top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

Songhoy Blues | A resistência da música ao extremismo vem do deserto

Atualizado: 29 de ago. de 2020


Garba Touré, Aliou Touré, Nathanael Dembélé e Oumar Touré, os integrantes da banda malinesa Songhoy Blues | Foto: Divulgação

Nome da banda: Songhoy Blues

Integrantes: Garba Touré (guitarrista), Aliou Touré (vocalista), Oumar Touré (baxista) e Nathanael Dembélé (baterista)

Ano de formação: 2012

Local de origem: Bamako, Mali

Veículo (*como chegou até aqui): fez alguns shows de abertura da turnê do Alabama Shakes do álbum Sound & Color, como no concerto na O2 Academy Birmingham, em 13/05/2015

 
Apresentação da banda malinesa Songhoy Blues na O2 Academy Birmingham, em 13/05/2015 | Foto: Nayara Reynaud

Imagine que você está em um show e, enquanto aguarda o esperado ato principal, é surpreendido(a) por uma banda desconhecida fazendo a abertura que, como um encantador de cobras, lhe hipnotiza com os seus riffs, solos e groove de um desert blues misturado, com um toque até punk, que equilibra bem suas influências do blues norte-americano com suas raízes africanas. Foi assim que esta pessoa que vos escreve foi apresentada ao Songhoy Blues, mas, fora o impacto da vigorosa performance ao vivo desses garotos do Mali, o sentimento de surpresa e “elevação” parece ser comum a qualquer um que conheça o som deles pela primeira vez, mesmo sem compreender o que dizem. Até saber da história do grupo e perceber que sempre deu para entender a sua mensagem.


E aí: não sabe o que dizer, só sentir depois de ouvir essa pegada incrível de Soubour, um dos melhores blues lançados nos últimos anos


“O mundo sem música? Seria como uma prisão, certo?”, questiona Garba Touré, guitarrista do Songhoy Blues em uma entrevista para o The Guardian, após sentir na pele, em parte, o que seria este cenário. Isso porque, antes dos ataques em Paris e Manchester, especificamente nos shows do Eagles of Death Metal, no Bataclan em 2015, e da Ariana Grande, há quase um mês, outros artistas foram atacados por simplesmente fazerem aquilo que amam, desde que o fundamentalismo islâmico chegou ao norte do Mali proibindo a música.

Desert Melodie versa sobre os jihadistas que dizem que eles, os músicos, não são bons muçulmanos


O filho de um percussionista do renomado músico malinês Ali Farka Touré (1939-2006) é da cidade de Diré, próxima a Timbuktu, palco dos principais conflitos da guerra civil que atinge o país. Em 2012, o Movimento Nacional de Libertação do Azauade (MNLA), grupo de rebeldes tueregues separatistas, tomou o norte do Mali, mas logo foram suplantados pelos jihadistas armados do Ansar Dine (algo como “defensores da fé” em árabe), que dominou a região e aplicou a Sharia e, em uma leitura extremista do conjunto de leis islâmicas, impôs a proibição do cigarro, do álcool e, por incrível que pareça aos olhos ocidentais – ou não, pois, afinal, 20 mil brasileiros assinaram uma ideia de lei para criminalizar o funk... –, da música. Além das estações de rádio fechadas e dos instrumentos musicais queimados, tocar ou simplesmente escutar música no celular é motivo para a prisão ou até chicoteamento público e ameaças de morte na conturbada realidade da antiga colônia francesa e berço de três ricos reinos africanos.

A letra de Mali fala da atual situação do país e até pergunta ao primeiro presidente da nação, Modibo Keïta (no governo entre 1960-68), o que ele pensaria do Mali de hoje, segundo entrevista ao The Quietus


Refugiado dentro de seu próprio país, Garba seguiu com a sua guitarra rumo ao sul, para a capital Bamako, que também não era um oásis, pois facções do exército ostentavam armas por todos os lados, sem falar no atentado a um resort no último domingo (18). Lá, o guitarrista se juntou a outros amigos músicos vindos do norte, o vocalista Aliou Touré e o baixista Oumar Touré – não, eles não são parentes e, como deu para perceber, Touré é o “Silva” do norte do Mali – e a um baterista que saiu de um conservatório local, Nathanael Dembélé. E se na sua região, chegaram a dizer que iam cortar as mãos deles se tocassem, a primeira coisa que fizeram foi pedir permissão no Ministério do Interior, na capital, para fazerem a sua música e formarem o Songhoy Blues.

“É como ser proibido de ver a mulher que você ama. Música para nós é como uma mulher que amamos”, explicou Aliou para a BBC


O Songhoy vem da etnia Songhai, ou Songai, da qual são pertencentes e o Blues veio do gênero que guia o som da banda. O pai de Garba o fazia ouvir muito Jimi Hendrix, BB King e John Lee Hooker, mas o trabalho deles segue também a influência de malineses como o próprio Ali Farka e Toumani Diabaté. Tocando no circuito de clubes e restaurantes de Bamako, eles começaram a atrair fãs, sejam songais ou tuaregues.

Bamako, nome do primeiro single do segundo e novíssimo álbum da banda, fala sobre esse lugar em que, apesar dos conflitos, o pessoal do norte e do sul dança junto nos mesmos clubes


Foi nessa época, em 2013, que essa luta da música malinesa foi registrada pelo documentário britânico They Will Have To Kill Us First / Terão de nos Matar Primeiro (2015), de Johanna Schwartz, lançado no festival South by Southwest – SXSW. A produção, que só passou por aqui no Festival do Rio de 2015 e no 8º In-Edit — Festival Internacional de Documentário Musical, em 2016, e que não se encontra nem nos confins da internet, retrata a banda junto a uma série de artistas que resiste a imposição dos extremistas.


"Nosso ambiente” é o significado do título Irganda e também é o cenário retratado pelo documentário de Johanna Schwartz

Em setembro daquele ano de 2013, seria outro inglês um dos responsáveis pela “descoberta” dessa joia malinesa – como se já não tivéssemos que agradecê-lo pelo Blur e o Gorillaz. O Africa Express, mais um dos projetos capitaneados por Damon Albarn, estava em Bamako para produzir um disco com artistas locais e o Songhoy Blues foi um dos escolhidos para participar da gravação. Foi assim que o norte-americano Nick Zinner, guitarrista do Yeah Yeah Yeahs, emprestou seu talento para gravar com eles, naquele momento, a impactante Soubour, um pedido de paciência aos refugiados do norte do Mali (veja o clipe do Africa Express), e viria, depois, se tornar um dos produtores do álbum de estreia da banda.

A apresentação do Africa Express de Should I Stay or Should I Go é só um das versões bem particulares da banda para sons clássicos, como Kashmir do Led Zeppelin


Com o ótimo título Music in Exile, o début do grupo foi lançado em fevereiro de 2015, pela Transgressive Records, enquanto o selo de Julian Casablancas, Cult Records, em parceria com a Atlantic Records, lançou o álbum nos Estados Unidos. O vocalista do The Strokes, aliás, produziu uma versão “cult” de Petit Metier como single. No entanto, a primeira música de trabalho deles, antes do lançamento, foi Al Hassidi Terei, que sintetiza bem a mistura sonora da banda, que abriu shows nas turnês de Damon Albarn, Julian Casablancas & The Voidz, Alabama Shakes e Gary Clark Jr.

Al Hassidi Terei aborda o egoísmo e como ele atravanca as coisas na África, enquanto os versos em francês do refrão de Petit Metier dizem: “Após a guerra, ..... Sim, é verdade. Todo mundo faz seu pequeno trabalho”

Já o segundo álbum está “fresquinho”: Résistance foi lançado na última sexta, 16 de junho, trazendo um som não tão cru quanto o anterior e a presença inédita de metais em algumas faixas e até de cordas, com uma rabeca em Hometown. Outra novidade é a participação do icônico nome do rock Iggy Pop na música Sahara e do rap de Elf Kid, integrante do grupo de grime – variação inglesa do hip hop com o dubstep e outras influências – The Square, em Mali Nord.

Enquanto Sahara exalta o lado bonito da região que, com nos últimos anos ficou marcada não pelo seu famoso deserto, e sim pelas guerras civis e violência, Mali Nord conclama os refugiados a voltarem ao norte do Mali, além de citar sobre aqueles que foram para a Líbia, Argélia, Lampedusa ou não conseguiram atravessar Calais.

A banda volta a Glastonbury neste sábado (24), com um horário melhor no palco paralelo no The Park, nesta edição de 2017, após praticamente abrir os trabalhos no principal, o Pyramid Stage, em 2015, com o seu canto no dialeto nativo, das línguas songai, às vezes misturando com versos em francês e inglês, como na faixa que encerra o novo disco, One Colour. Com um coral de crianças na gravação cantando “Together, we can”, a canção sobre a importância de se sentir em casa em qualquer lugar deixa claro, nestes pequenos trechos “traduzidos”, que a mensagem do Songhoy Blues é a da música como ferramenta de união em um ambiente partido.


0 comentário
bottom of page