan, do Alphaville, pedem um cover no instrumento portátil, existem alguns de Ghostbusters, o inesquecível tema de Ray Parker Jr. para o filme homônimo de 1984. Não faltam postagens, igualmente, de dois dos riffs eletrônicos mais marcantes daquela década: o de Axel F, o tema de Um Tira da Pesada (1984), composto por Harold Faltermeyer, e o de The Final Countdown, do Europe.

Contudo, essa lista não estaria completa sem ícones do synthpop, como o New Order, Erasure e Depeche Mode. Os acordes de Bizarre Love Triangle, Oh L’Amour e Just Can’t Get Enough, respectivamente, poderiam estar em qualquer pot-pourri 80s no controlador e, realmente, dois deles, além de outros citados neste texto, estão no medley realizado pela pianista e comediante Kathryn Lounsbery. E se você ainda não consegue ter o bastante dessa overdose oitentista, o encerramento desta lista é com The Safety Dance, hit dos canadenses do Men Without Hats, que, além de ganhar uma versão de Glee (2009-15), sempre lembra o quanto é bom dançar sem se importar com os outros – o que, às vezes, é necessário quando alguém se entrega à magia dos anos 80.



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