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  • Foto do escritorNayara Reynaud

O SEGREDO DE DAVI | Casos letais de família

Atualizado: 15 de jun. de 2021


Nicolas Prattes em cena do filme O Segredo de Davi (2018) | Foto: Divulgação (Parakino Filmes)

“Um menino que mata para ser amado de novo pela própria família”. É assim que o diretor Diego Freitas define a essência do seu protagonista em O Segredo de Davi (2018), afirmando, durante a coletiva de imprensa do filme em São Paulo, no último dia 13, que seu trabalho com o ator Nicolas Prattes para composição do personagem esteve menos pautado no fato dele ser um serial killer ou não, mas sim no porquê ele faz isso. Brincando que seu primeiro longa-metragem é inspirado em sua própria vida, o cineasta explicou aos jornalistas presentes que o projeto se estendeu por 10 anos e usou do artifício do suspense, no qual o gênero serve como metáfora, para abordar seus próprios questionamentos familiares, até que o roteiro “saiu do autobiográfico para ganhar vida própria”.

Isso não quer dizer que foi fácil encontrar quem daria vida ao jovem assassino. “Não conseguia achar o Davi; ou era bonitinho demais, ou psicopata demais”, relembrou Freitas, que viu Prattes na novela Rock Story (2016-17) e se encantou pelo ator, a quem elogiou também o fato de nunca ter errado nenhuma fala e de conseguir “mudar a chave” rapidamente, saindo do Instagram nos intervalos e já logo encarnando a gravidade do personagem ao entrar em cena. Nicolas, que não pode estar presente na coletiva devido às gravações de O Tempo Não Para (2018-), estava lá representado pela mãe Giselle Prattes, que também interpreta a figura materna do protagonista nos flashbacks e confessou sua “corujice” ao assistir o filho em um papel tão desafiador, além de tecer elogios ao diretor. “Imagina se [a gravação de um filme como este] tivesse um clima pesado!”, disse a atriz, ressaltando a doçura de Diego com o elenco e a equipe.

Neusa Maria Faro, que interpreta a vizinha e depois mentora fantasma do serial killer também destacou isso no jovem cineasta, para apaziguar a ansiedade na hora das filmagens. “O Diego nos conduz para um plano tranquilo”, alegou a atriz que credita a isto, à cochia e, especialmente, “trabalhar com o Nicolas, um menino muito generoso” a facilidade que encontrou no set, mesmo passando por um momento difícil de sua vida pessoal. Questionada sobre a transformação de sua personagem, a intérprete falou que percebeu isso no roteiro, mas que “não queria chegar pronta para o Diego e, conforme nós fomos filmando, mais eu fui sentindo essa mudança” e, parafraseando Marília Pêra, declarou que "o ator só faz um grande papel quando o diretor e o autor permitem". Ela definiu Maria como “uma pessoa que está desenganada e que é morta para renascer” e que isso norteou o seu trabalho intuitivo, de dentro para fora e não apegado em referências exteriores.

Outro que recorreu a citações foi João Côrtes, ao dizer que "não existe personagens pequenos, sim atores pequenos" ao comentar sobre o seu trabalho como o Caio que, segundo o diretor, é uma junção de vários jovens. Para o artista mais conhecido na publicidade e agora na sua faceta de cantor na segunda temporada do reality show PopStar (2017-), o amigo gótico junkie de Davi “foi um playground total como ator” com o seu humor negro e permitiu, não só a ele, mas como a muitos no elenco a acessar “lugares diferentes por causa do filme”. O cineasta, aliás, ressaltou o fato do projeto ser o primeiro longa também de vários membros de sua equipe técnica.

André Hendges, que interpreta Jônatas, novo colega e motivo de interesse do jovem, também é novato, vindo da publicidade e sentindo pela primeira vez o clima e o peso de rodar uma produção durante 30 dias, destacou “a pegada de Freud com o pai” na maneira como o roteiro estabelece a relação do protagonista com sua figura paterna. Freitas, que cresceu em uma família evangélica, define essa lacuna existente entre eles e suas consequências em razão do pai do Davi substituir o amor à família pela religião. “Tem [o complexo de] Édipo quando criança, e é Édipo reverso aos 21 anos”, frisou Diego sobre as bases de sua narrativa, afirmando que a primeira versão do roteiro era mais agressiva na questão da sexualidade, mas com o tempo, o texto amadurece e se vê o que realmente quer falar.

O produtor Luciano Reck afirmou que ele foi responsável por podar um pouco o longa neste quesito, pois “colocar muito [sexo] pode desviar em um filme de gênero”, ainda que o próprio diretor fuja da classificação de seu trabalho como um terror. “É um filme de suspense psicológico que transita entre vários gêneros”, define Diego.

O produtor Luciano Reck, o ator João Côrtes, o diretor Diego Freitas, a os atores Giselle Prattes, André Hendges e Neusa Maria Faro na coletiva de imprensa de O Segredo de Davi (2018), em São Paulo | Foto: Nayara Reynaud

O produtor Luciano Reck, o ator João Côrtes, o diretor Diego Freitas, a os atores Giselle Prattes, André Hendges e Neusa Maria Faro na coletiva de imprensa de O Segredo de Davi (2018), em São Paulo (Foto: Nayara Reynaud)

Um espírito de Davi e os erros de Golias

Filmes nacionais de estreantes, geralmente, sofrem com o furor de cineastas iniciantes em querer falar muita coisa e, no meio da abordagem de vários temas e construção de diversas metáforas, escorregaram no exagero, na falta de profundidade e/ou na distância que tomam do cerne e emoção da narrativa por um formalismo estético. Em seu primeiro longa, Diego Freitas, do premiado curta Sal (2016), tem a história de um jovem serial killer como base para a trama de O Segredo de Davi, que inclui um olhar sobre voyeurismo e o próprio cinema; comentários sobre drogas e internet, em particular, a deep web; pitadas de filosofia com Platão; psicanálise de relações familiares; e, especialmente, alegorias bíblicas. Sendo mais ou menos eficiente em cada uma dessas investidas, a obra revela uma direção promissora deste Davi no cinema de gênero – que, por sinal, foi o grande destaque da produção nacional neste ano –, mas cuja pedra na testa se encontra no roteiro.

O Davi do título (Nicolas Prattes que, se não está seguro nos picos de violência de seu personagem, carrega uma bem-vinda contenção nos outros momentos de sua estreia na telona) é um tímido estudante de cinema que tem o hobby, aparentemente inocente, de filmar as pessoas em segredo e, a partir do momento em que a narrativa se inicia, tem Jônatas (André Hendges, bem na gravidade que impõe no personagem), um rapaz que veio fazer pós-graduação na faculdade, como o principal objeto de sua câmera e de seu interesse. Se logo a sua faceta hacker é revelada, outros detalhes, porém, pontuam que existe algo a mais adormecido no jovem. O filme, contudo, demora a engrenar nesta apresentação do protagonista, que recai em alguns clichês, como na forma que retrata o bullying que ele sofre por um colega.

Somente quando o seu instinto assassino se manifesta na virada para o segundo ato e seus laços familiares são delineados entre o presente e o passado que volta em inúmeros flashbacks, a narrativa ganha ritmo e a atenção do espectador. Essa guinada ocorre após fazer a primeira vítima, a vizinha Maria (Neusa Maria Faro, com mais espaço para fazer um trabalho de composição) que sai de seu estado catatônico quando viva para despertar como fantasma e conselheira do futuro serial killer. Tendo a vingança pessoal e a libertação como nortes de seus assassinatos, o roteiro de Freitas com colaboração de Gustavo Rosseb se apressa ao estabelecer relações de certos personagens com o protagonista, que seriam mais interessantes se melhor desenvolvidas, como a de Carlos (Eucir de Souza, subaproveitado) e Doris (Bianca Müller dando um toque especial a um papel raso), em favor de sua alegoria principal, a de um enfrentamento de Davi contra Golias que Freud explicaria. Na realidade, o longa desenha isso de maneira explícita no final ao público, mas, paradoxalmente, a explicação evidencia a confusão de uma obra que não consegue decidir qual alvo atirar.

 

O Segredo de Davi (2018)

Duração: 112 min | Classificação: 16 anos

Direção: Diego Freitas

Roteiro: Diego Freitas, com colaboração de Gustavo Rosseb

Elenco: Nicolas Prattes, Neusa Maria Faro, André Hendges, Bianca Müller, Eucir de Souza, João Côrtes, Giselle Prattes, Cris Vianna, Tutty Mendes e Tuna Dwek (veja + no IMDb)

Distribuição: Elo Company

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