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  • Foto do escritorNayara Reynaud

YOMEDDINE – EM BUSCA DE UM LAR | Marcas do isolamento

Atualizado: 25 de fev. de 2021


Rady Gamal e Ahmed Abdelhafiz em cena do filme egípcio Yomeddine - Em Busca de um Lar (2018), de A.B. Shawky | Foto: Divulgação (Imovision)

Presente na competição do Festival de Cannes, na seleção da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo no ano passado e ainda escolhido como o representante do Egito na corrida do último Oscar, o primeiro longa de A.B. Shawky na realidade não tem em si a opulência deste currículo. Ao contrário, Yomeddine – Em Busca de um Lar (2018) é um filme muito simples em suas ambições, sejam narrativas ou estéticas. Seu trunfo para ter conquistado esse espaço se deve mais à genuína emoção combinada com a reflexão sobre um tema tão marginalizado das inúmeras discussões sociais quanto os personagens de sua história: a hanseníase e a difícil vida em sociedade dos portadores da doença, mais comumente conhecida como lepra.

Ao filmar o curta-documentário El Mosta'mara / The Colony (2009) em uma “colônia de leprosos” ao nordeste do Cairo, o jovem cineasta A.B. Shawky não só obteve a inspiração para fazer esta ficção como também encontrou lá o protagonista do longa em que trabalha com atores não-profissionais. Rady Gamal vive Beshay, um homem que teve hanseníase e, durante a infância, foi deixado pelo pai em uma instituição do tipo, destinada ao tratamento e isolamento dos doentes – e que não são uma exclusividade egípcia, diga-se de passagem, sendo comuns no Brasil até décadas atrás – e onde ainda mora. Apesar de já não mais transmitir a doença infecciosa, ele leva consigo o estigma da “lepra”, tanto nas dificuldades motoras e nas marcas na pele deixadas por ela quanto do preconceito acerca disso.

O isolamento físico dele e de outros com o mesmo problema na colônia de leprosos é tratado pelo filme como consequência do isolamento social e igualado com outras situações ao mesmo tempo diferentes e semelhantes. O lugar é vizinho de um centro manicomial, onde a mulher de Beshay foi internada, e de um orfanato, em que se encontra o esperto e inquieto Obama (Ahmed Abdelhafiz), enquanto o protagonista trabalha em um lixão próximo. Fica clara, então, a intenção de pontuar como a região guarda tudo aquilo que foi rejeitado pela sociedade.

Quando Beshay se joga na estrada com seu burrinho, tentando seguir o curso do Nilo em busca de suas raízes familiares, Yomeddine incorpora sua faceta de road movie. Tendo Obama ao lado dele nessa montaria/caminhada e estabelecendo uma relação de pai e filho com o menino, fica óbvio o uso de clichês desse e de outros gêneros. Porém, se o primeiro ato é centrado neste mundo à parte em que ambos viviam, Shawky usa essas fórmulas para acompanhá-los em uma jornada adentro do mundo que os rejeitou outrora e ainda continua os discriminando, encontrando empatia somente de outros que se encontram também à margem.

Existe igualmente, uma camada étnica e religiosa que pode passar despercebida para as plateias brasileiras. O fato de Beshay ser um copta, ou seja, de um grupo de egípcios cujos ancestrais abraçaram o cristianismo no século I e que forma uma minoria hoje perseguida no país, e de Obama ser um núbio, reino negro vizinho na Antiguidade, mas cujo povo atualmente é vítima de genocídio pelo governo sudanês e esquecido em plena pobreza no sul da outra nação, inferem questionamentos sociopolíticos sobre o Egito contemporâneo. Com o título se referindo, em árabe, ao Dia do Julgamento e seu clímax se dando em parte em uma mesquita, o filme clama, apesar da resiliência de seus personagens, pelo simples direito deles também serem vistos como filhos de Deus ou de Alá, ou simplesmente, seres humanos.

 

Yomeddine – Em Busca de um Lar (Yomeddine, 2018)

Duração: 97 min | Classificação: 10 anos

Direção: A.B. Shawky

Roteiro: A.B. Shawky

Elenco: Rady Gamal, Ahmed Abdelhafiz, Osama Abdallah, Mohamed Abdel Azim, Shahira Fahmy e Shehab Ibrahim (veja + no IMDb)

Distribuição: Imovision

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