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Foto do escritorNayara Reynaud

O MISTÉRIO DE HENRI PICK | Sherlock Holmes literário

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Fabrice Luchini e Camille Cottin em cena do filme francês O Mistério de Henri Pick (2019) | Foto: Divulgação (A2 Filmes)

Se muito se discute sobre o limite tênue entre a ficção e a realidade na arte, O Mistério de Henri Pick (2019) se pergunta sobre como esta dualidade ocorre desde as histórias que são contadas acerca da criação das obras artísticas. O filme de Remi Bezançon pega este questionamento do livro de David Foenkinos, Le Mystère Henri Pick (2016), no qual a produção francesa, que foi exibida no último Festival Varilux, se baseia. É o “romance do romance”, como diz o personagem Jean-Michel Rouche (Fabrice Luchini), o crítico literário da trama.

É na figura desse especialista que apresenta um programa cultural na TV e cuja opinião decide os rumos das carreiras de autores iniciantes que se depositam as expectativas de jovem editora Daphné Despero (Alice Isaaz) e de seu namorado Fred Koskas (Bastien Bouillon), escritor cujo dèbut passaria pelo crivo dele ao vivo. Sem nenhum parecer do crítico, o primeiro trabalho dele obteve resultados medíocres e o rapaz parte com a namorada para a casa do sogro, na Bretanha, onde ela descobre um tesouro na curiosa biblioteca de manuscritos rejeitados pelas editoras que existe na península de Crozon. Misturando a narrativa de um casal perto do término de sua relação com os momentos finais do poeta russo Alexander Pushkin, a obra “As Últimas Horas de uma História de Amor” não só encanta a moça que decide publicá-la, como o público que o transforma em best-seller, também por causa da sua peculiar autoria: quem assina o romance é o Henri Pick do título, um falecido dono de uma pizzaria local, que nunca foi visto escrevendo ou lendo, nem pela própria esposa Madeleine (Josiane Stoléru) ou filha Joséphine (Camille Cottin).

Isso intriga e levanta a desconfiança do cético Rouche, que é transformado em protagonista no longa-metragem no roteiro adaptado de Bezançon e Vanessa Portal, sua parceira de escrita nos últimos trabalhos. É um caminho diferente do livro com os pontos de vista de vários personagens, em uma narrativa coral na qual o apresentador só é introduzido posteriormente. Aqui, esse mistério envolvendo o fenômeno literário de Henri Pick se torna uma questão pessoal para o apresentador, cuja personalidade esnobe só não é detestada pelo público por causa do talento de Fabrice Luchini ao interpretar este tipo.

No entanto, a busca dele não é solitária e, apesar dos conflitos, a filha do autor se junta a ele na investigação para entender a confusão na qual o pai colocou sua família ou outra pessoa usando o nome dele. Há uma menção visual a 39 Degraus (1935), de Alfred Hitchcock, mas a trama policial que acompanha os dois amantes da literatura, um como seu crítico especialista e outra como leitora voraz, à procura de “quem escreveu?” serve muito bem à comédia a qual o cineasta explora. Por isso, soa tão desnecessário o desenvolvimento, ainda que subentendido, de um interesse mútuo entre a dupla de detetives literários.

Essa caçada não envolve o processo criativo em si, como acontece um muitas obras sobre o universo artístico, mas o mercado editorial, seus mecanismos de promoção e seleção. O texto pode não ter a verborragia cômica de Olivier Assayas versando sobre o mesmo tema em Vidas Duplas (2018), mas traz bons diálogos seja nas referências ou nas ótimas tiradas, a exemplo do comentário de que "há mais escritores do que leitores na França" e dos títulos dos livros rejeitados em Crozon, ou no destino da creperia instalada onde era a pizzaria de Henri Pick. Bezançon trabalha bem o humor em sua narrativa, tendo o tom como maior trunfo em um longa formal do ponto de vista estilístico, cujo maior arroubo do diretor de O Amor Está no Ar (2005) e Nosso Futuro (2015) é a excelente “recriação” de uma reportagem documental dos anos 90 sobre a tal biblioteca.

Justamente por sua trama e clima tão envolventes, a resolução desse mistério soa anticlimática. Sem pensar na escolha de uma solução Scooby-Doo, o final alimenta ainda mais uma história de egos que pareciam ser desconstruídos, bem como seus pensamentos hierárquicos. Por fim, nem o protagonista nem o filme acreditam que o extraordinário pode surgir do ordinário.

 

O Mistério de Henri Pick (Le Mystère Henri Pick, 2019)

Duração: 100 min | Classificação: 14 anos

Direção: Remi Bezançon

Roteiro: Remi Bezançon e Vanessa Portal, baseado no livro “Le Mystère Henri Pick” de David Foenkinos

Elenco: Fabrice Luchini, Camille Cottin, Alice Isaaz, Bastien Bouillon, Josiane Stoléru, Astrid Whettnall, Marc Fraize, Hanna Schygulla, Marie-Christine Orry, Vincent Winterhalter, Florence Muller e Philypa Phoenix (veja + no IMDb)

Distribuição: A2 Filmes

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