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  • Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2021 | Dia 6 – A opressão e o sonho de liberdade

Atualizado: 9 de mai. de 2021


A programação desta quarta (14) no festival É Tudo Verdade 2021 tem como ponto em comum o registro de momentos em que a humanidade, nos mais diversos locais e período, sofreu alguma opressão e resolveu reagir para (re)conquistar a liberdade, por vezes com e outra sem sucesso. Na competição internacional de longas, a atração deste sexto dia de evento é Presidente (2021), documentário da dinamarquesa Camilla Nielsson que acompanha a campanha eleitoral da oposição para a presidência do Zimbábue, em 2018, na esperança de que a democracia de fato possa voltar ao país. Na nacional, o diretor Joel Pizzini faz de Zimba (2021) um retrato performático da vida e da carreira do ator e diretor polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978), que, ao fugir de sua terra durante a II Guerra Mundial, encontrou morada nos palcos brasileiros. Dialogando com ambos, na mostra Homenagem a Ruy Guerra, Mueda: Memória e Massacre (1979) é a lembrança dos horrores da colonização portuguesa em Moçambique. Confira mais sobre estes filmes a seguir:

 

Presidente (President, 2021)


O candidato Nelson Chamisa durante a campanha à presidência do Zimbábue, nas conturbadas eleições de 2018, em cena do documentário Presidente (2021), da diretora dinamarquesa Camilla Nielsson | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

O restrito e conturbado cenário político do Zimbábue não é novidade para a documentarista dinamarquesa Camilla Nielsson. Em seu longa anterior, Democrats (2014), a cineasta observava o processo de redação de uma nova constituição entre o partido do então todo poderoso presidente Robert Mugabe, a União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica (ZANU-PF), e a oposição. Voltando ao país africano em 2018, às vésperas das eleições presidenciais, a diretora encontra a promessa oficial de mudanças após o golpe de Estado dado no ano anterior por Emmerson Mnangagwa, antigo vice que resolveu destronar o homem que liderava a nação desde a sua independência em 1980, e os opositores do Movimento pela Mudança Democrática (MDC) correndo atrás do tempo perdido depois da morte do favorito Morgan Tsvangiari, alçando o advogado e ativista Nelson Chamisa, de 40 anos, à posição de candidato.


É este ambiente em ebulição que o filme Presidente, que recebeu Prêmio Especial do Júri da competição internacional do festival de Sundance em 2021, capta ao acompanhar a campanha eleitoral da oposição, a princípio, durante as quatro semanas que antecedem a votação. Com um longo histórico de denúncias de fraudes na época sob o comando de Mugabe, o discurso de Mnangagwa é de transparência e, em tese, observadores internacionais estão no país para garantir isso. O jovem e carismático Chamisa consegue ganhar espaço entre a população, prometendo mudanças para acabar com a pobreza e a corrupção, mas o que fazer quando o partido no poder distribui as cestas básicas como moeda de troca para a decisão das urnas e as cédulas são impressas antes e sem o consentimento de todos os partidos.


O documentário, que já estampava elementos de thriller político, ganha ritmo e urgência a partir das eleições, quando a demora nas apurações indica que algo de errado está ocorrendo, o que é confirmado com os resultados divulgados pela Comissão Eleitoral do Zimbábue, visivelmente adulterados. O que se segue são confrontos nas ruas, com o Exército atirando indiscriminadamente contra os manifestantes e matando civis alheios ao protesto, uma batida policial no escritório da oposição, a tropa de choque impedindo a realização de uma coletiva de imprensa do MDC e um julgamento tendencioso que confirma a eleição de Mnangagwa, cujo partido controla justamente estas várias instituições estatais. É possível questionar Nielsson por “comprar” totalmente a imagem de Chamisa como o melhor candidato para governar a nação e tirá-la da miséria e obscurantismo, mas não só os fatos acumulados ao longo do filme como os rostos constrangidos dos agentes de Estado ao sustentar a falácia do discurso oficial, que sua câmara sempre capta com muita perspicácia, são suficientes para ter certeza de que os zimbabueanos ainda não puderam provar o gosto da democracia – e se ainda há dúvida, a enorme quantidade de anônimos entre os créditos da produção local dizem muito sobre a liberdade que eles usufruem.

 

Presidente (President, 2021)

Duração: 130 min | Classificação: 12 anos

Direção: Camilla Nielsson

Produção: Dinamarca, Estados Unidos e Noruega

Áudio e Legendas: xona e inglês | legendas em português

> Sessão – 14/04/2021 (quarta), às 19h00

Disponível no Looke, com limite de até 2.000 visualizações ou prazo de 24 horas; caso não alcancem o limite, retornam no dia seguinte às 12h00 e ficam até as 22h ou o limite de visionamentos estabelecido

 

Zimba (2021)


Imagem de uma apresentação do ator e diretor Zbigniew Ziembinski, polonês radicado no Brasil, em cena do documentário sobre ele, Zimba (2021), longa brasileiro de Joel Pizzini | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

É sempre bem-vindo um filme que se deixa contagiar pelo ambiente que rodeia o seu objeto de interesse. É o caso de Zimba, novo longa de Joel Pizzini que não somente reconta, como também mergulha de corpo e alma na trajetória do ator e diretor Zbigniew Ziembinski. Responsável por outros tantos documentários biográficos, como Olho Nu (2013), sobre o cantor Ney Matogrosso, e os perfis de célebres cineastas Mr. Sganzerla – Os Signos da Luz (2012) e Glauber Rocha (2004), o cineasta carioca usa a obra do próprio artista polonês radicado no Brasil e a arte teatral que sempre o moveu para traçar o seu perfil.


Há sim os depoimentos e imagens de arquivo, mas ambos são instrumentalizados através da performance. Começando pelo fim, a narrativa inicia com Ziembinski vendo e comentando sobre sua própria morte, por meio da montagem de excertos de suas interpretações. Só então, trechos de suas entrevistas se revelam em off, enquanto os registros em vídeo ilustram sua história, desde o início da carreira na Polônia, de onde saiu após a ocupação nazista em Varsóvia, se refugiando primeiro em Paris e, depois do avanço alemão sobre a França, no Brasil, graças a ajuda do embaixador brasileiro Luiz Martins de Souza Dantas que ofereceu visto diplomático a ele e outro judeus durante a II Guerra Mundial, até seus êxitos artísticos por aqui no teatro e aparições na TV e no cinema.


Apesar da espinha dorsal cronológica, a narrativa é não-linear, indo e voltando entre seus dois “lares”, e permeada por intervenções performáticas. Mais do que depoentes, Camila Amado, Nathalia Timberg e Nicette Bruno, três atrizes que tiveram a experiência de serem dirigidas por ele em papéis fundamentais nas suas carreiras, trazem sua presença e memória para relembrar o seu trabalho, enquanto o filme remonta Vestido de Noiva (1943), peça de Nelson Rodrigues que teve a direção de Ziembinski na montagem original e na de 1976 e se tornou um marco do teatro moderno no Brasil com a proposta expressionista de cenografia e iluminação. Zimba, que traz no título o apelido carinho pelo qual o artista era chamado, compreensivelmente, detém-se bastante na homenagem através de tão importante espetáculo, perdendo um pouco de sua energia no último ato, mas fica o saldo positivo de um documentário que, se não igual à arte pioneira de seu biografado, lhe é muito respeitosa pela dose de ousadia.

 

Zimba (2021)

Duração: 78 min | Classificação: Livre

Direção: Joel Pizzini

Produção: Brasil (São Paulo/SP)

Áudio e Legendas: português e polonês | legendas em português (trechos)

> Sessão – 14/04/2021 (quarta), às 21h00

> Reprise – 15/04/2021 (quinta), às 15h00

Disponível no Looke, com uma hora de tolerância para o início da sessão ou até atingir o limite de 2.000 visualizações

> Debate – 15/04/2021 (quinta), às 17h00

Disponível no YouTube do ETV

 

Cena da encenação documentada pelo filme Mueda: Memória e Massacre (1979), dirigido por Ruy Guerra, que é considerado o 1º longa de Moçambique | Foto: Divulgação

A história do cineasta luso-brasileiro Ruy Guerra está intrinsecamente ligada a Moçambique, terra onde nasceu e na qual retornou durante um período, quando foi declarada a sua independência. Foi quando dirigiu aquele que é considerado o primeiro longa-metragem moçambicano, Mueda: Memória e Massacre, de 1979. Trata-se de um filme que documenta a encenação anual do Massacre de Mueda, perpetrado pelas autoridades e forças policiais coloniais contra a população que reivindicava liberdade e melhores condições, em 16 de junho de 1960, e que seria uma motivação para a criação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), que tornaria o país independente em 1975.


A cartela inicial informa sobre as motivações do protesto e como o governador de Cabo Delgado e a polícia emboscaram aqueles que questionavam seus direitos na reunião marcada por eles, prendendo os manifestantes e, depois, abrindo fogo contra a população que se revoltou com isso, resultando na morte de 600 pessoas. A figura de um professor explica a chegada dos colonizadores portugueses em 1498 e os povos que antes habitavam a região, para então o público ser introduzido ao espaço a céu aberto onde os cidadãos locais encenam o drama de Mueda todos os anos e estão prestes a começar mais um.


A encenação revela nuances de como moçambicanos que partiram para a Tanzânia em busca de melhores salários foram influenciados pelas ideias correntes de independência por lá e em outras partes do continente africano, retornando para Moçambique a fim de reivindicar o mesmo, mas encontrando um racismo enraizado nos colonizadores que lhes consideravam animalescos e nem lhe davam voz. Contudo, são justamente as figuras de autoridade, sejam portugueses ou moçambicanos internalizados pela ideologia colonialista – outro filme de Guerra presente nesta seleção, Os Comprometidos – Actas de um Processo de Descolonização (1984), trata bem desta questão –, que causam risos da plateia com suas atitudes que espontaneamente soam como uma sátira, em contraste com o horror do massacre em si. E se eles ali recordavam dos que morreram que todos pudessem ter liberdade, o filme acaba deixando uma nota agridoce ao espectador que o assistir em 2021, quando a mesma Cabo Delgado tem a sua liberdade ameaçada com o avanço de jihadistas ligados ao Estado Islâmico implantando o terror na região, vide o ataque recente em Palma, cidade próxima a um grande campo de extração de gás natural.

 

Duração: 80 min | Classificação: 14 anos

Direção: Ruy Guerra

Produção: Moçambique

Áudio e Legendas: macua e português | legendas em português

> Sessão – 08/04 (quinta) a 08/05/2021 (domingo)

Disponível no Spcine Play

> Sessão – 11 a 18/04/2021 (domingo a domingo)

Disponível no Sesc Digital



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