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  • Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2020 | O brasileiro feliz

Atualizado: 3 de out. de 2020


O cantor Jair Rodrigues plantando bananeira em um show, na imagem do documentário nacional Jair Rodrigues – Deixa que Digam (2020), de Rubens Rewald | Foto: Divulgação (Festival É Tudo Verdade | Créditos: Rafael Ianni)

Único representante dos documentários musicais na competição de longas do festival É Tudo Verdade 2020, Jair Rodrigues – Deixa que Digam (2020) é um típico exemplar do subgênero tão comum no Brasil dentro do leque da produção documental. Isso quer dizer que o longa de Rubens Rewald tem esse característico resultado antagônico de fornecer um satisfatório resgate informativo da trajetória do artista retratado, mas não conseguir traduzir a sua música de forma fílmica. A bem da verdade, algo sintomático também em várias cinebiografias ficcionais ou obras cinematográficas que precise mergulhar em outra arte, como já foi comentado aqui diversas vezes.


Sendo assim, o cineasta que conheceu Jair Rodrigues durante as filmagens de Super Nada (2012), ficção em que o cantor atuava como um comediante conhecido por gerações, dá prosseguimento ao projeto imaginado junto com o mesmo, semanas antes de falecer em 2014, de fazer um filme sobre o artista. Seis anos depois, chega às telas um carinhoso documentário sobre a sua figura, que tenta dar conta de toda a sua biografia, desde seu nascimento até a sua morte. Para tanto, começa com alguns dos entrevistados cantando e comentando um de seus maiores sucessos, justamente o Deixa Isso Pra Lá cujo verso está no subtítulo da produção. Uma proposição que se repete mais a frente quando o assunto é Disparada, música responsável por mostrar ao público que ele não era apenas intérprete de sambas e podia colocar suas raízes sertanejas no canto, e também por projetar a sua carreira internacional.


Entretanto, a narrativa segue mais por uma linha cronológica, com montagens de entrevistas antigas de Jair sendo intercaladas pelos depoimentos de familiares, colegas de profissão e especialistas para recontar a sua trajetória ilustrada pelas imagens de arquivo. Tem-se, portanto, desde a infância na roça em Nova Europa, o primeiro trabalho como alfaiate, a dupla sertaneja fraterna, o restaurante em São Carlos em que começou a carreira, até que seu irmão o levasse para São Paulo, onde foi criando fama pelas boates da cidade até conseguir gravar seu disco de estreia. A incrível parceria com Elis Regina no programa O Fino da Bossa (1965) ganha destaque, assim como o fato de seu sucesso transformá-lo em um ícone negro em uma época que a sua presença era uma exceção na televisão.


A questão, então, suscita um momento capitular em que o filme se debruça sobre a questão do racismo e a posição apolítica de Jair Rodrigues, especialmente durante a Ditadura, quando os artistas negros não se envolviam nos discursos promovidos pela classe artística predominantemente branca e de classe média. O músico e historiador Salloma Salomão defende, porém, que a sua postura passiva enquanto figura pública difere do seu repertório e de suas escolhas artísticas que exaltam a ancestralidade africana. Algo exemplificado desde o ato dele de gravar o samba-enredo do Salgueiro, Festa para um Rei Negro, ou ser um dos primeiros a viajar para a África e fazer um show numa Angola ainda em luta anticolonial para obter a sua independência de Portugal.


O tom laudatório permanece em todo o documentário, com todos exaltando seu estilo próprio e sobrando pouco espaço para a pessoa por trás do mito, seja do profissional durante o período de certo ostracismo nos anos 1980 ou o homem de família. Se no início, Rewald traz o filho Jair Oliveira, também cantor, tal qual sua irmã Luciana Mello, interpretando o próprio pai ao contar a sua história, o interessante dispositivo é logo abandonado, sem que acrescente mais camadas neste retrato personalista. Há um breve momento em que a esposa Claudine Mello fala de um dos raros momentos de tristeza do marido, pela perda de uma filha, já que ele guardava muita coisa para si, mas é visível como todos e o próprio filme querem apenas a imagem do artista feliz, explicitado na citação final de Vladimir Maiakovski, e não um Canto Chorado sobre Jair Rodrigues, só com uma questão de peso e medida que ele sabia fazer tão bem nas entrelinhas da força de seu canto alegre. De qualquer modo, não faz mal bater um papo assim gostoso com a sua história.

 

Duração: 96 min | Classificação: Livre

Direção: Rubens Rewald

Produção: Brasil (São Paulo/SP)

Áudio e Legendas: diálogos em português, com legendas em inglês

> Sessão – 01/10/2020 (quinta), às 21h00

> Reprise – 02/10/2020 (sexta), às 15h00

No site do É Tudo Verdade ou diretamente no Looke

+ Debate – 02/10/2020 (sexta), às 17h00 no canal do ETV no YouTube



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