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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2019 | Dia 6 – Criando cinema dentro da tela

Atualizado: 28 de fev. de 2021


Cobertura do 6º dia da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com crítica do filme português O Filme do Bruno Aleixo (2019) e outros.

 

(O Filme do Bruno Aleixo, 2019)

Cena da comédia portuguesa O Filme do Bruno Aleixo (2019) | Foto: Divulgação (ABMIC)

O humor idiossincrático de Bruno Aleixo e seus amigos já migrou da internet para a TV e o teatro, mas chegou o momento de ir para a tela do cinema. O Filme do Bruno Aleixo (2019) é o primeiro produto cinematográfico do famoso personagem animado português criado por João Moreira, Pedro Santo e João Pombeiro, um habitante de Coimbra que seria quase uma mistura de cachorro e urso de pelúcia, cujos colegas são também tipos exóticos como um busto de Napoleão. Se muito do conteúdo pode parecer “piada interna” para um espectador desavisado nesta Mostra, vale dizer a quem não sabia da sua existência que os vídeos no YouTube da web serie Os Conselhos Que Vos Deixo (2008) e suas subsequentes séries no canal SIC Radical contam com um bom público no Brasil – tanto que haviam fãs brasileiros na plateia da sessão em que esta pessoa que vos escreve assistiu ao longa.

A premissa do título dirigido e roteirizado por João Moreira e Pedro Santo é simples: Bruno Aleixo foi convidado para fazer um filme autobiográfico, como o mesmo explica após o prólogo, cujo par de cenas fica meio solta em relação ao todo. Só que em vez de conferir diretamente a sua biografia, o público acompanha a reunião dele e de seus amigos discutindo ideias para esta futura produção. Este brainstorm de sinopses mais esdrúxulas que as outras serve de fio condutor para a narrativa, que vai intercalando a imaginação dessas histórias, com eles escolhendo famosos atores e artistas portugueses para interpretá-los, em uma boa solução para lidar com personagens que são nada mais do que cabeças falantes, mesmo que a proposta não se sustente totalmente durante os 92 minutos de duração.

Com maior ou menor eficiência vão se revezando paródias de filmes de ação policial, noir e sitcoms, entre outros. Sobra até para as novelas brasileiras – o que, não à toa, foi motivo de maiores gargalhadas da plateia –, com a participação especial do personagem do lado de cá, o Sr. Jaca, mas há um apelo desnecessário para estereótipos do Brasil no exterior com a rápida piada sobre o vídeo pornô. Se o comentário bem-humorado sobre os gêneros cinematográficos é mais certeiro do que para televisão, falta ao longa olhar para o próprio umbigo e, além das mídias “clássicas” e hegemônicas, tirar graça do que se tornou a internet, desde que Bruno Aleixo surgiu neste meio, há mais de uma década.

 

Duração: 122 min | Classificação: 12 anos

Direção: João Moreira e Pedro Santo

Roteiro: João Moreira e Pedro Santo

Elenco: Adriano Luz, Rogério Samora, Fernando Alvim, David Chan Cordeiro, José Neto, João Lagarto, Manuel Mozos, José Raposo e Gonçalo Waddington (veja + no IMDb)

Produção: Portugal

Distribuição: Vitrine Filmes

> Cinesala – 22/10/2019, terça às 14h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 27/10/2019, domingo às 13h30

> Espaço Itaú Augusta 1 – 30/10/2019, quarta às 17h30

 

(Papicha, 2019)

Exibido na mostra Un Certain Regard do último Festival de Cannes, o primeiro longa da argelina Mounia Meddour tem uma dose autobiográfica de como foi a sua juventude e de tantas outras mulheres no seu país natal, duas décadas atrás. A então garota que era uma universitária no final dos anos 90 tal qual sua protagonista Nedjma (Lyna Khoudri), precisou mudar com a família para a França, aos 18 anos, já que a repressão e ameaças de morte aos intelectuais – seu pai era um cineasta – se intensificou durante a Guerra Civil da Argélia, que durou de 1991 a 2002, embora os conflitos não tenham cessado totalmente na região. Apesar da diretora colocar o dedo em uma ferida que sua nação prefere esconder, Papicha (2019) foi escolhido para ser o representante argelino para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar.

O potencial da produção está em como uma história tão particularmente regional se comunica com as vivências femininas universais, apesar das diferenças em seus dramas semelhantes. Os grupos rebeldes islâmicos apoiados no fundamentalismo e com apoio de parte da população insatisfeita com o governo desejam impor as rígidas leis da sharia que confrontam justamente a liberdade que Nedjma e suas colegas de faculdade buscam ao procurarem ali o estudo e uma vida fora da casa dos pais. A estudante ainda soa mais rebelde neste ambiente conservador por fugir junto com sua melhor amiga Wassila (Shirine Boutella), de vez em quando do campus, para vender os vestidos que cria, ou indiretamente pelo seu sentimento contrário à juventude da época de querer fugir do conflito, ao não desejar uma vida melhor apenas para si, mas fazer uma vida melhor em seu país.

A tentativa de indiferença ao que está ao seu redor, porém, é atrapalhada constantemente por esta pressão exterior, que se manifesta desde a primeira sequência no táxi. A tensão é sempre iminente e, gradualmente, se torna crescente com a fisicalidade dos símbolos por Meddour no microcosmo da universidade, indo desde os cartazes intimidatórios aos muros repressores. Conforme a própria diretora afirma, seu roteiro comprime a evolução de uma repressão que levou anos em apenas algumas semanas, o que potencializa alguns clichês da narrativa, embora, nem por isso sejam menos verdadeiros para a representação deste contexto.

A direção da cineasta argelina vai da sensibilidade e potência da cena da tragédia familiar que marca a protagonista à drenagem dessa eficiência em um flashback desnecessário que ao invés de reforçar, mina a emoção imediata ao ponto crítico do clímax. No entanto, essa derrapada final não tira a marca criada por Mounia ao filmar, com uma intimidade ímpar nos planos fechados, o cuidado dessas mulheres com o corpo das outras, esteja ele vivo ou morto, se opondo à tentativa dos fundamentalistas de cobri-los ao impor o hijab, conhecido popularmente aqui como burca. E nenhuma diferença para o nosso cenário, onde a culpa é transferida a Ela pelas abordagens insistentes e machistas que Eles fazem, sintetizadas no “elogio” à garota bonita que dá nome à produção e que Nedjma escuta direto ao andar na rua.

Por isso, o melhor caminho tomado pela roteirista em sua obra é pegar justamente a moda como forma de resistência direta a este pensamento conservador. Não só a liberdade feminina de se vestir como quiser funciona como uma transgressão, mas também a relação que a protagonista estabelece com seus esboços e tecidos é colocada como uma reação imediata à violência em seu entorno. Contudo, tal qual o belo e trágico filme turco Cinco Graças (2015), a amizade e sentimento de irmandade que emana entre essas mulheres de diferentes idades e origens, mesmo em um ambiente cada vez mais sufocante a elas, é a melhor resposta que Papicha poderia dar a tudo isso.

 

Duração: 106 min | Classificação: 16 anos

Direção: Mounia Meddour

Roteiro: Mounia Meddour

Elenco: Lyna Khoudri, Shirine Boutella, Amira Hilda Douaouda, Yasin Houicha, Zahra Manel Doumandji, Marwan Zeghbib, Aida Ghechoud, Meriem Medjkrane, Samir El Hakim, Amine Mentseur, Khaled Benaïssa e Abderrahmane Boudia (veja + no IMDb)

Produção: França, Argélia, Bélgica e Catar

Distribuição: Pandora Filmes

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 22/10/2019, terça às 17h30

> Espaço Itaú Augusta 1 – 26/10/2019, sábado às 14h00

> Cinesala – 28/10/2019, segunda às 19h45

 

(Los Días de la Ballena, 2019)

A arte surge como protesto contra a violência em Os Dias da Baleia (2019), apesar do retrato de um romance juvenil no primeiro longa da colombiana Catalina Arroyave Restrepo. A diretora e roteirista ganhou uma menção especial do júri no prêmio dedicado a filmes de estreia de cineastas mulheres no South by Southwest (SXSW) por este trabalho cuja inconstância da constante câmera na mão demonstra desde o início que o ambiente não é totalmente favorável para os jovens grafiteiros Cristina (Laura Tobón) e Simon (David Escallón). Ambientada em Medellín, a produção tem na trilha sonora o registro de um lugar que hoje é celeiro de astros do reggaeton que alcançaram o sucesso mundial, como Maluma e J Balvin, mas carrega na história o passado de uma cidade que ainda não se livrou de todas as cicatrizes das disputas entre os cartéis de drogas, especialmente nos anos 1980.

Essa marca já está na situação familiar de Cristina, que foi morar com o pai e a namorada dele, porque sua mãe jornalista saiu da Colômbia depois de ameaças de morte por conta de suas reportagens. Se ela deseja que a filha também vá para Cuba e lhe faça companhia lá, a universitária de classe média não quer deixar a sua vida em Medellín, onde dedica boa parte do seu tempo no projeto que ensina grafite a jovens de um bairro periférico e, à noite, sai para grafitar pela cidade com Simon, um amigo com quem se envolve amorosamente. Há uma clara diferença de classes sociais entre a moça e o rapaz morador dessa região violenta, mas ambos são ameaçados de formas diferentes ao longo da trama, enquanto desafiam a facção local com sua arte.

A resposta deles e de Catalina vem na forma da baleia do título. O animal surge em passagens de tempo metafóricas que a cineasta utiliza, como se ele fosse um gigante invisível perdido e engolido pela cidade, tal qual as vítimas de uma violência ainda presente em Medellín, mas que é escamoteada dos debates públicos atuais que querem acreditar que aquilo ficou no passado. Mas é no revide do spray dos protagonistas, com o grafite de Cristina e Simon que cobre a ameaça dos criminosos, onde a baleia se torna um símbolo de liberdade, ainda que utópica, em meio à dura realidade que os cerca, bem delimitada, mas nunca alcançada de fato pela realizadora.

 

Duração: 77 min | Classificação: 10 anos

Direção: Catalina Arroyave Restrepo

Roteiro: Catalina Arroyave Restrepo

Elenco: Laura Tobón, David Escallón, Julián Girlado, Carlos Fonnegra e Christian Tappan (veja + no IMDb)

Produção: Colômbia

> Espaço Itaú Frei Caneca 5 – 22/10/2019, terça às 13h30

> Circuito Spcine Lima Barreto / CCSP – 26/10/2019, sábado às 15h

 

(Ut Og Stjæle Hester, 2019)

No mesmo ano de sua primeira incursão em Hollywood com Vingança a Sangue Frio (2019), um remake de seu próprio longa O Cidadão do Ano (2014), o cineasta norueguês Hans Petter Moland apresentou outro trabalho no Festival de Berlim, com a produção escandinava Cavalos Roubados (2019), representante da Noruega na corrida para o Oscar de Melhor Filme Internacional. Em mais uma parceria com o ator Stellan Skarsgård, o diretor agora adapta o premiado livro Ut Og Stjæle Hester / Out Stealing Horses (2003), de Per Petterson. E o faz sem pressa para condensar todo o material original em um filme que busca perscrutar e traduzir de forma audiovisual os segredos e sentimentos escondidos sob o silêncio nórdico ou masculino que paira sobre seus personagens.

Um deles é o protagonista Trond, um sexagenário vivido por Skarsgård, que depois de anos vivendo na Suécia, se isola em uma região no interior da Noruega após a morte da esposa. A história começa com ele em 1999, às vésperas da virada do milênio, mas o bug aqui não é o anunciado nos sistemas computadorizados e sim das memórias humanas que retornam a datas passadas. O reencontro dele com Lars (Bjørn Floberg) o faz recordar de quando conheceu o novo vizinho pela primeira vez, aos 15 anos – então vivido por Jon Ranes neste coming of age que toma conta da narrativa que intercala os tempos –, durante o verão de 1948 que passou com seu pai (Tobias Santelmann) numa idílica paisagem norueguesa.

Moland reconstrói esta memória de maneira muito sensorial, com o desenho de som de Gisle Tveito constituindo um papel essencial neste sentido. Há a antecipação sonora da lembrança do personagem, antes que as belas imagens destas recordações, pelas quais o diretor de fotografia Rasmus Videbæk ganhou o Urso de Prata de Contribuição Artística, cheguem à tela. Além disso, a edição de som destaca os sons da natureza, por vezes rimando junto com a montagem de Nicolaj Monberg e Jens Christian Fodstad para dar a tensão necessária em determinadas cenas como a do incidente nas toras – de modo mais eficiente que a trilha sonora de Kaspar Kaae, que oscila entre os momentos certeiros e alguns acordes exagerados.

A principal marca do passado no protagonista é desta figura paterna que o adolescente idolatrava, mas viu se esfacelar no seu imaginário infantil conforme o conhecia mais falível como todos os adultos – e crianças também, como bem frisa esta história. Contudo, não existe sentimento de culpa por parte dos personagens, em uma obra onde tudo parece finito. Não por menos, existe uma pulsão mórbida neste filme, não só na presença constante da tragédia que ronda a trama, desde o falecimento da esposa no início, mas na medida em que o desejo do jovem Trond pela bela mãe de Lars e Jon (Sjur Vatne Brean) surge quando esta mulher (Danica Curcic) perde um de seus filhos.

 

Duração: 122 min | Classificação: 18 anos

Direção: Hans Petter Moland

Roteiro: Hans Petter Moland, baseado no livro “Ut Og Stjæle Hester” de Per Petterson

Elenco: Stellan Skarsgård, Bjørn Floberg, Jon Ranes, Tobias Santelmann, Danica Curcic e Sjur Vatne Brean (veja + no IMDb)

Produção: Noruega, Suécia e Dinamarca

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 22/10/2019, terça às 17h15

> Reserva Cultural 1 – 23/10/2019, quarta às 16h20

> Espaço Itaú Frei Caneca 3 – 26/10/2019, sábado às 17h20

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