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  • Foto do escritorNayara Reynaud

#TBT Cássia Eller | Relicário de canções e memórias

Atualizado: 16 de abr. de 2020


Existem algumas mortes de pessoas célebres que ficam marcadas na memória coletiva: alguns são capazes de se recordar exatamente o que estavam fazendo no momento em que receberam a notícia do falecimento delas. É o caso da morte da cantora Cássia Eller, há exatos 15 anos, cuja lembrança daquele 29 de dezembro de 2001 ainda é bem viva nas gerações que nasceram e/ou cresceu com a MTV Brasil.


A da autora deste texto é a de ter um daqueles dias ótimos na praia, jogando Banco Imobiliário com os primos fora da casa, quando os adultos que viam a televisão pela porta, também do lado de fora para evitar o calor, avisaram que aquela cantora que você via e ouvia todo dia, e que escutara até na viagem para o litoral, tinha falecido. Mas era tudo um tanto irreal até aquele momento para uma menina de 11 anos processar que ela realmente havia partido.


Até porque, Cássia Eller estava no auge da sua carreira em 2001. O ano, que havia começado com sua performance apresentação arrebatadora no Rock in Rio e terminaria com um show de Réveillon na Barra da Tijuca, foi recheado por uma bem-sucedida turnê do Acústico MTV, que foi álbum de diamante, tamanho o sucesso. Mas o ritmo intenso de apresentações – 95 em oito meses – foi prejudicial à sua saúde, fazendo com que seu coração parasse aos 39 anos.


Destaque para a resposta dela em 24:50:


Só que a cantora nunca passou despercebida e desde seu álbum de estreia, lançado em 1990, chamou a atenção com seus diferentes arranjos em regravações de músicas da Vanguarda Paulistana e clássicos rock: de Não Sei O Que Eu Quero Da Vida, de Arrigo Barnabé, em um punk com sintetizadores, aos Beatles em ritmo de reggae em Eleanor Rigby. Uma tendência intensificada no trabalho seguinte, O Marginal, de 1992, em que faz versões de outros artistas, a exemplo de Sensações de Luiz Melodia.



No entanto, foi no novo álbum intitulado com seu nome que ela conseguiu seu primeiro hit, logo após ter seu filho, Chicão. Cássia Eller de 1994 trouxe Malandragem, a música que Frejat e Cazuza escreveram para Angela Rô Rô, mas que ela rejeitou e fez a nova cantora despontar para o grande público, chegando às trilhas sonoras de novela. O disco traz outras canções marcantes, a exemplo de 1º de Julho, composta por Renato Russo especialmente para o seu rebento, e E.C.T., feita por Marisa Monte, Carlinhos Brown e Nando Reis.


Do último, aliás, ela firmaria uma parceria que daria um ótimo fruto cinco anos depois. Neste ínterim, Cássia lançou um álbum ao vivo em 1996 e os dois volumes “venenosos” nos anos seguintes: Veneno Antimonotonia (1997) e Veneno Vivo (1998), marcados por várias homenagens a Cazuza, como Todo Amor Que Houver Nessa Vida.


Mas foi com uma série de composições de Nando Reis, entre outras Marisa, Brown e Caetano Veloso, que ela alçou as paradas de sucesso com várias faixas de Com Você, Meu Mundo Ficaria Completo. O disco, fruto da reclamação de Chicão de que a mãe berrava e não cantava igual Marisa Monte, de quem era fã, trouxe a eterna O Segundo Sol, As Coisas Tão Mais Lindas, Gatas Extraordinárias e a faixa-título, que ajudaram a artista a conquistar um público maior, que cresceria ainda mais com o Acústico MTV. Aliás, foi nessa ocasião que a dupla de compositor e intérprete materializou em dueto a sua parceria com a bela Relicário.


No entanto, a sua versatilidade foi um fator que contribuiu para o grande alcance da artista carioca, que iniciou a carreira musical em Brasília e já morou também em Belo Horizonte (MG) e Santarém (PA), por causa de seu pai, um sargento paraquedista do Exército. Cantou em francês, como no clássico eternizado por Edith Piaf, Non Je Ne Regrette Rien, em inglês, a exemplo de Try a Little Tenderness...


Foi do blues ao flamenco em Blues da Piedade e Nós...


E do samba ao baião em Partido Alto e Coroné Antônio Bento...


Mas a principal mistura de seu ecletismo único é da garotinha que começou tocando Beatles e manteve a atitude rock’n’roll nos palcos – vide o seu momento Come Together no Rock in Rio, em que ela levanta a camiseta e mostra os seios para a plateia –, com a mulher extremamente tímida fora dos holofotes, que imprimia a fragilidade necessária enquanto se firmava como uma das vozes mais importantes da MPB.


Esse viés intimista é bem explorado no documentário de Paulo Henrique Fontenelle sobre a cantora. Além de esclarecer as circunstâncias de sua morte, atribuída erroneamente pela mídia a uma overdose, Cássia (2015) revela essa faceta da pessoa por trás da artista, multifacetada como o longa mostra através de imagens de arquivo e depoimentos de parentes, amigos e parceiros de música, como Nando Reis, que admite que foi apaixonado por ela. Enfim, a sua letra em All Star demonstra isso, mas ao ser lançada no álbum póstumo Dez de Dezembro (2002), que também tem o sucesso No Recreio.


Aliás, os anos seguintes foram marcados por um revivamento constante de suas obras, desde o inédito Luau MTV (2002), exibido dois meses depois de sua morte, até o uso constante de suas interpretações em temas de novela, como o regate posterior de Palavras ao Vento, do álbum de 1999, em Da Cor do Pecado (2004) e Além do Tempo (2015). Mas o legado da cantora vai além...


Quando esta pessoa aqui assistiu ao filme, durante a Mostra de 2014 em São Paulo, viu também uma catarse coletiva enquanto subiam os créditos. Não que a plateia cantasse junto aos berros; não, fazia isso baixinho, como se cantasse pra si aqueles versos enquanto as imagens vinham à mente.

Se as recordações dos momentos finais de pessoas como a Cássia são tão presentes, é porque o trabalho delas, de algum modo, se liga a memórias muito pessoais para cada um. Talvez, porque ela era uma daquelas impressionantes intérpretes, do rol de Elis Regina, capazes de imprimir tamanha verdade na canção de outro compositor, que não só parecia que ela mesma tinha escrito, mas que estava falando diretamente com você.

Provavelmente, ao menos alguma música dela faz você se lembrar de uma passagem importante de sua história ou de algo cotidiano que hoje lhe faz falta. Quando Por Enquanto ecoou na sala do cinema ao fim da sessão, me lembrei das deliciosas viagens para a praia, que por ene motivos, não acontecem mais, porque não são mais a mesma coisa. Das horas tranquilas passadas na frente da TV, assistindo MTV, ou do lado do rádio tentando gravar minhas músicas preferidas nas fitas cassete. E, claro, da música que cantamos na formatura do ensino médio, e algumas vezes durante a aula, naquele nosso nostálgico último ano de escola.

A saudade que a música evoca contagiou a todos, porque, sim, a Cássia estava falando com cada um sobre sua própria vida, do que perdemos no caminho e do que temos que nos lembrar para seguir em frente. Pois, no final, estamos indo, todos, de volta pra casa.

Cássia Eller

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