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  • Foto do escritorNayara Reynaud

DEERSKIN: ESTILO MATADOR | A roupa como figurino

Atualizado: 19 de ago. de 2020


Jean Dujardin e Adèle Haenel em cena do filme francês Deerskin: Estilo Matador / Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo (Le Daim, 2019), de Quentin Dupieux | Foto: Divulgação (Califórnia Filmes)

O adjetivo que melhor define os filmes do cineasta francês Quentin Dupieux é “absurdo”. O realizador, que em seu trabalho como músico assina como Mr. Oizo, usa dessa qualidade para estabelecer um olhar ao mesmo tempo satírico e subversivo à Hollywood, especialmente ao se utilizar de vários elementos essenciais ou simples clichês do cinema de gênero, como fez na obra que o tornou conhecido, para o bem ou para o mal, na comédia de terror Rubber, O Pneu Assassino (2010). Às vezes, isso não se restringe somente a gêneros, mas a chavões como o da crise do homem de meia-idade que guia de forma estranhamente única seu mais recente longa, Deerskin: Estilo Matador (2019), que foi exibido no último Festival do Rio sob o título de Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo, depois de estrear mundialmente na Quinzena dos Realizadores de Cannes.


No caso, o público conhece Georges (Jean Dujardin) já a caminho dos Alpes franceses, onde para em um pequeno chalé para comprar de um senhor (Albert Delpy) uma antiga jaqueta de couro de cervo e depois vai se hospedar em um quase vazio hotel de uma pequena vila pouco povoada. Uma espécie de paixão obsessiva surge entre ele e aquela roupa em uma crescente de absurdo e, consequentemente violência. Diferente da antropomorfização direta que Dupieux fez com o seu pneu andante que descobre o seu poder psíquico e começa a matar pessoas ao longo da estrada em Rubber, o cineasta “dá vida” ao objeto-chave daqui através do protagonista, deixando ao público a frágil dúvida se a jaqueta transforma aquele homem ou se ele já era assim e usa a peça como instrumento catalisador de sua loucura – porém, parece mais evidente ser a segunda opção, mesmo que se saiba quase nada da vida pregressa desse recém-divorciado.


A roupa, na realidade, fica até um pouco mais curta em seu corpo, mas claramente não é só um item de vestuário para ele e o filme, e sim um símbolo. Se durante o longa, a garçonete e montadora amadora Denise (Adèle Haenel) teoriza em uma metáfora simples que a peça se torna uma espécie de carapaça, a narrativa estabelece um paralelo entre ela e o figurino que ajuda um ator ou atriz a encarnar sua personagem. Georges expressa que está com o tal “estilo matador” ao se olhar no espelho com ela pela primeira vez, como se fosse uma figura de faroeste, embora ele claramente não entenda o básico de cinema, para mais tarde transformar o que era figurativo em literal, ao mesmo tempo em que se cobre mais de couro de cervo – enquanto a própria obra emula, no aspecto envelhecido e desbotado nos tons pastéis da paleta de cores da fotografia e direção de arte, um arremedo do gênero.


Essa ideia de viver uma personagem se expande pelo fato do protagonista ganhar do senhor, junto da jaqueta, uma câmera digital com a qual faz filmagens soltas amadoras. Mas quando se apresenta como cineasta no bar em que Denise trabalha, precisa sustentar a mentira até que a editora, que fez uma versão de Pulp Fiction: Tempo de Violência (1994) na ordem cronológica e afirma que o clássico de Quentin Tarantino não é tão bom se visto assim, encontra “um filme” nos seus registros, conceituando-o como um mocumentário, um falso documentário sobre a roupa em questão. Igualmente, filmar se torna para Georges um meio para poder realizar sua obsessão final, levantando reflexões metalinguísticas: o que e quem define o que é cinema? Seria Deerskin uma alegoria sobre uma vida pautada pelas ideias cinematográficas de “ser alguém especial”, entre outras? Ou um filme sobre como o cinema, às vezes, é uma mera obra do acaso, pensado e calculado depois de seu registro, seja na pós-produção ou por nós, críticos, que teorizamos sobre ele?


Tais questões não são respondidas por Dupieux e nem parece ser esse o intuito do cineasta que, em concisos 77 minutos de duração, lida melhor agora com um problema recorrente de suas produções, cujas interessantes premissas para um curta-metragem não se sustentam enquanto longa. Sua direção mantém o ritmo narrativo e também opta por uma chave cômica menos óbvia para se revelar mais brutal do que parece a princípio. Algo que só é sustentado pelas interpretações de Jean Dujardin, ganhador do Oscar por O Artista (2011), e Adèle Haenel, jovem estrela do cinema francês que ficou mais conhecida internacionalmente por Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), que tornam seus personagens críveis dentro daquele contexto, sem partir para o exagero habitual que o conteúdo trash geralmente carrega consigo, e que reforçam aqui a ambivalência entre o absurdo e a realidade no questionamento do filme sobre a natureza do cinema.

 

Deerskin: Estilo Matador (ou Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo) (Le Daim, 2019)

Duração: 77 min | Classificação: 16 anos

Direção: Quentin Dupieux

Roteiro: Quentin Dupieux

Elenco: Jean Dujardin, Adèle Haenel, Albert Delpy, Coralie Russier, Laurent Nicolas, Marie Bunel e Pierre Gommé (veja + no IMDb)

Distribuição: Califórnia Filmes

Plataforma: Apple TV, Google Play, NOW, Vivo Play e YouTube Filmes, a partir de 14 de agosto de 2020



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