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  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2020 | O que não pode ser contido

Atualizado: 5 de nov. de 2020


Eduardo Moreira e Renato Parara em cena do filme brasileiro O Lodo (2020), do cineasta mineiro Helvécio Ratton | Foto: Divulgação (Cineart Filmes / Créditos: Bianca Aun)

Com uma filmografia de tom bem variado, o cineasta mineiro Helvécio Ratton já foi de temas muito sérios e “adultos”, como o seu primeiro filme Em Nome da Razão (1980), o documentário que retratava a precariedade da situação manicomial no Hospital Colônia de Barbacena, à leveza do imaginário infantil, como no clássico Menino Maluquinho: O Filme (1995) e no seu último longa até então, O Segredo dos Diamantes (2014). O diretor voltou este ano com um novo trabalho, O Lodo (2020), já exibido na Mostra Tiradentes e agora na 44ª Mostra SP, no qual mergulha no realismo fantástico a partir de uma vida ordinária. O roteiro adaptado por ele e L. G. Bayão guarda o caráter episódico do conto homônimo do conterrâneo Murilo Rubião (1916-1991), publicado no livro O Convidado (1974).


O Galateu do texto original se transforma na tela em Manfredo (Eduardo Moreira), a quem o espectador já conhece em estado depressivo. Sem ânimo para levantar da cama, comer, trabalhar nos importantes relatórios que precisa entregar na empresa de seguros ou namorar com seu “caso atual”, que vem a ser a mulher de seu chefe. Ele, então, procura um psiquiatra de renome, o Dr. Pink (Renato Parara), na busca de um remédio ou outra solução rápida para a sua depressão, enquanto o médico deseja saber o que está guardado nas profundezas da mente do paciente que, relutante em remexer em suas memórias, desiste da consulta.


Recusando-se a continuar o tratamento por conta disso e por já se sentir mais bem-disposto, o personagem passa a receber inúmeras ligações da secretária do consultório e ser (per)seguido pelo próprio Dr. Pink de uma maneira crescente, até em seus pesadelos. Soma-se a isso a disputa por uma promoção no emprego e as próprias lembranças do passado que voltam à superfície, e o que era metáfora do psiquiatra se torna uma realidade em um artifício fantástico da narrativa: o surge uma ferida no peito de Manfredo de onde sai um lodo, representando tudo aquilo que ficou contido por anos no interior deste homem. A escolha de Ratton por um formato de tela mais quadrado, próximo ao 4:3, confere esse sentido de contenção na vida do protagonista, ao mesmo tempo em que sua direção intensifica os plongées à medida que a pressão ao redor dele aumenta, a ponto de extrapolar sua pele.


O longa sente a chegada tardia de sua irmã (Inês Peixoto) à trama, para uma compreensão maior do peso do passado maculado nas outras pessoas envolvidas, ainda mais porque o protagonista não é um herói a quem o público facilmente se compadece. O tom cômico, a fantasia e o drama psicológico nem sempre convergem em um filme que tem a cara das produções do início da Retomada, na segunda metade da década de 1990. Há algo de antiquado nesta história que transparece na própria narrativa e estética da obra e que pode incomodar parte do público, mas não seria muita ingenuidade nossa acreditar que se trata de um retrato totalmente ultrapassado, sendo que aquilo de rotineiro na vida de Manfredo ainda persiste na realidade atual? Conscientemente ou não, O Lodo acaba sendo uma leitura cinematográfica de um mundo, seja pela masculinidade tóxica que o cerca, pela competição profissional daquele ambiente da repartição ou pelo formalismo de sua linguagem, que não se aguenta mais em si.

 

O Lodo (2020)

Duração: 94 min | Classificação: 14 anos

Direção: Helvécio Ratton

Roteiro: Helvécio Ratton e L. G. Bayão, baseado no conto “O Lodo” de Murilo Rubião

Elenco: Eduardo Moreira, Renato Parara, Inês Peixoto, Rodolfo Vaz, Fernanda Vianna e Teuda Bara (veja + no site)

Produção: Brasil

Distribuição: Cineart Filmes

> Disponível no Mostra Play, das 22h de 22/10 (quinta) a 04/11/2020 (quarta), com limite de até 2.000 visualizações



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