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  • Foto do escritorNayara Reynaud

UMA SEGUNDA CHANCE PARA AMAR | Curando a dor

Atualizado: 28 de fev. de 2021


Emilia Clarke em cena do filme Uma Segunda Chance para Amar (Last Christmas, 2019), de Paul Feig | Foto: Divulgação (Universal Pictures)

No último Natal, já aconteciam as filmagens em Londres de um curioso projeto capitaneado por Paul Feig e com roteiro de Emma Thompson. A sua inspiração estaria na famosa canção Last Christmas do Wham!, grupo em que foi iniciada a carreira do astro George Michael – falecido justamente no dia 25 de dezembro de 2016. Um ano depois, chega agora aos cinemas Uma Segunda Chance para Amar (2019), uma adaptação quase literal do hit natalino, incluindo outras músicas do cantor britânico na trilha sonora, para embalar a comédia romântica estrelada por Emilia Clarke e Henry Golding.

Trata-se de mais uma mudança de registro de Feig em sua filmografia, na qual o cineasta, mantendo-se fiel às mulheres protagonistas, inclinou-se da pura comédia para o noir cômico no anterior Um Pequeno Favor (2018) e, desta vez, bebe da fonte de outros gênero e subgênero. O longa tem a aura dos últimos tempos áureos das comédias românticas nas telonas, com um quê de títulos como E Se Fosse Verdade (2005) e outros que não dá para revelar, pois entregariam o grande plot twist da narrativa, e das tramas natalinas, com muito do clássico A Felicidade não Se Compra (1946). No entanto, a assinatura mais evidente é de Thompson, que, escrevendo ao lado da artista performática Bryony Kimmings, a partir de um argumento que desenvolveu com o ator Greg Wise, traz um texto mais próximo ao seu trabalho em O Bebê de Bridget Jones (2016) do que seus exercícios como roteirista em adaptações de Jane Austen e Nanny McPhee.

Contudo, se o título em português soa como um grande clichê para exemplares do gênero, essa tal segunda chance para amar diz menos respeito ao romance em si e mais ao drama da própria protagonista, que entra em uma jornada autodestrutiva depois de não lidar muito bem com o seu transplante de coração. A história, ambientada em 2017, acompanha Katarina (Emilia Clarke) um ano depois de sua cirurgia, mergulhada em autopiedade, falta de confiança e depressão, mas transformando esses sentimentos em um comportamento irresponsável que prejudica suas relações familiares, de amizade e no trabalho. A funcionária de uma loja de artigos natalinos comandada pela Santa (Michelle Yeoh) é uma cantora frustrada que tenta passar por diversas audições tanto quanto busca por um canto para dormir na casa dos amigos – com uma frequência mais frenética do que Frances Ha (2012) neste sentido –, mas começa a rever seus pensamentos e ações quando conhece o simpático e misterioso Tom Webster (Henry Golding).

É então que o espectador pode acompanhar mais a conturbada relação dela com a dramática mãe Petra, interpretada pela própria Emma Thompson, além de seu pai Ivan (Boris Isakovic) e a sua irmã Marta (Lydia Leonard), e o fato de a sua família ter vindo da antiga Iugoslávia, fugindo da guerra civil nos anos 90 para se estabelecer no Reino Unido, não é uma escolha à toa da roteirista e revela a mesma preocupação vista em outro trabalho recente dela como atriz, na minissérie Years and Years (2019). Se essa mera decisão e a escalação de um elenco que demonstra a pluralidade étnica vista em Londres já colocariam o filme dentre as produções que representam bem este cinema britânico pós-Brexit, o texto ainda sublinha este ambiente de xenofobia no país, com o apoio popular à saída da nação da União Europeia e os discursos de ódio institucionalizados ou diretos aos imigrantes. Por mais que os caminhos da trama, com sua mensagem de união em tempos de tanta divisão, já seja suficientemente esclarecedores sobre a questão, o discurso mais didático é uma prática cada vez mais comum e, por vezes, necessária com uma parcela da plateia.

É essa abordagem sociopolítica que faz com que a produção, mesmo contando com um elenco e equipe de peso, não se entreguem totalmente ao flerte com os telefilmes temáticos desta época, bem ao estilo Hallmark, hoje copiado pela Netflix. O texto, por vezes, ainda parece inacabado e nem todas as piadas funcionam sempre, a exemplo da paixão da chefe ou das aparições pontuais da dupla de policiais. Nessas horas, o carisma de Emilia Clarke, já experimentado em Como Eu Era Antes de Você (2016), funciona, mesmo trabalhando em um tom oposto da inocência da protagonista daquele drama, e encontra resposta na atuação de Henry Golding e outros colegas de cena, mesmo com personagens não tão desenvolvidos.

Se em uma fala, Tom declara que “ser especial é superestimado”, a própria obra se contenta com seu caráter ordinário, apesar da narrativa extraordinária. Isso quer dizer que tanto Feig e Thompson compreendem o resultado mediano de seu trabalho, em comparação com outros deles, como também exaltam o que há de prosaico na vida, seja no arco de Kate em busca de autorrealização ou no retrato dos moradores de rua – embora seja menos realista do que o escocês Hector (2015), neste caso. Por isso, ainda que não tenha o mesmo charme e perspicácia do conterrâneo Simplesmente Amor (2003), o filme apresenta aquele típico material para fazer todos rirem e chorarem na frente da TV, nos próximos Natais, entregando direto no coração do público a sua mensagem de que é necessário, como diria George Michael, “ter fé” nas pessoas.

Aliás, é preciso frisar que a produção não se trata de um musical como Mamma Mia (2008 / 2018) ou uma homenagem mais gigantesca como Yesterday (2019), mas é bem reverente às composições de Michael quando inseridas diretamente na trama e não somente na trilha sonora, que conta com a inédita This Is How (We Want You To Get High) nos créditos finais. Há ainda uma aceno discreto à própria história de vida do artista, com uma subtrama sobre a aceitação familiar de uma personagem homossexual. No entanto, apesar de Last Christmas ter guiado a premissa e tocar insistentemente em diversos artigos natalinos da loja, é Heal the Pain que se torna a música mais importante para a protagonista e, consequentemente, o filme: se a jovem Katarina convida o espectador a “ouvir sua simples história”, a adulta descobre e Uma Segunda Chance para Amar ensina que é preciso “ser boa/bom consigo mesmo, porque ninguém mais tem o poder de fazer você feliz”.

 

Uma Segunda Chance para Amar (Last Christmas, 2019)

Duração: 103 min | Classificação: 12 anos

Direção: Paul Feig

Roteiro: Emma Thompson e Bryony Kimmings, com argumento de Emma Thompson e Greg Wise

Elenco: Emilia Clarke, Henry Golding, Michelle Yeoh, Emma Thompson, Boris Isakovic, Lydia Leonard, Calvin Demba, Ben Owen-Jones, Ritu Arya e Ansu Kabia (veja + no IMDb)

Distribuição: Universal Pictures

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