MOSTRA SP 2020 | Tateando a maternidade
Atualizado: 4 de nov. de 2020
A cineasta Naomi Kawase é conhecida pela sensorialidade que emana de seus filmes. Todavia, em uma analogia com esta característica de sua filmografia, é possível dizer que seu mais recente trabalho, Mães de Verdade (2020), tateia múltiplos temas e abordagens dos mesmos sem conseguir, de fato, percebê-los ou se segurar firmemente a eles. Trata-se de um melodrama sobre maternidade, porém, desequilibrado entre o seu naturalismo paciente e um drama exacerbado que mais se chocam do que se cruzam nesta história de encontros e desencontros maternos de duas mulheres, exibida nos festivais de Toronto e San Sebastián.
Com um som de choro de bebê e a imagem solitária do mar se inicia o longa, que é uma adaptação de um livro de Mizuki Tsujimura, Asa Ga Kuru (2015). Um menino maior, então, surge à tela escovando os dentes e a trama roteirizada pela diretora e Izumi Takahashi acompanha, primeiramente, o lar de Asato (Reo Sato) com sua mãe Satoko (Hiromi Nagasaku) e o pai Kiyokazu (Arata Iura). O drama inicial se concentra na acusação de que o filho deles derrubou e machucou um amigo no parquinho, enquanto o garoto não se lembra disso.
Volta-se no tempo, portanto, para acompanhar como esse casal lutou para ter uma criança, já que a infertilidade do marido o atormentou até que os dois descobrem a adoção como uma possibilidade e, assim, encontram Asato. Retornando ao presente, o problema inicial é sanado e, depois desse longo primeiro ato, o drama principal se apresenta, quando o telefone novamente toca e a mãe biológica do menino o quer de volta. E assim, a história da jovem Hikari (Aju Makita, se destacando frente a um bom elenco) é introduzida, com o seu primeiro amor se tornando gravidez na adolescência e, sem o apoio dos pais, a garota se vê obrigada a dar seu filho para quem possa cuidá-lo.
É curioso como, dentro dessa trama folhetinesca, o espectador acostumado a narrativas do tipo espera que a empresa responsável pela adoção tenha um papel mais escuso dentro dessa troca comercial e afetiva, mas a proprietária Shizue Asami (Miyoko Asada) é tratada, igualmente, como uma figura materna, um porto seguro, assim como a ilha em Hiroshima que abriga as garotas até o momento do parto. Uma delicadeza que contrasta quando Kawase mergulha de cabeça no melodrama, sem encontrar a dose certa de cada porção, a exemplo da maneira que a diferença de classes sociais das duas mães é trabalhada só para explorar a derrocada de Hiraki. Assim, ao contrário da câmera próxima da diretora, detalhes jogados ao longo da história não são aprofundados, como a exigência de que um dos pais adotivos teria que se demitir teve peso na vida de Satoko, e se tornam acessórios tais quais os constantes flares, efeito criado pela entrada da luz do Sol na lente que a cineasta usou em Esplendor (2017) e, diferentemente daquele caso, não encontram um propósito aqui, além de emular uma conexão sensorial da maternidade que o roteiro não consegue construir por si próprio.
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Mães de Verdade (Asa Ga Kuru, 2020)
Duração: 140 min | Classificação: 14 anos
Direção: Naomi Kawase
Roteiro: Naomi Kawase e Izumi Takahashi, baseado no livro “Asa Ga Kuru” de Mizuki Tsujimura
Elenco: Hiromi Nagasaku, Aju Makita, Arata Iura, Miyoko Asada, Reo Sato, Hiroko Nakajima e Taketo Tanaka (veja + no site)
Produção: Japão
Distribuição: Califórnia Filmes
> Disponível no Mostra Play, das 22h de 22/10 (quinta) a 04/11/2020 (quarta), com limite de até 2.000 visualizações
> Sessão – Belas Artes Drive-in – 23/10/2020 (sexta), às 18h40
+ Repescagem de 05 a 08/11/2020 na Mostra Play
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