MOSTRA SP 2018 | Dia 9 – Sob o fogo e a água
Atualizado: 17 de fev. de 2021
A tensão cresce como fogo no premiado thriller Em Chamas, candidato sul-coreano a uma vaga no Oscar, e no longa nacional O Olho e a Faca, novo filme de Paulo Sacramento, enquanto Mercedes Morán se encontra em Família Submersa, argentino que se soma a outros destaques desta sexta, nono dia da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
(Boening, 2018)
O título do novo filme de Lee Chang-Dong pode sugerir algo explosivo, mas a verdade é que Em Chamas (2018) só chega a este ponto depois de uma paciente fervura em uma narrativa cuja ebulição vem gradualmente. A maneira como o cineasta sul-coreano conduz isso ao adaptar o conto Queimar Celeiros (1993), do escritor japonês Haruki Murakami, chamou a atenção dos críticos internacionais no Festival de Cannes, que lhe deram o prêmio FIPRESCI. Por tabela, lhe garantiu sua escolha como o candidato da Coreia do Sul na disputa por uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O thriller começa com o reencontro do entregador e aspirante a escritor Jongsu (Yoo Ah-In) e com a promotora de promoções de outra loja Haemi (Jun Jong-Seo). Os dois cresceram na mesma região e passam a se encontrar outras vezes, até que ela faz a sua tão sonhada viagem para a África e, na volta, traz na bagagem o bem-sucedido Ben (Steven Yeun). A tensão sexual e os ciúmes vão crescendo entre o trio, com um desaparecimento elevando isso ainda mais na segunda metade de suas duas horas e meia de duração.
Este crescente é pontuado pela trilha sonora de Mowg que inclui através de instrumentos típicos uma sonoridade oriental no suspense de suas composições. Vários elementos instigam leituras no decorrer da trama, a exemplo do gato imaginário, mas o que ganha mais destaque é o uso do sol para graduar esse “aquecimento narrativo” assim como a leitura das diferenças de classe na sociedade sul-coreana. Para coroar, o clímax arrebatador ainda entra no hall daqueles finais que se pode duvidar se ocorreu na realidade ou é fruto da imaginação do protagonista.
> Cine Caixa Belas Artes – Sala 1 Villa Lobos – 26/10/2018 às 20h30
> Cinesala – 27/10/2018 às 16h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 28/10/2018 às 17h20
> Espaço Itaú Pompeia 1 – 29/10/2018 às 21h00
> Cinearte Petrobras 1 – 31/10/2018 às 14h00
(Manbiki Kazoku, 2018)
Quando levou a Palma de Ouro em um Festival de Cannes cheio de discussões contundentes fora e dentro das telas, Assunto de Família (2018) pode ter surpreendido a muitos lá presentes. A decisão de dar essa honraria pela primeira vez ao cineasta japonês Hirokazu Kore-eda e por seu novo e agridoce trabalho ser mais abrangente na tarefa de agradar público, crítica e júri podem ser levadas em consideração para justificar essa escolha. No entanto, é bem mais interessante a ideia de premiar um filme que trate de maneira genuína e delicada a complexidade das relações humanas, dos laços familiares e da moral.
Essas questões sempre permearam o cinema de Kore-eda, em títulos que passaram pela Mostra como Ninguém Pode Saber (2004), Pais e Filhos (2013) e Depois da Tempestade, e, na produção escolhida para representar o Japão como pré-candidata ao Oscar, ele disserta sobre como os laços familiares se constroem não pelo sangue em comum, mas pelo carinho e atenção trocados. Sofrendo com os maus tratos e agressões da mãe biológica, a pequena Yuri (Miyu Sasaki) é socorrida pelo ladrão Osamu (Lily Franky) que se compadece dela e leva para casa, onde vive com sua família torta, com a mulher Nobuyo (Sakura Andô) e o que parecem ser a avó (Kirin Kiki) e irmã dela (Mayu Matsuoka) e o seu filho Shota (Jyo Kairi), a quem ensina a arte de ser "mão leve". Somente aos poucos o público vai entendendo que a dinâmica existe além de relações parentais verdadeiras e que uma nova vai se construindo com a menina.
Se Osamu é amoral ao introduzir não só Shota como até Yuri no caminho do clã da malandragem e criminalidade, foi o mesmo que os resgatou e trata como filhos, revelando a dualidade marcada nesses personagens que agem por sobrevivência ou interesse, mas também demonstram verdadeira compaixão um com os outros. A relação fraternal que surge entre o menino e a garotinha é construída gradativamente para sucumbir a um sacrifício que leva ao clímax e um final que atesta que nem sempre o correto à primeira vista é o melhor a se fazer dependendo da situação. Neste mosaico familiar, o roteiro escrito pelo próprio Kore-eda peca ao deixar a jovem Aki de Mayu Matsuoka muito avulsa: a neta da senhora Hatsue que trabalha como uma espécie de stripper / prostituta para voyeuristas começa a gerar interesse com seu arco que lembra a utilização do sexo para tratar da solidão, como fez em Boneca Inflável (2009), mas é deixada ao relento com seu desfecho após uma confusa descoberta das ações de sua avó e seus pais.
> CineSesc – 26/10/2018 às 18h40
> Reserva Cultural – Sala 1 – 27/10/2018 às 16h00
(O Olho e a Faca, 2018)
O montador Paulo Sacramento está estabelecendo sua carreira como diretor de longas-metragens apostando em frentes bem diferentes. Seu novo filme O Olho e a Faca (2018) carrega uma estética próxima à documental no registro do dia-a-dia de uma plataforma de petróleo, que remete à sua estreia com o documentário fundamental O Prisioneiro da Grade de Ferro (2003), e o gosto por simbolismos vistos a exaustão no seu primeiro longa ficcional Riocorrente (2013) e que se acentuam mais ao final deste último trabalho, mas o seu cerne é de uma narrativa convencional de ficção. Na trama, Rodrigo Lombardi vive Roberto, que entre idas e vindas da plataforma petrolífera onde trabalha e a família que deveria ser o seu porto seguro, está em crise.
Em alto mar, o ambiente profissional exala tensão após um acidente com o antigo supervisor Zé Carlos (Caco Ciocler) e uma provável promoção para o cargo que ficou vago. Em terra firme, é um pai carinhoso com o caçula, mas não supre a ausência com o mais velho; enquanto também é um filho brigado com o pai, um marido displicente e que trai a esposa (Maria Luísa Mendonça), com quem mora em um grande apartamento de classe média alta em São Paulo. Com essa descrição, o roteiro não é capaz de criar empatia pelo protagonista nem de desenvolver os outros personagens - especialmente, os poucos femininos que existem - que orbitam ao seu redor.
Água e fogo, elementos já presentes na metrópole em ebulição de Riocorrente, retornam para construir visual e simbolicamente a confusão mental de Roberto, algo do qual a direção de Sacramento tem tato para fazer, embora exagere aqui ao frisar o corvo a todo momento para o espectador. No entanto, o diretor se perde justamente no "feijão com arroz" ficcional, naquilo que dá corpo à narrativa. Junto com problemas técnicos que devem ter exigido a dublagem de algumas sequências na plataforma, sua mise-en-scène e direção de atores pecam em cenas de briga, por exemplo, e fazem de O Olho e a Faca, que também é uma coprodução da HBO e deve ir em breve para a programação do canal, um filme abaixo do que o cineasta já entregou.
> Espaço Itaú Frei Caneca 4 – 26/10/2018 às 15h40
> PlayArte Marabá – Sala 4 – 29/10/2018 às 16h40
(Can You Ever Forgive Me?, 2018)
É, no mínimo, curioso que uma autora de biografias ganhe sua própria cinebiografia, como Poderia Me Perdoar? (2018) faz ao recontar a história real da escritora Lee Israel em seu ponto mais crítico: quando, estando na sua pior, encontrou a saída na falsificação de cartaz assinadas por personalidades. Trazendo como destaque a interpretação de Melissa McCarthy na pele da autora, com a atriz de comédias em um drama, ou melhor, uma comédia dramática melancólica, o filme honra uma característica de sua personagem real ao priorizar o feminino desde sua equipe. A produção tem a direção de Marielle Heller, em seu segundo longa depois do début O Diário de uma Adolescente (2015), e o roteiro de Nicole Holofcener, diretora de À Procura do Amor (2013) e Gente de Bem (2018), ao lado do ator Jeff Whitty.
O público conhece Lee em 1991, quando, depois de relativo sucesso com suas biografias de importantes nomes femininos das artes, não consegue emplacar um novo livro e ainda perde o emprego. Uma solitária que apenas gosta de seu gato, a narrativa logo a apresenta que como uma pessoa antissocial que não se ajuda e, ao mesmo tempo, alguém que não se rende a jogar o jogo da falsidade para se tornar mais conhecida e assim receber mais atenção de sua agente (Jane Curtin) e dinheiro das editoras. É exatamente em outro tipo de falsidade, a ideológica que é crime, que ela enxerga sua salvação ao se deparar com uma carta assinada por Fanny Brice perdida entre os livros que pesquisava para a sua biografia da comediante.
Escrevendo como se fosse essas personalidades, quase como uma ghostwriter sem ser solicitada, o trabalho lhe dá orgulho e a chance de ser lida, mesmo escondendo a sua voz, pela primeira vez em muito tempo, fazendo com que ela evite questionamentos morais. O que Heller não poupa ao próprio mercado de relíquias que muitas vezes faz vista grossa a falsificações pelo mesmo motivo que Israel: dinheiro. Além de versar sobre essas preocupações artísticas, a obra encontra o seu fio condutor na amizade improvável de Lee com o junkie traficante Jack Hock (Richard E. Grant, também ótimo), um escritor inglês que também é homossexual e marginalizado como ela nesta cena literária nova-iorquina que baba por Tom Clancy, como o longa destaca, fazendo da misantropia dos dois personagens e do texto uma forma de encontrar o que há de mais humano dentro do filme.
> Cinearte Petrobras 1 – 26/10/2018 às 15h45
> Espaço Itaú Pompeia 1 – 30/10/2018 às 21h00
(Familia Sumergida, 2018)
A concepção mais interessante que a atriz argentina María Alche faz em seu primeiro longa como diretora é a sua demarcação bem clara de dois tipos de família: aquela que a pessoa conhece desde o nascimento, com pais, irmãos ou afins, e lhe serve de suporte para a vida; e aquela que o indivíduo forma no decorrer de sua história, cabendo a ele ou ela suportar os seus membros. É quando perde a irmã, que era quem lhe restava de sua família pregressa, que a protagonista vivida por Mercedes Morán entra em crise com o seu papel de esteio de sua outra família, na qual é esposa e mãe de três filhos. Este é o norte de Família Submersa (2018), coprodução entre Argentina, Brasil e Alemanha que ganhou o Prêmio Horizonte no último Festival de San Sebastián.
Sem ter um momento direito para sentir o luto pela perda da irmã, Marcela precisa lidar com os problemas de seus filhos, já que o marido está viajando. A mais velha terminou com o namorado, a do meio está pensando em sair de casa e o caçula precisa estudar, pois está de recuperação, obrigando todos a passarem o verão ali mesmo e terem férias reduzidas. Neste ínterim, ela acaba se aproximando de Nacho (Esteban Bigliardi), um amigo de sua filha que acaba lhe servindo de colete salva-vidas neste momento em que procura encontrar sua própria identidade nesta vida que lhe submerge.
A cineasta estreante que um dia foi A Menina Santa (2004) de Lucrecia Martel pega emprestado muito do olhar da compatriota reconhecida em seu retrato de relações familiares claustrofóbicas e o tom fantasmagórico que imprime nas visões de parentes mortos que se confundem com a realidade morta da protagonista. Contudo, Alche não consegue seguir em frente em nenhuma das diversas frentes que abre nesta história, passando a sensação de um filme incapaz de emergir dessas pretensões na hora necessária.
> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 26/10/2018 às 19h15
> Espaço Itaú Frei Caneca 5 – 27/10/2018 às 16h40
> Cinesala – 28/10/2018 às 14h00
(Lean on Pete, 2017)
Há uma América diferente, aquela que não quer ser vista pelos próprios norte-americanos e que é destacada pelo olhar estrangeiro do britânico Andrew Haigh em A Rota Selvagem (2017). Presente na seleção do Festival de Toronto do ano passado, o longa mais recente do diretor de 45 Anos (2015) aproxima o seu foco dos Charleys que coexistem ao redor deles – e de nós também – e não se dá conta. O garoto do filme é vivido por Charlie Plummer – que não é parente do Christopher Plummer –, cujo tour de force que internaliza com naturalismo no protagonista é a principal qualidade e atrativo da produção.
Adaptando o romance Leon on Pete (2010) de Willy Vlautin, Haigh gasta um bom tempo contextualizando a relação de Charley com o pai (Travis Fimmel) e com o cavalo Leon on Pete, que conhece ao começar a trabalhar com Del (Steve Buscemi) que treina cavalos de corrida. Várias desventuras na primeira metade da história farão o adolescente de apenas 15 anos partir de Portland para o estado de Wyoming em busca de sua tia (Alison Elliott), com que estabeleceu algum vínculo materno durante a sua infância. O que não quer dizer que outras não ocorrem na segunda parte, quando o que parece ser um tradicional drama de cavalos se torna também um road movie e a narrativa já sofre com a longa duração do que seria um filme por si só em sua primeira hora.
A obra possui igualmente toques de um faroeste desolador, com as paisagens descampadas belamente fotografadas por Magnus Nordenhof Jønck, e especialmente um coming of age. A transformação para uma vida adulta aqui vem de maneira precoce e através do sofrimento, que vão aos poucos recrudescendo o garoto, enquanto ele luta pela sobrevivência e daqueles que ama em quase um conto de amadurecimento. No entanto, sem sempre conseguir salvá-los ou a si próprio de um mundo egoísta e mau, acumula perdas que fazem alguns espectadores se questionarem se o cineasta apenas chega perto ou ultrapassa o limite da exploração da miséria.
> Cine Caixa Belas Artes – Sala 1 Villa Lobos – 26/10/2018 às 18h00
> Sesc Osasco – Tenda – 26/10/2018 às 20h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 28/10/2018 às 18h50
> Reserva Cultural – Sala 1 – 29/10/2018 às 21h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 31/10/2018 às 19h30
(Zimna Wojna, 2018)
Após fazer produções internacionais e de língua inglesa, como o romance lésbico Meu Amor de Verão (2004), Pawel Pawlikowski voltou as suas origens polonesas, fazendo seu primeiro filme no país onde viveu até os 14 anos com Ida (2013) e dando à Polônia o seu primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Não por menos, seu novo trabalho Guerra Fria (2018), que rendeu a ele o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes, foi escolhido novamente escolhido para representar a nação, mostrando outro fantasma de seu passado recente. Sai o não-dito sobre o nazismo que é tratado no anterior para falar das marcas do regime comunista polonês no roteiro escrito pelo cineasta com Janusz Glowacki.
O longa começa no interior da Polônia, em 1949, com flashes da pesquisa de Irena (Agata Kulesza) e Wiktor (Tomasz Kot) entre os camponeses de músicas típicas. O público depois entende que ela serve para a montagem de uma peça musical inspirada na música folclórica polonesa, da qual a esperta Zula (Joanna Kulig) se destaca na audição, chamando a atenção do pianista e arranjador Wiktor. É então que o cerne do filme se apresenta, como um romance que passeia por vários anos, especialmente a década de 1950 e também a de 1960, e locais.
Isso porque a turnê do espetáculo viaja por vários países do Leste Europeu, indo de Berlim Oriental a Moscou com toda a exaltação stalinista, e também a antiga Iugoslávia do Marechal Tito, além da Paris onde o pianista se refugia da censura velada do governo que obriga os artistas a cantarem os feitos do socialismo na região mesmo sem contextualização dentro da obra. A direção de Pawlikowski e a fotografia de Łukasz Żal, que volta a trabalhar com ele depois de Ida, traz não só o mesmo o preto e branco, como os planos com os rostos nos cantos inferiores da tela, explorando todo o fundo e representando a impotência dos personagens em um cenário de austeridade. No entanto, quando o casal consegue romper a Cortina de Ferro e se livrar de amarras espaciais e políticas, eles mesmos jogam uma cortina de fumaça sobre erros e coisas que precisam ser discutidas em um relacionamento, colocando barreiras para o próprio amor, que vai pedir contas disso depois como já é uma sina de amores impossíveis.
Uma curiosidade final é que Pawel dedica a obra aos seus pais, talvez pelo fato de ter conhecido esse modo de vida nômade quando o pai de origem judia foi obrigado a sair da Polônia por conta de uma política antissemita e emigrou logo depois com a mãe para a Inglaterra.
> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 26/10/2018 às 13h30
> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 27/10/2018 às 14h00
(BlacKkKlansman, 2018)
Em seu novo filme, o cineasta Spike Lee versa sobre o papel do cinema na manutenção ou enfrentamento de uma desigualdade racial tão evidente agora quanto nos anos 1970 em que se passa a história real em que se inspirou. Baseado no livro autobiográfico e homônimo do próprio investigador Ron Stallworth, Infiltrado na Klan (2018) resgata o caso deste que foi o primeiro policial negro da polícia de Colorado Springs e que, com a ajuda de um companheiro de departamento, adentra e se torna membro da Ku Klux Klan, organização norte-americana que prega a supremacia branca, para ter conhecimento de suas ações. Citando o importante em linguagem e técnica, porém, controverso para dizer o mínimo em seus preconceitos, O Nascimento de uma Nação (1915), e contrapondo com os títulos e até utilizando o estilo da Blaxploitation, especialmente na sequência final, o diretor traça um panorama com duras críticas ao racismo nos Estados Unidos, fatores que levaram a produção a receber o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano.
Sua direção já começa a imprimir uma marca quando John David Washington – sim, ele é filho de Denzel – na pele do protagonista, já aprendendo a arte de se infiltrar, tem contato com os discursos de um ex-Pantera Negra (Corey Hawkins) e a jovem ativista Patrice (Laura Harrier) em um encontro de jovens universitários afro-americanos, cujos rostos de descoberta de sua própria beleza, força e resistência são destacados sob um fundo preto. Mas a assinatura de Lee, deixada lá em seu filme-chave Faça a Coisa Certa / Do the Right Thing (1989), com os planos holandeses, aqueles tortos em diagonal, surgem a partir do segundo ato, quando a situação fica mais tensa e crítica na investigação dele e do judeu Flip Zimmerman (Adam Driver), que encarna o “Ron Stallworth branco”, criado pelo original em ligações ao chefe regional da Ku Klux Klan (Ryan Eggold) e inclusive ao grão-mestre da KKK David Duke (Topher Grace). Tal qual sua obra-prima, utiliza o tom cômico para falar de racismo, seguindo o caminho da ridicularização – sem a redenção presente em Três Anúncios Para um Crime (2017), por exemplo – em vez de uma vilanização melodramática dos membros da organização; uma opção que quebra barreiras para atingir o seu objetivo, mas que em tempos de falta de interpretação e exercício de escuta ao diálogo, gere certa rejeição e falta de identificação do espectador que compartilha das mesmas ideias dos inimigos da tela.
O roteiro escrito pelo cineasta ao lado de Charlie Wachtel, David Rabinowitz e Kevin Willmott é inteligente nas menções (in)diretas a Donald Trump, como o uso do slogan “America First” e a fala sobre um plano de colocar alguém da organização na Casa Branca, mas recaí em alguns momentos, junto com a direção, em um didatismo que retira certo impacto desse equilíbrio de denúncia satírica da narrativa, a exemplo da montagem que precisa “desenhar” para o espectador o discurso já claro do longa ao intercalar a cerimônia do grupo supremacista branco e o relato de um senhor sobre racismo na reunião dos estudantes negros. A mão pesada naquele trecho era desnecessária já que Lee endereça o seu recado de maneira mais pungente ao final, jogando na cara da plateia – que na sessão para a imprensa (novidade, só que não!), era quase em sua totalidade branca – a realidade contemporânea com as imagens das manifestações dos supremacistas e ataque aos que se opunham a ela na cidade de Charlottesville, na Virgínia, em agosto do ano passado, mostrando o David Duke da vida real e as falas condescendentes de Trump a eles. O paralelo com o cenário brasileiro atual é inevitável, ainda mais agora com a própria KKK opinando até sobre um dos nossos candidatos à presidência.
> Cinesala – 26/10/2018 às 18h40
> Espaço Itaú Augusta 1 – 29/10/2018 às 14h00