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  • Foto do escritorNayara Reynaud

EM TRÂNSITO | Tudo é transitório e cíclico

Atualizado: 25 de fev. de 2021


Paula Beer e Franz Rogowski em cena do filme franco-alemão Em Trânsito (2018), de Christian Petzold | Foto: Divulgação (Supo Mungam / Créditos: Christian Schulz)

O cineasta alemão Christian Petzold já levou seus romances dramáticos para a Alemanha Oriental oitentista em Barbara (2012) e remexeu nas marcas do Holocausto em Phoenix (2014). Encerrando esta trilogia que denominou como “Amor em Tempos de Sistemas Opressivos”, seu último filme Em Trânsito (2018) não tem um tempo delimitado como os outros. Ao contrário, transita propositadamente entre passado e presente, assim como por diversas perspectivas.

Sua adaptação do livro homônimo de Anna Seghers, publicado em 1944 a partir das experiências da autora na França sob ocupação nazista, abre com as sirenes dando a urgência da situação. Mas, logo, as viaturas informam o espectador da ambientação contemporânea, mesclada com objetos de cena de época e o resgate do fato histórico em questão, embora a suástica não apareça em nenhum momento; na realidade, a repressão vem da polícia parisiense tal qual a de hoje. Nesta oposição complementar proposta por Petzold, passado e presente se juntam como representação de um ciclo histórico, de uma mácula de outrora que não está muito distante da realidade atual.

Mesmo assim, a narrativa mantém o cerne do enredo da escritora, com o protagonista Georg (vivido pelo penetrante Franz Rogowski, de Victoria, de 2015, e Happy End, de 2017) sendo abordado discretamente pelo amigo Paul (Sebastian Hülk) para entregar duas cartas a um escritor chamado Weidel: uma da ex-mulher dele e outra da embaixada do México lhe oferecendo um visto provisório para se refugiar do cerco em Paris – assim como o mensageiro deseja fazer o mesmo. Ao escapar das autoridades e chegar ao hotel onde o tal estava hospedado, não consegue cumprir sua tarefa, pois o autor se suicidou. Resta a ele seguir para Marselha com outro colega ferido, mas a morte segue pelo mesmo caminho, enquanto o rapaz lê os escritos de Weidel e um narrador (Matthias Brandt), cuja identidade só é revelada quase ao final, lê seus pensamentos.

Na cidade ao sul da França, Georg espera partir logo embarcando no porto local, mas faz sua própria espécie de ocupação enquanto tenta escapar do território ocupado. Ao procurar a família do amigo que não aguentou a fuga, tenta repor a posição da figura paterna perdida pelo menino Driss (Lilien Batman). Ao mesmo tempo, se faz passar pelo escritor nas embaixadas para poder viajar para o México e refazer a sua vida, mas isso começa a atormentá-lo quando conhece e se encanta pela enigmática ex-mulher do autor, Marie (interpretada a cores quase como num clássico preto e branco por Paula Beer, de O Vale Sombrio, de 2014, Frantz, de 2016, e Nunca Deixe de Lembrar, 2018), que nada sabe sobre o destino de seu antigo companheiro e se atormenta sobre suas atitudes passadas.

É fascinante como Christian Petzold conduz essa trama transitando com fluidez, e sem concorrência uma com a outra, nas perspectivas histórica, política, social, existencial e romântica presentes na narrativa. Na dualidade dos primeiros casos, estão lá os imigrantes e a repressão policial como indícios de um cenário atual marcado pela crescente xenofobia e totalitarismo que encontra semelhanças com a ascensão do nazi-fascismo da época do livro. Esteticamente, o filme também apresenta uma ambiguidade com o formato quase hollywoodiano de um romance dramático clássico, a la Casablanca (1942), e a abordagem e discussão típicas do cinema de arte europeu mais contemporâneo.

A ideia de repetição, tal qual a transitoriedade, surge também em seus questionamentos mais profundos sobre a existência humana, seja nas mesmas pessoas que Georg encontra também neste estado de espera pelos seus vistos de trânsito, ou na iminência da morte que ronda a todos, como um inimigo mais imbatível que os nazistas. Assim como o título, o documento serve de metáfora aqui para este estado transitório do ser humano em sua passagem pela Terra, cuja vivência fugaz pode se esvair em um segundo, independentemente de suas preocupações do passado e sonhos de futuro. O que também está Em Trânsito é o amor, mas nenhum sentimento passa sem deixar suas marcas, como faz questão de frisar uma personagem: “Quem esquece primeiro: quem é abandonado ou quem abandona?”.

 

Em Trânsito (Transit, 2018)

Duração: 91 min | Classificação: 12 anos

Direção: Christian Petzold

Roteiro: Christian Petzold, baseado no livro “Em Trânsito” de Anna Seghers

Elenco: Franz Rogowski, Paula Beer, Godehard Giese, Lilien Batman, Maryam Zaree, Barbara Auer, Matthias Brandt, Sebastian Hülk, Alex Brendemühl e Trystan Pütter (veja + no IMDb)

Distribuição: Supo Mungam Films

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