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  • Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2020 | A frágil ponte narrativa

Atualizado: 7 de out. de 2020


Fachada do Hotel da Amizade em Pequim, em cena do documentário A Ponte de Bambu (2019), de Marcelo Machado | Foto: Divulgação (Festival É Tudo Verdade)

Com uma carreira muito ligada ao registro e promoção do mundo musical desde os primórdios de sua carreira, como ainda pode ser observado em seus documentários mais recentes Com a Palavra, Arnaldo Antunes (2018) e Tropicália (2012), Marcelo Machado foge de seus costumeiros perfis ligados à arte em seu último trabalho. Em A Ponte de Bambu (2019), título presente no festival É Tudo Verdade 2020, o cineasta se arrisca em um panorama histórico, político e cultural da China, a partir do olhar de um clã de emigrantes brasileiros que viveu e ainda está ligada ao país. E assim como aconteceu em outro filme da competição desta edição, Os Quatro Paralamas (2020), faz isso em razão de uma relação pessoal, pois, além de sua esposa ter origem chinesa, o diretor é amigo da Família Martins.


O realizador e sua câmera, então, se debruçam sobre as fotos e as lembranças do jornalista Jayme Martins, sua mulher Angelina e suas filhas Andréia e Raquel, em uma conversa caseira no sítio deles em Jundiaí. Reconta-se como o editor de jornais no interior de São Paulo resolveu aceitar o convite para dirigir um e ser professor na China, dentro da política da fechada nação oriental de trazer “especialistas estrangeiros” para aproximar-se do resto do mundo. O fato de a Ditadura ter se instaurado no Brasil e ele ser perseguido por ser comunista também contribuiu para que partisse, de vez, em 1965.


Através de seus relatos, porém, é possível identificar as perspectivas diferentes que cada um apreendeu desta experiência de mais de 25 anos, intermitentes, vivendo por lá. Jayme, que continua sendo um ferrenho defensor do maoísmo, aderiu prontamente à Revolução Cultural que havia se iniciado bem no momento em que chegaram a Pequim e, embora afirme que eles demoraram “a entender que era apenas uma luta interna de duas correntes no Partido Comunista da China”, a discordância de Angelina dessa imposição ideológica foi motivo de discussões entre o casal, além de a esposa ser mal vista por seus colegas de trabalho por seu posicionamento. O pai que não participava dos aniversários das filhas, por considerar algo burguês, fez questão que elas crescessem como chinesas e as meninas, que só falavam em mandarim e foram aprender o português só quando mais velhas, falam com carinho da terra em que cresceram. E mesmo tendo vivenciado bem de perto o massacre da Praça da Paz Celestial, sendo evacuados do país por conta disso, retornaram tempos depois.


As humanas contradições desses depoimentos até deixam margem para o espectador abstrair seu próprio pensamento a partir disso, mas seria interessante se Machado, em vez de pontuar em sua locução algumas delas, tentasse as contrapor com visões diferentes – a exemplo do próprio sogro do diretor, que lutou contra os comunistas e fugiu para Taiwan, vindo a se estabelecer depois em solo brasileiro, como o genro cita. O resultado do filme até ajuda a desmistificar uma nação envolta em mistério, por causa de seu próprio isolamento de décadas e igualmente de imagens errôneas geradas por antigas e atuais campanhas difamatórias. No entanto, não vai a fundo no contraditório da realidade da China.


Se focasse apenas na experiência familiar e no ressentimento que Andréia e Raquel sentem por não terem a cidadania chinesa, porque o “estrangeiro vai ser sempre estrangeiro” lá, o documentário seria mais assertivo do que é ao optar por esse olhar particular para apresentar anos de uma complexa história de um país. Não tanto pela escolha da abordagem em si, mas sim pelo modo como o discurso ressalta que os Martins seriam a única ponte entre o Brasil e a China. Contudo, quando se registra uma das filhas indo mostrar aos executivos chineses os avanços na linha de transmissão de Belo Monte, hidrelétrica tão controversa quanto a política internacional dos brasileiros com a potência asiática da qual tantos setores econômicos dependem, é evidente que há muito mais dessa relação geopolítica a ser explorado além do que a família pode contar.

 

Duração: 77 min | Classificação: Livre

Direção: Marcelo Machado

Produção: Brasil (São Paulo/SP)

Áudio e Legendas: diálogos em português, inglês e chinês, legendas em inglês

> Sessão – 27/09/2020 (domingo), às 21h00

> Reprise – 28/09/2020 (segunda), às 15h00

No site do É Tudo Verdade ou diretamente no Looke

+ Debate – 28/09/2020 (segunda), às 17h00 no canal do ETV no YouTube



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