GRAMADO 2020 | Dia 7 – Pequenas jornadas de libertação
Atualizado: 9 de nov. de 2020
A sétima e última noite de competições do 48º Festival de Cinema de Gramado foi exclusivamente de produções no Norte e Nordeste do país, que trouxeram jornadas de libertação aos seus protagonistas em pequenos gestos ou distantes caminhadas. O evento começou nesta quinta (24) com a imaginação frente à realidade no curta alagoano Trincheira (2020) e as descobertas femininas do concorrente amazonense O Barco e o Rio (2020) para depois encerrar com o longa King Kong em Asunción (2020), o road movie sul-americano do pernambucano Camilo Cavalcante. Confira mais sobre os filmes a seguir.
Trincheira (2020) e O Barco e o Rio (2020)
O imaginário infantil que abriu esta competição de curtas brasileiros de Gramado, com o mineiro 4 Bilhões de Infinitos (2020), retorna no último dia com o alagoano Trincheira. Exibido no mês passado, na mostra infanto-juvenil do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, o Curta Kinoforum, o filme de Paulo Silver trabalha o lúdico para abordar questões sociais bem pertinentes a qualquer discussão adulta. É a fantasia como forma de encarar e/ou fugir da realidade.
Ela surge naturalmente no cotidiano de um garoto (Gabriel Nunes Xavier) em meio a um aterro sanitário, transformando os itens descartados pela sociedade em algo valioso através de sua imaginação. Enquanto a cidade ergue seus muros dos condomínios de luxo – a especulação imobiliária também é estampada nos jornais que relatam os problemas locais –, o menino faz do lugar uma trincheira para seu mundo fantástico, mesmo quando ele é colocado em risco. Talvez, falte algum ponto mais incisivo na narrativa, mas o curta faz valer sua mensagem até o fim, com destaque para a trilha sonora remetendo aos games espaciais e a animação dos créditos finais.
Por outro lado, é o naturalismo que dá o tom de O Barco e o Rio, segundo curta de Bernardo Ale Abinader. A produção amazonense começa em um velho barco que serve de sustento para três mulheres e o estado dele é motivo da discussão que apresenta as duas protagonistas. De um lado, está Vera (Isabela Catão) cuidando da embarcação com o mesmo afinco que se dedica à religião, enquanto a irmã Josi (Carolinne Nunes) vive livremente tanto em seus relacionamentos quanto no trabalho, já que não enxerga um futuro no negócio da família.
Essa oposição é indicada em uma caracterização rápida na cena inicial, tal qual na alegoria estampada no título, como bem explica Cecília Barroso em seu texto no Cenas de Cinema. Contudo se este retrato recai em estereótipos do texto e direção para apontar estes opostos do discurso do filme, as atrizes dão as nuances necessárias para preencher de vida esses arquétipos. Se Nunes tem pouco tempo de tela para mostrar quem realmente é Josi, Catão demonstra muita destreza para interpretar uma protagonista que luta internamente contra suas convicções e aquilo que apreendeu para se descobrir como mulher, nem que seja na pequena libertação de sentir o vento em seus cabelos.
Trincheira (2020)
Duração: 14 min 40 s
Direção: Paulo Silver
Roteiro: Paulo Silver e Rafhael Barbosa
Elenco: Gabriel Nunes Xavier (veja + no site)
Produção: Brasil (Alagoas)
O Barco e o Rio (2020)
Duração: 17 min 12 s
Direção: Bernardo Ale Abinader
Roteiro: Bernardo Ale Abinader
Elenco: Isabela Catão, Carolinne Nunes, Márcia Vinagre e Diego Bauer (veja + no site)
Produção: Brasil (Amazonas)
King Kong em Asunción (2020)
Para o bem ou para o mal, King Kong em Asunción é um filme que se perde na própria viagem que propõe. Depois do lirismo encantador de A História da Eternidade (2014), o cineasta pernambucano Camilo Cavalcante se entrega a um cinema sem pudores ao cair na estrada, no que pode ser descrito como um road movie sul-americano. Também é visceral a interpretação de Andrade Júnior como Velho, em um dos últimos papéis do ator, falecido em maio de 2019 – a produção foi rodada em 2017.
O espectador é introduzido ao protagonista em meio à hipnotizante paisagem do deserto de sal de Salar de Uyuni, na Bolívia, onde Velho executa o seu serviço, literalmente. O matador de aluguel, no entanto, deseja se aposentar, mas ainda é convocado para mais uma missão que, vem de encontro com sua necessidade pessoal. Desde que soube da existência de uma filha com um antigo amor que abandonou no Paraguai, o brasileiro é atormentado, tanto pelos fantasmas das pessoas que matou quanto pela própria vida que deixou para trás.
Praticamente tudo isso é contado através de uma ostensiva narração da Morte (Ana Ivanova) em guarani, língua oficial do Paraguai e que está presente na essência da nação brasileira. Entretanto, a narrativa é tão dependente deste recurso quanto ele não agrega significados maiores neste panorama latino. Quando, quase ao final, se revela um evento traumático do passado, parece se desenhar uma espécie de sina sul-americana, podendo o protagonista ser a representação do Brasil repetindo os desmandos e violência que sofreu nos territórios vizinhos, em momentos como a Guerra do Paraguai, porém, a obra não desenvolve nada neste ou qualquer outro sentido.
Soma-se a isso, a maneira como a direção de Cavalcante embebeda-se dos cenários e momentos: os 30 minutos iniciais decorrem apenas no andar vagaroso de Velho, por vezes atormentado, outras, contemplativo, indo da Bolívia ao Paraguai e a câmera admirando as pessoas, lugares, culturas, abandonos e sofrimentos que passam pelas estradas e cidades. E mesmo quando chega ao cerne da história, parte para o exagero de retratos noturnos, de um tapa congelado ou certo desprezo pela trama que está conduzindo. A Morte diz que “vamos nos encontrar em outro plano, talvez, no cinema”, mas King Kong parece fugir a todo momento do encontro com seu protagonista.
Duração: 90 min
Direção: Camilo Cavalcante
Roteiro: Camilo Cavalcante
Elenco: Andrade Júnior, Ana Ivanova, Juan Carlos Aduviri, Fernando Teixeira, Maycon Douglas e Georgina Genes (veja + no site)
Produção: Brasil (Pernambuco)
Distribuição: Arthouse
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